O governo estava pensando em cobrar mais Imposto de Renda – uma alíquota de 30% ou 35% – de quem ganha mais de R$ 20 mil por mês. Mas desistiu no mesmo dia em que o presidente Michel Temer tocou no assunto, porque a ideia causou furor.
Grande parte dos contribuintes, no entanto, passaria bem longe de sofrer essa mordida mais forte do Leão. Ao menos na estatística, é mais fácil encontrar alguém que aprove o governo Temer do que um brasileiro que ganhe mais de R$ 20 mil por mês.
Uma das reações mais contundentes à nova alíquota do IR veio do Sindifisco, que representa os auditores fiscais da Receita Federal:
“Nós, do Sindifisco, já sabemos no colo de quem vai explodir a bomba: no do assalariado”, afirmou a nota do sindicato.
Os auditores fiscais entendem de Imposto de Renda e têm razão quando afirmam que o assalariado seria afetado. Mas não qualquer assalariado. Na verdade, algo próximo de 1% dos empregados do país, apenas, teria de pagar essa alíquota mais alta (veja infográfico).
Assalariados de alta renda
Segundo as informações mais atualizadas da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, o país tinha 48,1 milhões de empregados ao fim de 2015, na soma de trabalhadores submetidos à CLT e funcionários públicos. E somente 551 mil ganhavam mensalmente 20 salários mínimos ou mais, entre os quais 247 mil funcionários públicos, 200 mil empregados do setor privado e 76 mil, de estatais. Essas 551 mil pessoas representavam 1,1% do total de empregados naquele ano e 0,3% da população brasileira.
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(O salário mínimo atual é de R$ 937, o que significa que R$ 20 mil equivalem a 21,3 salários mínimos. Este texto faz referência aos que ganham 20 salários mínimos ou mais porque isso facilita a comparação com os dados da Receita Federal, que aparecem a seguir. Na prática, portanto, o número real de brasileiros que ganham precisamente R$ 20 mil ou mais é ainda menor.)
Declarantes de Imposto de Renda
Os dados da Rais revelam apenas a renda do trabalho. Quando se considera todos os rendimentos tributáveis, que são os valores que a Receita Federal leva em conta para cobrar o Imposto de Renda, o número de brasileiros que declararam ganhar o equivalente 20 salários mínimos ou mais mensais em 2015 sobe para aproximadamente 1,07 milhão. O equivalente a 3,9% dos declarantes de IR, ou 0,5% da população.
Uma vez que 5% dos brasileiros dizem aprovar o atual governo, segundo pesquisa feita em julho pelo Ibope, pode-se afirmar que existem dez apoiadores de Temer para cada cidadão que seria mordido pela nova alíquota de até 35%.
Quanto ganha a maioria
O rendimento da ampla maioria dos brasileiros é muito inferior aos R$ 20 mil em questão. Os empregados formais do setor privado, por exemplo, ganham em média R$ 2.025 por mês, segundo a mais recente Pnad Contínua, do IBGE, referente ao segundo trimestre do ano.
De acordo com a mesma pesquisa, os funcionários públicos ganham R$ 3.291 mensais, na média dos federais, estaduais e municipais. Até o rendimento dos 4,2 milhões de brasileiros que se declaram empregadores – quase todos, donos de micro e pequenas empresas – ficaria isento do IR mais alto. Eles ganham, em média, R$ 5.389 por mês.
O salário dos auditores fiscais
Um rendimento superior a R$ 20 mil por mês é mais frequente nas carreiras mais bem-pagas do funcionalismo federal, em especial nos poderes Judiciário e Legislativo – que no fim do ano passado pagavam respectivamente R$ 17.355 e R$ 16.381 por mês, em média, a seus servidores, conforme boletim do Ministério do Planejamento.
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No Executivo federal, a média é mais baixa, de R$ 10.071. Mas várias carreiras têm salários superiores a R$ 20 mil, ou terão em breve. É o caso dos auditores fiscais da Receita, representados pelo Sindifisco. Graças ao aumento concedido pelo governo, a partir de 2018 eles terão remuneração inicial de R$ 20.123. E estariam, portanto, sujeitos à nova alíquota que o governo enterrou em menos de 24 horas.
Distribuição de renda
Não há como esperar elogios a um aumento de imposto, ainda mais quando proposto por um presidente que andou distribuindo dinheiro – na forma de emendas parlamentares – para barrar uma denúncia de corrupção.
Mas o aumento da tributação sobre a renda provavelmente encontraria defensores entre os estudiosos da distribuição da renda nacional. A carga tributária brasileira é muito concentrada sobre o consumo, o que penaliza principalmente os mais pobres, que destinam toda a renda à compra de produtos que, em geral, atendem às suas necessidades mais básicas.
A tributação sobre a renda, por outro lado, é suavizada por deduções e isenções acessíveis somente a uma parcela da população. É o caso das deduções de despesas com saúde e educação e da isenção dos dividendos, que faz com que os muito ricos paguem proporcionalmente menos impostos que os “apenas” ricos.
O problema é que o governo, preso a um buraco fiscal que ele próprio andou aprofundando, estava pensando em elevar a tributação da renda sem reduzir a do consumo. Ao contrário, ele andou reajustando, e bastante, os impostos sobre os combustíveis.
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