Em meio ao debate infindável sobre a necessidade de uma reforma fiscal no país, o governo federal prevê conceder R$ 283,4 bilhões em incentivos e benefícios fiscais em 2018 a vários setores da economia. Esse montante, que representa cerca de 20% da arrecadação da União, 4% do PIB nacional e supera o déficit previsto de R$ 159 bilhões nas contas da União neste ano, pode chegar a R$ 400 bilhões quando somados os chamados benefícios financeiros e creditícios.
Reconhecidas como uma forma de promover o desenvolvimento e a geração de empregos em vários países mundo afora, no Brasil as medidas de renúncia fiscal têm recebido uma série de críticas quanto à sua complexidade e falta de controle de sua eficácia.
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Esse descontrole é mencionado nas Fiscalizações de Orientação Centralizada (FOC) de Renúncias de Receitas feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Atualmente, o processo está no gabinete do ministro-relator José Múcio Monteiro. O levantamento mostra que oito em cada dez desses programas de desoneração não têm data para acabar e que 53% não têm gestor responsável. O resultado, de acordo com informações contidas no pente-fino do TCU, é um baixo controle sobre a efetividade das políticas que motivaram a renúncia tributária.
Além do descontrole, economistas, pesquisadores, auditores ficais e representantes dos setores produtivos questionam, entre outros pontos, as concessões indiscriminadas que, em alguns casos, favorecem setores que não precisam de desonerações em detrimento de outros mais necessitados.
A lista de beneficiários com subsídios é ampla. Vai da Zona Franca de Manaus, passando por setores de energia, exportação, empresas do Simples, pessoas físicas (deduções do IR de saúde e educação), cesta básica, indústria automobilística até subsídios do BNDES. Mas entram também os chamados benefícios creditícios, como os empréstimos da União ao BNDES (para cobrir a diferença entre juros de mercado e taxas subsidiadas), clubes esportivos e partidos políticos.
“É preciso tomar cuidado para não demonizar em geral as políticas de renúncia fiscal. Existem casos clássicos de medidas nesse sentido que apresentam bons resultados. O problema é que algumas dessas políticas no Brasil acabam ficando ultrapassadas”, diz o pesquisador Manoel Pires, da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).
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O presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP), Gláucio Geara, lembra que historicamente a entidade levanta a bandeira da redução dos tributos, mas reconhece que é preciso observar quais os setores, entidades e instituições que realmente são meritórias de renúncia fiscal.
“O governo tem aplicado a renúncia fiscal em alguns setores da economia que se encontram em dificuldade. Nos últimos quatro anos passamos pela maior recessão dos últimos 30 anos na economia e isso resultou no fechamento de empresas, chegando a atingir 14,5 milhões de desempregados, fora aqueles que estão entrando no mercado de trabalho. Tivemos mais de 2 milhões de micro e pequenas empresas inscritas no Simples que fecharam as portas nos últimos dois anos. O governo precisa saber para onde dirigir a renúncia fiscal, principalmente na área das indústrias. É importante que se faça uma redução dos altos tributos no país”, pondera Geara.
Falta avaliação de resultados
Para o economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria, num contexto de crise como o Brasil está passando, a avaliação dos resultados das políticas de benefícios fiscais se torna cada vez mais importante. “A princípio você está dando um benefício fiscal, que gera uma perda de receita, mas que, supostamente, traria um ganho econômico para determinado setor. Se espera, com base nessa política tributária, que esse setor consiga aumentar sua produção, gerar desenvolvimento, criar mais empregos. Um dos problemas é que a multiplicação de regras torna muito complexa a política tributária e, com a enorme variedade de casos, se perde noção do resultado que cada caso obteve”, avalia.
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Claudio Damasceno, presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), diz que a ideia de fundo não é ruim, mas saiu do controle. “O que começou com uma boa ideia acabou caindo para o descontrole. Eram poucos setores, mas se tornaram muitos. Ao mesmo tempo não se condicionou que aquele benefício fiscal se transformasse realmente em geração de emprego e desenvolvimento”, observa.
Para o representante dos auditores fiscais, “favorecer determinados setores em algum momento para que eles possam sair da crise momentânea e, com isso, trazer benefício para a sociedade como um todo, é uma coisa, mas conceder de forma indiscriminada privilégios fiscais, muitas vezes para setores que não precisam, se torna um problema para a o funcionamento da economia do país”.
A complexidade do sistema é outro alvo de críticas. “Se em vez de um modelo com muitas regrinhas, variações e regimes especiais, tivéssemos uma regra mais simples, com menos alíquotas, eventualmente poderíamos ter uma carga tributária até menor, mas com resultados melhores em termos de desenvolvimento, de crescimento, geração de empregos e produtora de competitividade”, defende o economista Fabio Klein.
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A política tributária, na avaliação de Klein, além da função de arrecadação, tem outro objetivo que é o de induzir um tipo ou outro de estrutura econômica. “Quando, por exemplo, cria-se uma regra para isentar entidades sem fins lucrativos há um estímulo à criação de igrejas, clubes. Não quer dizer que seja bom ou ruim, mas é preciso avaliar o que se busca com essas políticas.”
Refinanciamento de dívidas
Além das desonerações tributárias, o governo tem adotado seguidas medidas de refinanciamento de dívidas fiscais de contribuintes que deixaram de fazer o recolhimento no passado. Ao mesmo tempo em que há quem defenda os chamados Refis e apontam para o perigo do fechamento de um grande número de empresas caso tais medidas não fossem adotadas, há quem vê prejuízo para a economia.
“São 28 Refis em pouco mais de 20 anos. Mais de um Refis por ano. Esses refinanciamentos são um desestímulo ao bom contribuinte. Aquele que cumpre com suas obrigações fica em desvantagem porque paga tudo em dia e o governo acaba beneficiando aquele que é mau contribuinte”, critica Damasceno, do Sindifisco.
Projetos podem tirar R$ 667 bilhões de receita até 2020
O Palácio do Planalto acendeu o sinal de alerta nas últimas semanas depois que veio a público o número de projetos que tramitam no Congresso para conceder benefícios tributários ou perdão de dívidas. Dos 555 projetos que estão na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, cerca de 60 propostas tratam da concessão de renúncia fiscal. Somados, esses projetos retirariam cerca de R$ 667 bilhões da arrecadação até 2020.
Um estudo preliminar da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado mostra um impacto fiscal de R$ 200 bilhões em 2018, R$ 229 bilhões em 2019 e R$ 238 bilhões em 2020.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), presidente da CAE, disse que encomendou um estudo sobre o assunto à comissão, que deve ser apresentado no começo de maio. “Estou vendo até se antecipo a apresentação, porque o número é assombroso. O impacto só em 2018 equivale a 2,95% do PIB”, criticou o senador em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”.
‘Existem casos clássicos de renúncia tributária que apresentam bons resultados’
Entrevista com Manoel Pires, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV/Ibre:
As críticas às políticas de incentivo fiscal do governo são justificáveis?
É uma questão que tem várias dimensões. Tem a questão de dimensão da igualdade, que está relacionada ao fato de você tratar grupos da sociedade de forma diferente em termos fiscais, assim como a avaliação se realmente esses grupos merecem tratamento diferenciado ou se se trata apenas de privilégios, de interesses de determinados grupos políticos. Outra dimensão importante é a efetividade dessas políticas. O governo toma uma série de medidas que geram benefícios tributários e financeiros, mas não há clareza dos impactos que essas medidas têm em relação aos benefícios concedidos, isto é, o resultado que essas desonerações estão dando. E uma terceira dimensão tem a ver com a necessidade de simplificar o sistema tributário brasileiro. Tudo isso tem gerado uma complexidade tributária muito grande ao mesmo tempo em que não há estímulo à produtividade.
Há como reverter esse quadro?
Aí entra a economia política. O que se nota é que não se consegue reverter essas políticas depois que elas são implementadas. É extremamente difícil, por exemplo, fazer o debate sobre a Zona Franca de Manaus. No caso do Simples, só para citar outro exemplo, é extremamente complexo defender que as empresas deveriam pagar mais impostos em um país onde já se paga muito imposto. Então fica difícil avançar.
As políticas de renúncia fiscal, no todo, são ruins? Ou no Brasil é que elas são distorcidas?
É preciso tomar cuidado para não demonizar essas políticas tributárias. Existem casos clássicos dessas políticas que apresentam bons resultados. Por exemplo, o subsídio creditício para educação do ensino superior, como o Fies, é um programa tradicional, que existe no mundo inteiro. Se você não conceder o subsídio você fecha completamente o acesso ao mercado de ensino superior. Outro exemplo é o financiamento para pequenas empresas. Essas empresas, quando começam, normalmente não têm histórico de crédito bancário, não têm bens para dar em garantias. Então você faz um complemento para dar condições a essas empresas se desenvolverem. A questão é que algumas dessas políticas no Brasil ficam ultrapassadas e não há como fazer uma reversão.
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