O governo do presidente Jair Bolsonaro está estudando tirar poderes dos fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). Uma minuta de decreto formulada pelo Ministério do Meio Ambiente, à qual a reportagem teve acesso, cria um “núcleo de conciliação ambiental” com poderes para analisar, mudar o valor e até anular cada multa aplicada pelo Ibama por crimes ambientais. Para passar a valer, o decreto precisa ser efetivamente publicado no Diário Oficial da União – o que ainda não ocorreu.
Além disso, a minuta prevê a extinção de uma das modalidades de conversão de multas – um sistema que hoje permite a participação de entidades públicas e organizações não governamentais em projetos de recuperação ambiental.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) é crítico contumaz da ação fiscalizatória do Ibama. Em diversas oportunidades, durante a campanha e após ser eleito, o presidente afirmou que iria extinguir uma suposta “indústria das multas ambientais”. Logo após ser escolhido para o cargo de ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles afirmou existir “uma proliferação das multas” e que muitas delas seriam aplicadas por caráter ideológico.
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Como vai funcionar o núcleo de conciliação
A minuta, enviada pelo ministério ao Ibama para análise, altera aspectos da regulamentação da lei de 2008 que trata das multas ambientais. Também revoga pontos de um decreto de 2017. O texto do decreto em estudo estabelece que o novo núcleo de conciliação será formado por “no mínimo dois servidores efetivos”, designados por portaria conjunta do ministro do Meio Ambiente e “do dirigente máximo do órgão ambiental federal”. Enquanto o núcleo não decide sobre a multa, os prazos processuais ficarão todos paralisados, segundo a proposta de decreto.
O Ibama tem aplicado em média, desde 2012, cerca de 16 mil multas por ano, com valores oscilando de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões anuais. No entanto, apenas 5% desse montante é efetivamente pago.
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A minuta diz que o núcleo de conciliação terá que receber, avaliar e agendar reuniões para que possa haver uma conciliação da pessoa ou empresa multada e o Estado. Isso significa que seriam cerca de 16 mil reuniões anuais – o que tende a engessar a gestão pública.
A paralisação dos prazos prevista na minuta também deverá criar ainda mais demora nos processos administrativos. Hoje, o infrator pode entrar com recursos administrativo no próprio Ibama. Há mais de 100 mil processos sendo analisados pelo órgão – que, em 2017, julgou 14,5 mil autos de infração.
De acordo com a minuta, o fiscal do Ibama deverá enviar ao núcleo de conciliação ambiental o auto de infração, o relatório de fiscalização com diversos detalhes e a notificação. Depois disso, o núcleo deverá, entre outras tarefas, “apresentar as soluções legais possíveis para pôr termo ao processo, tais como desconto para pagamento, parcelamento e conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”.
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O núcleo poderá também “readequar o valor da multa indicado no auto de infração” e “decidir sobre questões de ordem pública”. Por fim, a “conciliação ambiental”, que é o termo criado pela minuta de decreto, deverá ocorrer em uma audiência única, “visando pôr termo ao processo administração de apuração da infração administrativa ambiental”.
Minuta também tira ONGs de projetos de recuperação ambiental
No seu último artigo, a minuta de decreto revoga trechos da regulamentação da Lei 6.514, de 2008, incluindo artigos inseridos por um decreto de 2017 que prevê a conversão de multas por “adesão a projeto previamente selecionado pelo órgão federal emissor da multa”, a chamada conversão indireta. A modalidade foi estimulada a partir das mudanças da lei de 2008 formatadas pela ex-presidente do Ibama Suely Araújo durante o governo de Michel Temer (2016-2018).
Atualmente há duas modalidades de conversão de multas, a direta, em que os serviços são prestados pelo próprio autuado pelo Ibama, com desconto de 35% no valor da multa, e a indireta, com desconto de 60%, em que o autuado fica responsável por cotas de projetos de maior porte, denominados estruturantes, nos quais entidades do setor público e ONGs são escolhidas por chamamento público coordenado pelo Ibama.
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Há um ano em vigor, a modalidade indireta mobilizou mais de R$ 1 bilhão em projetos de recuperação ambiental, especialmente nas bacias dos rios São Francisco e Parnaíba. O valor equivale a quase três anos de orçamento discricionário do Ibama.
A modalidade indireta, porém, sempre desagradou a Bolsonaro, que vê nele um meio de repassar verbas para ONGs ambientalistas, as quais costuma criticar. “Estão chegando informações que aproximadamente 40% das multas aplicadas aos produtores rurais vão para ONGs. E isso é um decreto presidencial. Não sei se é verdade. Mas, se for, vocês já sabem o que eu vou fazer”, escreveu Bolsonaro numa rede social duas semanas após ser eleito.
A minuta do decreto em discussão no ministério mantém apenas a modalidade direta, ao estabelecer que também cabe ao núcleo de conciliação ambiental a possibilidade da conversão quando ela for pedida pela pessoa ou empresa multada.
Procurado para se manifestar a respeito da minuta, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu.
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