O corretor Lúcio Funaro afirmou nesta sexta-feira (27) que se encontrou “no mínimo” 780 vezes com o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e que o presidente Michel Temer (PMDB) sabia do esquema criminoso implantado pelo ex-presidente da Câmara na Caixa Econômica Federal.
“Uma relação que durou aí 15 anos e eu encontrei pelo menos uma vez por semana com o deputado Eduardo Cunha. São 780 encontros no mínimo”, disse Funaro em depoimento ao juiz federal Vallisney de Oliveira, fazendo a conta de cabeça. Cunha foi “centenas” de vezes no escritório de Funaro, disse o delator. Segundo ele, o peemedebista tinha liberdade para entrar no escritório e sentar na cadeira do corretor para receber “quem quiser”.
Na audiência na Justiça Federal em Brasília, Funaro ficou frente a frente com o ex-presidente da Câmara. Ele confirmou a divisão de dinheiro de propina com Cunha. Ele mencionou, por exemplo, que tinha uma sala em seu escritório para guardar dinheiro.
O corretor também afirmou que o peemedebista gastava “na própria política” o dinheiro que arrecadava. Segundo ele, “tem político que guarda para si” e outros que usam o valor para angariar apoio na política. “Eduardo Cunha usou 100% na própria política, sou convicto de que tudo o que ele tem e arrecadou gastou na própria política”, disse Funaro.
Antes do corretor, o também delator Alexandre Margotto prestou depoimento e disse ter visto um funcionário supostamente ligado a Cunha ir buscar dinheiro vivo no escritório do corretor. Funaro afirmou: “Eu tinha uma sala no escritório à parte, que era sala onde ficava o dinheiro”. Ele falou que chegou a ter R$ 5 milhões em espécie. “O Alexandre (Margotto) trabalhou lá até 2013. Em 2013 foi quando Cunha se candidatou a líder do PMDB da Câmara. Foi uma época que o Cunha precisou de dinheiro. Ele (Margotto) pode ter visto o Altair (emissário de Cunha) pegando dinheiro, sim”, disse Funaro.
Funaro implicou diretamente o peemedebista na sua delação. Os dois, que estão presos, participaram de audiência na 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, na Operação Sépsis, que investiga desvios em contratos do FI-FGTS, administrado pela Caixa.
O corretor afirmou que conhecia também o ex-ministro Henrique Eduardo Alves – outro réu na ação oriunda da operação Sépsis. Ele disse que esteve “várias vezes” com Alves e menciona um encontro deles na casa do empresário Joesley Batista, no qual também estavam presentes Cunha e o ex-diretor da J&F Ricardo Saud.
Temer sabia de esquema na Caixa, diz Funaro
Lúcio Funaro disse ainda na audiência com o juiz Vallisney que o presidente Michel Temer tinha consciência de esquema na Caixa Econômica Federal que era operado pelo ex-vice-presidente de Fundos e Loterias do órgão Fabio Cleto. Ao falar sobre o caso, Funaro foi perguntado pela Procuradoria da República sobre quem dentro do PMDB tinha conhecimento do esquema de Cleto: “Geddel (Vieira Lima) com certeza, Lúcio (Vieira Lima) com certeza, Henrique (Eduardo Alves), Michel Temer, Moreira Franco, Washington Reis”, elencou Funaro.
Ele não deu mais detalhes à menção que fez ao nome de Temer e do ministro Moreira Franco. Questionada, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou, por meio de nota, que “o presidente contesta de forma categórica qualquer envolvimento de seu nome em negócios escusos, ainda mais partindo de um delator que já mentiu outras vezes à Justiça”.
Já Moreira Franco afirmou, por meio de sua assessoria, que seu advogado não teve acesso a investigação e desqualificou o depoimento de Funaro. “Repudio a suspeita. Toda afirmativa proveniente de delatores assumidamente criminosos não merece credibilidade”, disse, em nota.
Articulação intensa
Cleto afirmou em depoimento na mesma audiência que Cunha e Funaro intermediavam o repasse de propina para garantir a empresas a liberação de contratos com a Caixa. No depoimento, Cleto falou que sua indicação para a Caixa foi patrocinada por Cunha, que levou seu nome a Henrique Eduardo Alves.
Funaro afirmou que Cleto sabia que iria operar pagamentos “desde o momento que entrou” na Caixa. “Não ia pedir um cargo no governo na Caixa para não ganhar nada. E ninguém indica alguém que não seja para ter algum proveito ou financeiro ou político”, disse.
Cleto afirmou que mantinha Funaro ou Cunha informados sobre as empresas que tentavam operações com o FI-FGTS. Os dois a partir daí procuravam as empresas para negociar pagamento de propina e davam sinal a Cleto sobre como ele deveria votar naquela operação. “Aprovada, algum tempo depois eles me comunicavam o porcentual que supostamente tinham conseguido e me pagavam um porcentual disso, pré-aprovado”, afirmou.
Funaro chora em audiência ao falar sobre a família
O corretor se emocionou na audiência ao falar sobre a prisão e a família. “Passou a fase de querer vaidade, querer poder. Faz 1 ano e meio que minha filha está vindo aqui nas audiências, o sr (disse ao juiz) conheceu ela um bebê. Eu não quero mais passar por isso. Faz um ano e meio que eu não vejo meu pai. Não tenho coragem de chamar ele para me visitar”, disse Funaro, chorando.
A esposa de Funaro, que acompanha a audiência, também chorou nesse momento. Ele está preso desde julho do ano passado e fechou acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR) no final de agosto.
Ainda emocionado, Funaro falou sobre as operações financeiras que fez e que geraram pagamento de propina. “Foram operações financeiras, mas que não são permitidas e eu tinha que saber isso. Se não é permitido é proibido. Se é proibido pode me levar para a cadeia. Eu não tinha essa concepção dentro da minha cabeça”, afirmou o corretor, que negou que atuasse como um doleiro. Sobre sua situação na cadeira, disse ao juiz que “não tem condição nem de se mexer, quanto mais arrumar briga com os outros”.
Funaro disse que quer sair da prisão para fazer faculdade, como previsto em seu acordo de delação, e “arrumar a vida”.
Sobre ficar frente a frente com Eduardo Cunha, o corretor disse que estava em uma posição “chata”. “É uma posição chata estar sentado aqui, mas é uma posição que eu tive que assumir. Assim como eu aceitaria se a mulher dele tivesse sido presa e ele tivesse que delatar. Eu iria aceitar. Minha irmã foi presa, eu não tinha outra opção”, disse o corretor, que reforçou que ninguém o obrigou a buscar o acordo.
“Eduardo sempre foi um cara muito correto. Nunca atravessou - por exemplo, se o Joesley (Batista) queria fazer uma operação, ele (Cunha) falava ‘você vai ter que falar com o Lúcio’”, disse Funaro.
Ele disse que almoçava constantemente com Cunha e sempre “respeitou muito” a opinião do peemedebista. “Se ele falasse para mim uma coisa, eu iria respeitar. Sempre teve uma ascendência. Não por imposição, mas por ser uma pessoa mais velha que eu respeitava”, disse Funaro, sobre sua relação com Cunha.
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