O prestígio de Antônio Palocci com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou muito em 11 anos. De um companheiro “mais que um irmão”, o ex-homem-forte dos governos de Lula – que foi ministro da Fazenda e até poderia ter sido seu sucessor na Presidência – agora é taxado de um homem “frio e calculista”. O motivo para o rancor foi o depoimento prestado por Palocci ao juiz Sergio Moro, em um dos processos da Lava Jato, que investiga se Lula recebeu propina da Odebrecht por meio da compra de um terreno para abrigar a sede de seu instituto. Palocci afirmou que Lula tinha um “pacto de sangue” com a Odebrecht e se comprometeu com uma propina de R$ 300 milhões. Foi aí que o caldo entornou e a amizade estremeceu.
A estratégia de Lula agora é descolar-se do antigo aliado. A Moro, o petista disse que depois que Palocci deixou seu governo, os encontros ficaram mais espaçados e ocorriam a cada oito meses. A declaração é muito diferente da que foi dada pelo próprio Lula durante a cerimônia de posse de Guido Mantega como ministro da Fazenda, em março de 2006.
Naquela ocasião, Palocci estava saindo do governo porque foi atropelado pelo escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, na CPI dos Bingos – o primeiro escândalo do governo Lula. “Nem todo irmão da gente é um grande amigo. Até porque irmão a gente não escolhe, mas companheiro a gente escolhe. A nossa relação é de companheiro, possivelmente mais do que a relação de um irmão”, disse Lula, com a voz quase embargada.
Essa relação de irmãos entre os dois agora mais parece um repeteco das brigas sem fim dos irmãos Gallagher, da banda britânica Oasis, guardadas as proporções. Irmãos, amigos e tocando juntos em uma banda mundialmente famosa, Noel e Liam Gallagher sempre trocaram farpas em público – e foi uma briga entre os dois que culminou no fim da banda. Hoje em dia, eles são lembrados mais pelas confusões que pelos tempos de paz. Lula e Palocci parecem ir pelo mesmo caminho.
SAIBA MAIS: Leia tudo sobre o depoimento de Lula em Curitiba
“A desfaçatez do companheiro Palocci foi de tal magnitude que ele inventou uma história”, afirmou Lula durante o depoimento. Para o ex-presidente, Palocci cumpriu um ritual em seu interrogatório feito por Moro, com objetivo de reduzir a sua pena e obter a liberação de recursos bloqueados pela Justiça. “Doutor, eu ouvi atentamente o depoimento do Palocci. [Foi] uma coisa quase que cinematográfica, quase que feita por um roteirista da Globo, ‘você vai dizer tal coisa’, ‘os leads são esses’, ele foi lendo... Eu conheço o Palocci bem, se não fosse um ser humano, ele seria um simulador. Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. Palocci é médico, é calculista, é frio”, disse Lula.
E ainda conjecturou mais – colocando até a mãe do antigo “companheiro” no meio. “Fico pensando o que está pensando a mãe dele agora, que é militante e fundadora do PT. Fico imaginando como estão as pessoas que militavam com ele no PT. É lamentável. Eu, sinceramente, não tenho raiva do Palocci, tenho pena de ele ter terminado uma carreira tão brilhante como ele terminou”, declarou.
Palocci não reagiu às declarações – apenas seu advogado, Adriano Bretas, se manifestou. “Enquanto o Palocci mantinha o silêncio, ele era inteligente e virtuoso; depois que resolveu falar a verdade, passou a ser tido como calculista e dissimulado. Dissimulado é ele [Lula], que nega tudo o que lhe contraria e teve a pachorra de dizer que se encontrava raramente com o Palocci a cada 8 meses. Quando lhe foi apresentada a agenda do Dr. Emilio Odebrecht esquivou-se, dizendo que o documento é falso. Essa é a lógica dele: os que o acusam mentem, os documentos são falsos, e só ele diz a verdade”
LEIA MAIS: Todas as notícias sobre Lula
O ex-ministro, no entanto, deu pistas da sua intimidade com Lula no livro “Sobre Formigas e Cigarras”. “Aprendi, então, uma entre as tantas lições que já tivera e as muitas que ainda haveria de ter nos anos seguintes, convivendo com aquele líder obstinado, dono de um carisma inconfundível e uma sabedoria política rara. Sim, de fato: por que mesmo eu teria que falar? Era só não falar”, relata no livro.
A arte de controlar a própria imagem
Quando ainda se tratavam como mais que irmãos, a cumplicidade entre Lula e Palocci ficou registrada em um livro que reúne fotos de Lula, todas feitas pelo seu fotógrafo pessoal Ricardo Stuckert. O então presidente conversava calmamente dentro de um quarto de hotel em Madri, com o então ministro Palocci, em julho de 2003. Lula está em pé, com mãos nos bolsos, observando o ministro, que estava sentado, um braço cruzado e uma mão no rosto. Uma conversa trivial ou não, o fato é que há uma aparente aura de intimidade entre os dois.
Essa intimidade é reforçada por outro registro, de agosto de 2003. Lula e Palocci fazem a caminhada matinal pelo Palácio da Alvorada, juntos. Usando tênis e roupas esportivas – Lula veste um agasalho do Brasil – os dois caminham e conversam casualmente quando são “flagrados” por Stuckert.
O fotógrafo, aliás, é mestre na arte de montar a cena perfeita. Em todas as viagens de Lula, uma coisa é certa: suas fotos oficiais serão impecáveis e venderão a imagem que Lula quiser – na caravana pelo Nordeste, o ex-presidente era um santo. Na última passagem por Curitiba, na quarta-feira (13), Stuckert organizou o cenário por onde Lula passaria antes de começar a prestar depoimento a Moro. Orientou os jornalistas, bateu boca com o responsável pela segurança do petista e até quis treinar a movimentação de fotógrafos e cinegrafistas por entre os cordões de isolamento de militantes do MST. E assim foi a caminhada de menos de dois minutos de Lula.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura