A primeira reação do presidente Michel Temer ao anúncio de que a Boeing faria uma proposta à Embraer foi sintomática de como é problemática a existência da “golden share”, a ação que dá poder de veto ao governo em empresas privatizadas. Temer disse que no governo dele a empresa nunca seria vendida. O interesse em manter sua imagem pública veio antes mesmo de ele saber de qualquer detalhe do negócio.
A golden share foi criada durante as privatizações como uma forma de manter as empresas vendidas sob a asa do Estado. Foi um argumento valioso para que o processo de privatização avançasse contra o velho argumento do entreguismo ou da segurança nacional – ainda presente no caso da Embraer.
Foi esse cordão umbilical ainda não cortado entre empresas privatizadas e o governo que permitiu ao senador Aécio Neves se gabar em conversas de que poderia indicar o presidente da Vale. Pode não ser verdade que ele tivesse esse poder, mas o interlocutor não teria por que duvidar dado a força de intervenção do governo na companhia.
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No momento, o governo planeja privatizar a Eletrobras e pretende criar mais uma golden share. A empresa precisa ser vendida depois de décadas de uso político, gestão ruim e prejuízos. As lágrimas de Roberto Jefferson após acertar a indicação da filha para o Ministério do Trabalho traziam um pouco da mágoa de ter entregue os cargos que indicava no governo nos idos de 2005, quando apareceu um vídeo com um funcionário da sua turma nos Correios colocando um maço de dinheiro no bolso. Um desses cargos era a presidência da Eletronorte, parte do grupo Eletrobras.
A Embraer é uma empresa privada cujos principais acionistas são fundos de investimento internacionais. Esses acionistas apostaram na empresa, investiram seu capital, contrataram pessoas e fizeram da Embraer a líder em seu segmento. Eles agora têm uma oportunidade valiosa para a companhia – que pode ou não ser o caminho que eles vão escolher para a empresa. Mas precisarão respeitar a vontade do governo caso decidam que uma parceria com a Boeing é o melhor caminho. Prometem respeitar a soberania nacional, seja lá o que isso signifique.
Quase duas décadas depois das privatizações, a golden share se tornou um anacronismo. É sempre possível dizer que os acionistas aceitaram essa condição quando investiram na empresa, mas isso não significa que é o melhor para a companhia ou para o país. O melhor seria uma Embraer maior, com mais capacidade de investimento e gerando ainda mais inovação. A amarra imposta pelo governo se tornou um fator limitador.
Há também o argumento da segurança nacional, sempre valioso para quem defende a intervenção do Estado no mundo dos negócios. Nesse caso, a globalização já enfraqueceu bastante o argumento. Todos os projetos da Embraer contam com fornecedores internacionais e a parceria estratégica com as Forças Armadas não precisaria necessariamente ser desfeita em caso de um investimento direto da Boeing – afinal, há dezenas de projetos, como o submarino nuclear, feitos em parceria com estrangeiros. Contratos bem feitos seriam suficientes para garantir a “soberania” desses projetos.
A golden share não torna a vida da Embraer mais fácil para lidar com um mercado complexo, que demanda investimentos pesados, com grandes riscos de fracasso e batalhas comerciais acirradas. Afinal, se você tivesse uma empresa, gostaria de ter de ouvir a opinião de Temer, Dilma, Lula ou FHC antes de tomar uma decisão importante?
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