A prisão preventiva de Laerte Codonho, um dos sócios da companhia de refrigerantes Dolly, nesta quinta-feira (10), não foi fruto de uma única fraude e sim de um esquema fraudulento que se arrasta desde ao menos 1998. E que já acumulou um montante de R$ 4 bilhões em impostos estaduais e federais não pagos, segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo. Apenas de ICMS não pagos, foram R$ 2,1 bilhões.
“A dívida bilionária foi constituída por fraudes praticadas por muitos anos, que foram evoluindo ao longo do tempo, à medida que aumentava o cerco da procuradoria”, afirma Rodrigo Silveira, promotor de Justiça do Gedec (Grupo de Representação a Delitos Econômicos).
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Inicialmente, a empresa trabalhava emitindo notas de valores menores que os reais, apresentava rendas sem notas, segundo a investigação. Com o tempo, foi aperfeiçoando a fraude: por meio de laranjas, passou a constituir distribuidoras que simulavam a compra de refrigerantes, gerando créditos irregulares. O sistema evoluiu para um sistema formado por três fábricas, em que duas delas emitiam notas de refrigerantes que na verdade eram produzidos na planta central, de Diadema (SP), afirmou Silveira.
A prisão de Codonho tem prazo de cinco dias, prorrogáveis por outros cinco. Também foram presos o ex-contador da empresa, Rogério Raucci, e o gerente financeiro, César Requena Mazzi. A alegação para as prisões temporárias foi evitar a destruição de provas, o que já teria ocorrido em operações passadas envolvendo a companhia. “Vamos buscar coletar o máximo de provas nesse tempo”, disse o procurador do estado, Cassiano Luiz Moreira.
Além das prisões, houve o bloqueio patrimonial dos integrantes do esquema, a quebra do sigilo bancário e fiscal, além do sequestro de diversos bens, cujo valor ainda não foram contabilizados. Entre eles, estão 13 automóveis, alguns deles de luxo e de colecionadores, e três helicópteros – dois estavam em um hangar irregular em São Bernardo do Campo e o terceiro não teria registro na Anac (agência reguladora do setor aéreo).
“Preso pela Coca-Cola”
Codonho seria o líder do esquema, segundo a procuradoria. Ele foi preso em sua casa, na Granja Viana, em Cotia, na Grande São Paulo. A Polícia Militar foi acionada pelo Ministério Público de São Paulo e acompanhou a prisão do executivo. Não houve resistência, de acordo com a PM.
O empresário foi levado para o 77º DP, na região central de São Paulo. Chegou segurando uma folha de papel com a frase “Preso pela Coca-Cola”, seu maior concorrente. O promotor Rodrigo Silveira afirmou que não há nenhuma outra fabricante de refrigerantes envolvida nas investigações. Procurada, a Coca-Cola Brasil disse que não comenta processos judiciais em que não esteja envolvida.
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A Dolly informa, em nota, que a prisão de Codonho é injusta, que ele sempre colaborou com as autoridades e que tem certeza de que o empresário provará sua inocência. “A defesa recorrerá da decisão e confia na Justiça.”
“Como que eu vou sonegar com a Fazenda o dia inteiro em cima da gente. Nós somos vítimas de uma fraude de um contador contratado pela Coca-Cola. Agora, se a verdade não aparecer, eu estou aqui preso pela Coca-Cola”, disse Codonho ao chegar à delegacia.
Questionado sobre valores em dinheiro que teriam sido encontrados em sua casa, Codonho disse que está tudo declarado no Imposto de Renda. “Qual o problema? É até bem pouco, poderia ter mais pelo tanto que eu trabalho, pelos empregos eu eu gero. Ou não pode ter dinheiro em casa?”
Segunda condenação
Codonho e mais quatro funcionários da Dolly, responsáveis pela gerência e administração da empresa, já haviam sido condenados à prisão por sonegação de contribuição previdenciária. A decisão do juiz federal Márcio Martins de Oliveira, da 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo, foi proferida em fevereiro deste ano. A Vara esclareceu nesta quinta, porém, que não foi expedido mandado de prisão nesse processo.
Segundo o Ministério Público Federal, autor da ação, os réus reduziram o pagamento de contribuições previdenciárias e sociais destinadas ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), Sesi (Serviço Social da Indústria), Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) em 1999, 2000 e 2001, por meio da criação de uma empresa, que supostamente prestaria serviços de manutenção à companhia de refrigerantes.
Empregados da companhia teriam tido seus contratos rescindidos e, em seguida, foram recontratados pela nova empresa, “com continuidade da prestação laboral da forma pactuada com o empregador inicial, inclusive no que tangia à subordinação”, diz o processo.
A investigação foi iniciada após o INSS perceber a queda nesse período do volume de arrecadação dos tributos da empresa e determinar a fiscalização. O juiz considerou Codonho o “mentor do esquema criminoso”.
Para ele, a pena aplicada foi de 6 anos e 7 meses de prisão, além de multa. Os outros quatro condenados tiveram uma pena de 5 anos e 8 meses, mais multa. Foi estabelecido regime inicial semiaberto para todos, e eles puderam recorrer em liberdade.
ICMS
No ano passado, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo deflagrou a Operação Clone, contra a fabricante de bebidas da Dolly, por suspeitas de que a companhia teria retomado as atividades de modo irregular, a partir da criação de novas empresas, após ter sua inscrição estadual cassada em 2016. A empresa tinha dívidas de R$ 2 bilhões em ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
À época, a Dolly disse que não praticou sonegação fiscal e afirmou ter sido vítima de seu escritório contábil, que, segundo ela, omitiu durante anos do Fisco dados importantes, provocando um desfalque milionário com falsificação de sentenças, fraude de guias e documentos.