O governo federal estuda lançar um “plano B” de ajuda aos estados em grave crise financeira. A ideia é permitir que mesmo unidades da federação endividadas possam ter acesso a credito com garantias da União desde que se comprometam a colocar em prática um pacote de ajuste fiscal que inclua privatizações e corte de gastos. O novo programa deve funcionar em paralelo ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o “plano A” do governo para salvar os estados, que só teve a adesão do Rio de Janeiro em pouco mais de um ano.
O plano em estudo será destinado aos estados considerados sem capacidade de pagamento e que, por isso, levam notas baixas na avaliação do Tesouro Nacional, secretaria ligada ao Ministério da Economia e responsável por administrar as contas públicas da União. Os estados poderão buscar empréstimos nas instituições financeiras usando a União como garantia, desde que apresentem um plano de ajuste fiscal e que esse plano seja aprovado pelo governo federal.
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Esse plano terá de atender a uma série de requisitos, como a garantia de que não se dará reajuste salarial ao funcionalismo público. Também precisará provar que em até quatro anos o estado vai melhorar as suas finanças e passará a ter capacidade de pagamento, alcançando as duas notas mais altas possíveis na avaliação do Tesouro.
O Tesourou passou a atribuir notas aos estados a partir de novembro de 2017. Chamado de Capag, o índice mede a capacidade de pagamento de um estado a partir de indicadores de endividamento, poupança corrente e liquidez. Quem recebe nota A ou B está em uma condição melhor e, portanto, apto a buscar empréstimos com garantias da União. As piores notas são C e D e quem recebe essas classificações não pode contrair financiamentos usando a União como garantia.
O novo plano visa justamente mudar essa lógica, permitindo que estados com nota C ou D tenham acesso à crédito. O objetivo seria dar a oportunidade a esses estados de conseguir dinheiro novo, pois hoje, sem garantias da União, as chances de conseguirem empréstimo no mercado diminuem bastante.
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O valor máximo dos empréstimos, segundo apurou a Gazeta do Povo, continuaria respeitando o teto estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, hoje em R$ 24,5 bilhões. O valor, porém, seria liberado em parcelas, conforme o estado comprove que as medidas de ajuste fiscal estão sendo feitas.
O estudo para lançar esse novo programa foi confirmado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em entrevista coletiva na terça-feira (27) para apresentação do resultado das contas públicas. Ele afirmou que o projeto está sendo desenhado em conjunto com o Banco Mundial e que se trata de uma “ajuda” para que os estados “façam o ajuste fiscal”, já que o mecanismo atual, o Regime de Recuperação Fiscal, “não é suficiente”.
Quem são os estados que poderiam ser beneficiados?
Os estados que poderiam ser beneficiados pela medida são aqueles que receberam notas C e D, ou seja, que não têm capacidade de pagamento, segundo avaliação divulgada pelo Tesouro no fim do ano passado.
Ao todo, são 13: Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins. Apesar de passar por grave crise fiscal, o estado de Minas Gerais não foi avaliado porque não encaminhou os dados.
Mansueto explicou que, na prática, menos estados poderão recorrer à medida caso ela venha a ser implementada. Isso porque o Rio de Janeiro já aderiu ao RRF e para ele não faria sentido, e Minas Gerais e Rio Grande do Sul já estão em processo de adesão.
O secretário destacou, ainda, que a medida está em estudo e, se levada adiante, dependerá de um projeto de lei, que precisará da aprovação do Congresso.
Ideia vai funcionar?
O professor de Macroeconomia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery afirma que esse tipo de ajuda precisa ser muito bem avaliado pelo governo, tanto do ponto de vista econômico quanto do político.
“Eu entendo que o governo tem uma agenda de reforma, principalmente da Previdência, e que deve estar sendo pressionado pelos governadores. Mas tem que olhar com cuidado. No passado, a experiência que a gente tem é que toda a vida que o governo deu esse socorro aos estados, os estados abusaram e voltaram a ter problemas.”
Ao pegar um empréstimo com garantia da União, caso o estado não pague a conta, é o governo federal quem arca com o prejuízo.
Ellery lembra que há anos os estados vêm abusando desses “socorros” dados pela União, sem conseguir resolver as contas públicas e sem compromisso real com controle de gastos. “Os governadores gastam além do que podem, comprometem em excesso os gastos, fazem concursos que não podiam, fazem uma porção de coisas e depois não conseguem honrar seus compromissos e pedem socorro à União. Isso é injusto, principalmente sobre o recado que está dando.”
O professor cita o exemplo do Espírito Santo, o único estado com avaliação A do Tesouro, ou seja, com boa capacidade de pagamento. “Você pega o Espírito Santo, que está em melhor situação. O Espírito Santo teve um desgaste terrível [ao fazer o ajuste fical] por conta de uma greve de policial militar. O que a União está dizendo [ao Espírito Santo]: você não precisaria ter passado por isso [porque] que depois a União te ajudaria.”
Para Ellery, além de exigir um plano de ajuste fiscal, o governo vai precisar focar nas garantias que os estados vão dar para cumprir o que acordaram, algo que está no radar do Tesouro.
O professor da UnB lembra o caso do Rio de Janeiro, único estado que aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), lançado em novembro de 2017 justamente para tentar salvar os estados da crise financeira. O regime permite crédito extraordinário e suspensão das dívidas do estado com a União por até três anos. O governo fluminense prometeu, como uma das contrapartidas para adesão ao regime, privatizar a Cedae, a companha estadual de água e esgoto. A venda, porém, não foi aprovada na Assembleia Legislativa do estado.
“O grande desafio desse desenho, que envolve questões políticas, econômicas e legais, é bolar um jeito que os estados de fato sejam obrigados a colocar em prática o que prometeram”, conclui Ellery.