O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) determinou aos seus servidores que paralisem todos os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para o programa nacional de reforma agrária. A medida atinge também os cerca de 1,7 mil processos para identificação e delimitação de territórios quilombolas.
A paralisação da reforma agrária no país foi determinada em três memorandos-circulares distribuídos aos servidores do Incra no último dia 3. Os documentos foram revelados pela organização não governamental Repórter Brasil nesta terça-feira (8).
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Suspensão foi determinada por causa das diretrizes do novo governo
Em um dos documentos, encaminhado aos servidores do Incra, o diretor de ordenamento da estrutura fundiária do órgão, Cletho Muniz de Brito, cita os motivos para a suspensão: a nova vinculação do Incra ao Ministério da Agricultura, definida em decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro no primeiro dia do ano; e “as diretrizes adotadas pelo novo governo, em especial no que se refere ao processo de regularização fundiária na Amazônia Legal” (tarefa que foi repassada ao Incra).
“Essas e outras alterações afetam algumas atividades e demais ações pertinentes à Autarquia na esfera fundiária e bem como [é necessário] garantir o sucesso dos procedimentos relacionados aos ajustes necessários”, escreveu o diretor. Ele determinou “o sobrestamento da tramitação de todos os processos em curso, exceto os processos oriundos de decisão judicial”.
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Em outro memorando, o então diretor de obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do Incra, Clóvis Figueiredo Cardoso, nomeado presidente Michel Temer em 2017, também mencionou como motivos para paralisar os processos: a vinculação do Incra à pasta da Agricultura, as “novas diretrizes do novo governo” e “o processo de transição pelo qual passará o Incra em todas as suas instâncias”. Cardoso deixou o cargo após a assinatura dos papéis.
O ex-diretor do Incra ordenou o “sobrestamento [paralisação] no local onde se encontram, a partir desta data, de todos os processos de aquisição, desapropriação, adjudicação ou outra forma de obtenção em curso” até posterior decisão da diretoria do órgão.
Com Bolsonaro, Incra ficou sob comando de ruralistas
Por medida provisória e decreto assinados pelo presidente Jair Bolsonaro, o Incra saiu da Casa Civil, onde estava desde 2016, para o Ministério da Agricultura, comandado pela líder da bancada ruralista no Congresso Tereza Cristina (DEM-MS). Na pasta, passou a funcionar a Secretaria de Política Agrária, comandada pelo pecuarista e líder ruralista Nabhan Garcia.
Entidades ligadas aos sem-terra temiam que houvesse paralisação ou mesmo o fim do programa de reforma agrária durante o governo Bolsonaro. Quando era candidato, Jair Bolsonaro ameaçou classificar como terrorismo as invasões de terra – principal mecanismo usado pelo MST para conseguir desapropriações para a reforma agrária.
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Em 2017, um dos filhos do hoje presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), disse em vídeo divulgado em redes sociais que a distribuição de terras a integrantes do MST “em nada contribui para o crescimento do país”. Ele acusou o MST de ser “um movimento de cunho político”.
Desde sua criação, em 1970, o Incra contabiliza 1,34 milhão de famílias assentadas no programa de reforma agrária em 9,4 mil assentamentos criados e reconhecidos em 88 milhões de hectares. O número total de famílias hoje vivendo em assentamentos e área reformadas, segundo o Incra, é de 972 mil.
Incra não se manifesta. MST diz que medida vai agravar tensão no campo
Procurado pela reportagem, o Incra não havia se manifestado até o momento para detalhar as razões de suspender os processos de reforma agrária.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), contudo, já se manifestou. Disse que a medida vai agravar a tensão no campo e gerar prejuízos aos cofres públicos, pois em vários processos de identificação das terras o governo já gastou recursos.
“Nos últimos quatro anos, desde o governo Dilma, a reforma agrária já vinha em um sistema de paralisia, e agora é um agravamento. Temos 120 mil famílias acampadas e elas não vão desistir da luta pela terra, sempre pela paz no campo, repudiamos a violência”, disse Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, em Brasília. Ele estimou em 365 o número de processos no Incra que deverão ser atingidos pela paralisação. “É um acirramento do conflito agrário no país”, disse Conceição.