A conta da ineficiência e corrupção no setor elétrico mais uma vez pode cair no colo do consumidor de energia elétrica. Para tentar resolver o problema da Usina Nuclear Angra 3, projeto dos anos 1970 retomado durante o governo do PT, circula no governo federal e no Congresso a ideia de realizar uma revisão no contrato de venda da energia da usina, que ainda não está pronta, podendo obrigar o consumidor a pagar o dobro do que foi acertado em contrato pelo governo com a Eletrobras. Se a proposta prosperar, o impacto para o consumidor pode chegar a R$ 2 bilhões ao ano, apenas com esse aumento.
A proposta tem apoio dentro da Eletrobras (holding à qual pertence a Eletronuclear, responsável pela usina, além de Angra 1 e Angra 2). O momento é oportuno: o Congresso começou nesta semana a analisar a Medida Provisória (MP) 814, que permite o início dos estudos para a privatização da Eletrobras. No bojo dessa medida, os parlamentares terão de definir o modelo que será adotado para a Eletronuclear, pois a atividade de gestão da energia nuclear é exclusiva da União e terá de ficar de fora da privatização.
Técnicos do governo federal são contrários a uma revisão que cubra toda a perda que a estatal teve com Angra 3 até agora. Mas fontes a par das discussões avaliam que há desequilíbrios no valor definido em 2010 e que a revisão do preço contratual pode ser correta, porém sem cobrir totalmente a perda que a Eletrobras e seus acionistas teriam por causa da corrupção e ineficiência do projeto. Nesse cenário, a Eletrobras e seus acionistas teriam de assumir ao menos parte das perdas.
Segundo o TCU, para que a obra seja retomada e a usina concluída são necessários mais R$ 17 bilhões. Quando a energia de Angra 3 foi leiloada, a previsão era de que seriam necessários R$ 8,3 bilhões para construir a usina. No total, Angra 3 pode custar mais de R$ 25 bilhões, para ter uma capacidade instalada de apenas 1.400 MW, menos de 1% da capacidade instalada do Sistema Elétrico Brasileiro.
O governo está buscando um parceiro internacional para retomar a obra, mas para isso precisa encontrar um caminho que traga lucros a esse parceiro. Uma revisão da receita prevista com a venda da energia seria o caminho para viabilizar um acordo e atrair o parceiro internacional, de olho no lucro com a venda da energia.
A obra está parada desde 2015, quando a Operação Lava Jato encontrou problemas e o presidente da Eletronuclear foi preso. No ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou o cálculo da ineficiência e corrupção na usina: para enterrar o projeto, o prejuízo será de R$ 12 bilhões, com equipamentos que já foram comprados e obras civis que já foram feitas.
Pelo dobro do preço
O preço acertado para a venda de energia de Angra 3 foi definido em portaria do Ministério de Minas e Energia (MME) em 2010, assinada pelo então ministro Márcio Zimmermann. O valor à época era de no máximo R$ 148,65 por Megawatt-hora (R$/MWh), com fornecimento por 35 anos, a começar em 2016. Esse valor já foi revisado e hoje gira em torno de R$ 200 MWh.
Por se tratar de uma energia de reserva (contratada pelo governo em nome dos consumidores e não diretamente pelas distribuidoras de energia elétrica), o preço da energia foi firmado em contrato e posterior ato do governo federal – não se trata de uma tarifa, definida e revisada anualmente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), bastando que o governo revise o contrato, a pedido do Congresso.
O relator da MP na comissão especial no Congresso é o deputado carioca Júlio Lopes (PP). À Gazeta do Povo, ele afirmou que o impasse sobre Angra 3 está prejudicando as cidades da região, no estado do Rio. Mais de R$ 100 milhões em compensações ambientais e royalties têm de ser pagos a quatro municípios do entorno das usinas e estão atrasados. Essa situação pode pressionar os parlamentares cariocas a estudarem uma saída para o projeto.
A situação financeira da Eletronuclear é delicada. Sem as receitas de Angra 3 e com o início da cobrança do empréstimo de cerca de R$ 7 bilhões concedido pelo BNDES e pela Caixa Econômica Federal para construir a usina, o braço de energia nuclear da Eletrobras tem de desembolsar prestações de R$ 30 milhões ao mês e, por isso, está deixando de pagar os municípios.
Lopes reconhece que a situação da Eletronuclear tem de ser tratada separadamente da privatização da Eletrobras. Se o Congresso decidir aprovar uma revisão do preço da energia da usina, terá de enfrentar reclamações dos consumidores.
“Não há justificativa, dentro do razoável, para o governo aproveitar a privatização da Eletrobras e repassar para as tarifas os custos de Angra 3. Primeiro porque colocaria mais querosene na fervura da explosão tarifária. Segundo porque a lei não permite que façam parte das tarifas os custos de uma usina que ainda não entrou em operação. E terceiro porque isso já foi tentado no ano passado e foi barrado pela Justiça, dada a ilegalidade, via uma Ação Popular. Não há outra saída para o governo a não ser assumir que não gerenciou bem as obras, fazer um write off dos ativos cujos custos são excedentes aos valores de mercado e considerar este excedente como perda do acionista”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE), Edvaldo Santana.
No setor nuclear, o entendimento é que é urgente a situação de Angra III e da Eletronuclear, sendo necessária a definição de uma solução. “É mais caro hoje deixar de construir a usina do que fazê-la. Os equipamentos estão lá, desativar aquilo seria uma fortuna, teria de se indenizar muita gente. É uma discussão ridícula. O consumidor está pagando muito mais por causa da tarifa pela crise hídrica. Seriam centavos a mais para o consumidor. O impacto (na conta de luz) deve ser imperceptível. Essa formatação, via aumento da tarifa, seria uma grande saída”, avalia Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan).
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