Reeleito para governar o maior estado administrado pelo PT, o governador da Bahia, Rui Costa, defende a aprovação da reforma da Previdência proposta pelo governo Jair Bolsonaro com apenas quatro alterações. A posição contraria decisões do partido, que é radicalmente contra todo o texto.
Não é a primeira vez que ele contraria o PT. Já criticou o boicote do partido à posse de Bolsonaro e defende uma trégua da oposição no início de mandato, entre outras “rebeldias” pontuais. Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Costa disse estar “perplexo” com o que avalia como vazio de propostas de Bolsonaro. Para o governador, a desarticulação do Planalto não interessa a ninguém, nem à oposição. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. vê este início de governo Bolsonaro?
Com certa perplexidade. Quando alguém assume um governo e passa a ser responsável por um país, sua função é produzir síntese, construir consenso e aglutinar forças. A declaração universal da boa política, e não da nova ou da velha política, é que, quem ganha, declara que vai governar para todos. E não só declara, passa a tomar decisões como um governante de todos, e não de uma parte. Mas o governo trouxe a beligerância da campanha para o ato de governar.
Falta articulação?
Acho que o mais grave, e o Congresso está se ressentindo não só da ausência de articulação, é a beligerância no relacionamento. Todo mundo fica perplexo, e a reação é evidente. Quem presenciou no Brasil, nos últimos 50 anos, um governo recém-eleito no terceiro mês estar tão fragilizado desse jeito, quase beirando a unanimidade contra no Congresso?
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Este desgaste precoce interessa à oposição?
Não interessa a ninguém. Não é à toa que os nove governadores do Nordeste pediram uma audiência com o presidente e se colocaram à disposição para que fôssemos facilitadores de reformas e medidas que o Brasil precisa. Afundar o país, aprofundar a perda de credibilidade não ajuda a ninguém.
O sr. é a favor da reforma da Previdência?
Os nove governadores do Nordeste tiraram um documento no qual falam que é necessária uma reforma que não penalize os pobres, e aponta alguns pontos. Quando se fala de Previdência, é preciso ter uma regra perene. Segundo, a capitalização vai arrebentar tanto a Previdência pública quanto a privada, e só beneficia os bancos. Os outros pontos são a questão rural e a prestação continuada. No documento, nos comprometemos que, se esses quatro pontos fossem retirados, nós aprovaríamos a reforma.
A oposição está conseguindo explorar, no bom sentido, essa desarticulação do governo?
A oposição, assim como os brasileiros em geral, está mais perplexa do que qualquer outra coisa. Ninguém esperava um desastre tão grande nos três primeiros meses como este. O que se espera de um governo novo é uma agenda. Agora, ao fim do terceiro mês, qual é a agenda do governo na saúde, educação, infraestrutura, ou para reformas estruturantes?
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Mas a oposição também não está desarticulada?
Qualquer governo vem legitimado pelas urnas e, nos primeiros meses, manda a boa política que, quem perdeu a eleição, deixe quem ganhou governar. Mas ele não disse nada. Como posso dizer se sou contra a política de saúde se o governo não apresentou nada? O máximo que se pode dizer é que há um vazio de ideias, como diz o editorial do “Estadão”.
O que achou da declaração do presidente de que não cabe a ele fazer a articulação para a aprovação da reforma da Previdência?
Não tem como terceirizar a responsabilidade. Ao se abdicar dessa liderança, você está abdicando do ato de governar.
Ele está fazendo isso?
Se mantiver essa posição, sim.
O sr. vê um método nas ações do governo?
Parece mais uma inaptidão do que fazer. Ele se elegeu dizendo que havia uma pregação ideológica no Brasil, e até agora o que fez foi pregação ideológica. Está ocorrendo uma saturação rápida dessa agenda e, se ele insistir, eventualmente chegará ao limite do desgaste e da ingovernabilidade.
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O que pode acontecer?
Fico sempre triste de acontecer aquilo que é contra o ambiente democrático, que é você tirar qualquer possibilidade de governar, sendo que ele foi eleito para isso. Mas em um dado momento as coisas podem se agravar muito e, institucionalmente de novo, chegar-se à conclusão de que o país não consegue ser governado. Estamos caminhando rapidamente para isso. Não estamos num debate de ideias. Estamos debatendo um vazio e um aprofundamento de um desgaste do Brasil no exterior.
O que a oposição tem a fazer?
Primeiro, exercitar o diálogo entre os partidos. Acho que os partidos, inclusive o meu, precisam voltar a ter capilaridade social. Um dos erros que meu partido cometeu foi deixar haver um afastamento em relação ao povo, apesar de manter nas bandeiras e realizações a representação do povo mais pobre. Os dirigentes passaram a ser assalariados bem remunerados, muito mais do que a média do povo. Se afastaram. A rede de capilaridade deixou de existir e o partido ficou menos permeável a críticas e pressões. Isso contribuiu para o processo de desgaste.