O confisco do dinheiro das poupanças dos brasileiros foi a medida torta mais emblemática tomada por um presidente para tentar arrumar a economia, mas não foi a única. Antes de Fernando Collor mexer nas poupanças, seu antecessor na presidência, José Sarney, também viu no dinheiro da população uma forma de dar mais fôlego a um Plano Cruzado que começava a se dissolver.
A solução encontrada por ele foi cobrar um empréstimo compulsório, que incidia sobre a compra de combustíveis e veículos no final dos anos 1980 e era transferido para o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), extinto em 2010. Esse dinheiro nunca foi devolvido e hoje soma um passivo de R$ 42,1 bilhões para o governo federal, que pode assumir que não vai pagá-lo.
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Para quem não lembra, entre julho de 1986 e outubro de 1989, cada vez que uma pessoa enchia o tanque com gasolina ou álcool pagava um valor a mais, além dos impostos correntes, que correspondiam a esse empréstimo compulsório. A mesma cobrança foi feita sobre as operações de compra de veículos novos ou com até quatro anos de fabricação. Todo o dinheiro arrecadado iria para o FND, que tinha por objetivo fornecer recursos para a “dinamização do desenvolvimento nacional e apoio à iniciativa privada na organização e ampliação de suas atividades econômicas”.
As novidades foram instituídas por decreto, com a promessa de que o dinheiro seria devolvido até três anos após o confisco, o que não ocorreu. Em 1995 o Senado, por meio de resolução, suspendeu a devolução do empréstimo com cotas do FND, o que acabou com a vinculação do fundo ao empréstimo. A decisão atendia entendimento de inconstitucionalidade do STF.
O fato é que quem pagou nunca recebeu um tostão desse dinheiro de volta. Alguns consumidores entraram com ações na Justiça durante a década de 1990, pleiteando a devolução dos recursos. Poucos efetivamente receberam e, em 1997, o direito de restituição decaiu após decisão do STJ. O próprio FND foi extinto em 2010.
Mas o governo não perdeu de vista o passivo. O anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano menciona o imbróglio dos empréstimos compulsórios. Os direitos e obrigações decorrentes desses empréstimos, e que estiveram sob tutela do Banco do Brasil, foram transferidos para a União.
E é o Tesouro Nacional quem controla esse saldo – o passivo somou R$ 42,1 bilhões em 2016, sendo R$ 39,9 bilhões referentes ao consumo de combustíveis e R$ 8,2 bilhões relacionados à aquisição de veículos. “A devolução do empréstimo compulsório, bem como suas condições, não estão estabelecidas na Legislação vigente”, diz o documento. Isso abre um espaço para que a União não devolva os recursos.
Além disso, os recursos do extinto FND também estão na mira do governo. Um decreto do presidente Michel Temer (PMDB), de maio de 2017, determina uma inventariança no fundo, que deixou de existir em 2010. Essa inventariança vai transferir a titularidade dos ativos permanentes do Fundo para a União, além de identificar o patrimônio e credores. Os trabalhos devem ser concluídos até 30 de maio.
Um possível “calote” nos contribuintes dos anos 1980 e a incorporação dos recursos do FND podem ajudar o governo a cumprir a regra de ouro, que limita o endividamento público. Mas, nem o próprio governo estima quanto essas medidas poderão render.