Em meio a críticas de que o edital lançado favorece companhias ferroviárias que já atuam no país, o governo federal realiza nesta quinta-feira (28) o leilão de parte da ferrovia Norte-Sul. A estrada de ferro é um ambicioso projeto para ligar o país de ponta a ponta e atender principalmente a demanda por transporte do setor do agronegócio, mas há 30 anos a obra aguarda conclusão.
A ideia do governo é conceder à iniciativa privada um trecho de 1.537 quilômetros da ferrovia, que vai da cidade de Estrela d’Oeste (SP) a Porto Nacional (TO). O lance mínimo será de R$ 1,353 bilhão. O vencedor terá de se comprometer a investir R$ 2,8 bilhões ao longo de 30 anos de concessão. É o primeiro leilão de ferrovia dos últimos dez anos.
Ministério Público tentou suspender leilão
A polêmica em torno do leilão é que alguns especialistas na área dizem que o edital favorece as atuais operadoras ferroviárias do país – a VLI (empresa de logística criada pela Vale e que tem a mineradora como acionista), que opera o trecho em funcionamento da Norte-Sul, e a Rumo, que opera a malha paulista.
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O Ministério Público Federal (MPF) chegou a recomendar a suspensão do certame, mas depois voltou atrás e fechou somente um protocolo de entendimento com o Ministério de Infraestrutura. O Ministério Público de Contas também pediu a suspensão. Já o Tribunal de Contas da União (TCU) pediu esclarecimentos sobre as acusações de vício do edital.
A questão do direito de passagem
O trecho que será leiloado não tem acesso direto ao mar. Então, quem conseguir a concessão, terá que necessariamente usar outros dois trechos ferroviários – um da própria Norte-Sul e outro da Malha Paulista – para chegar até áreas portuárias.
Esses dois trechos são operados, respectivamente, pela VLI e Rumo. E para usar esses trechos da Rumo e VLI, é preciso firmar o chamado “direito de passagem”, que é a permissão para que outra operadora ferroviária utilize um trecho que não está sob sua administração.
O edital garante o direito de passagem pelos cinco primeiros anos, mas depois deixa a questão em aberto, já que os próprios contratos com a Rumo e a VLI serão ainda renegociados pelo governo. Com isso, investidores estrangeiros estão desistindo de participar do leilão, já que não têm a segurança jurídica de que terão o direito de passagem ao longo dos 30 anos de concessão. É o caso da empresa russa RZD.
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“Para que investidores ou operadores ferroviários, não ligados à Vale ou à Rumo, tenham interesse em participar do leilão, seria necessário oferecer garantias de que os trens da Norte-Sul poderiam trafegar por essas ferrovias. Ninguém em sã consciência irá gastar quase R$ 3 bilhões em locomotivas e vagões e mais de um bilhão de reais em valor de outorga para ficar com seus trens confinados dentro da Norte-Sul, sem poder chegar aos portos”, escreveu o economista Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas, em artigo publicado no jornal O Globo, no fim de fevereiro.
O MPF também questionou o "motivo de a contratação não prever transporte de passageiros na exploração da ferrovia", e sim somente de cargas. Argumentação que foi endossada nas redes sociais pelo procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público junto ao TCU, que pediu que a licitação seja revista “urgentemente”. Depois, o procurador entrou com pedido de suspensão do leilão.
No Twitter, o ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, se defendeu das críticas. “Houve muito cuidado na elaboração desse edital. Não é fácil modelar algo que está entre duas concessões existentes”, escreveu em 5 de março ao ser questionado se o edital favoreceria a Vale.
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Já o professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral (FDC), diz que somente as atuais operadoras ferroviárias teriam condições de operar a Norte-Sul, devido à complexidade do projeto.
“Quem tem capacidade verdadeiramente de assumir uma Norte-Sul com todos os desafios que a Norte-Sul apresenta? Quem já opera a logística de agronegócio no Brasil. Russos, chineses, teriam imensas dificuldades [para operar, caso disputassem e vencessem o leilão]. Para eles [entrar no Brasil], precisam de greenfield [áreas novas, para erguer do zero] e menores, como o projeto da Ferrogrão.”
Pelo menos duas empresas protocolaram proposta
Fato é que, apesar de toda a polêmica, o leilão está mantido para esta quinta-feira (28). Pelo menos dois grupos entregaram proposta, que serão abertas na B3. Depois, haverá disputa por viva-voz. Rumo e VLI são apontadas como favoritas.