A resposta para viabilizar a retomada da construção da usina nuclear Angra 3, parada pela Operação Lava Jato, pode vir da usina binacional Itaipu. O relator da medida provisória (MP) 814, deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ), vai sugerir em seu relatório que Itaipu e Eletronuclear (duas empresas ligadas à Eletrobras que não podem ser privatizadas) façam uma parceria na comercialização da energia da hidrelétrica binacional. Com isso, a receita de Itaipu proporcionará uma solução contábil que evitará a liquidação antecipada da dívida de Angra 3 com o BNDES e com a Caixa e o destravamento das obras.
À Gazeta do Povo, Lopes confirmou que vai incluir essa proposta em seu relatório, que deve ser apresentado na semana que vem. Também deve constar no relatório a previsão de que o preço da energia vendida por Angra 3 passe por uma revisão, para refletir a “média de preço internacional” cobrada pela energia nuclear, segundo declaração do deputado. Ou seja, o preço firmado em contrato entre os acionistas de Angra 3 pode aumentar e a conta cairá para o consumidor de energia elétrica de todo o país, conforme antecipado pela Gazeta do Povo.
Lopes acredita que, mesmo assim, será possível evitar um aumento na conta de luz. “A sugestão é que entre na conta geral [que é paga pelos consumidores]. Nós vamos encontrar uma forma de dar modicidade tarifária, com ativos que possam ser envolvidos nesse processo e façam uma compensação”, disse Lopes, sem citar quais podem ser esses ativos.
A revisão de preço da energia de Angra 3 (limitado a R$ 148,65/MWh em 2009) deverá ser feita pelo Poder Executivo, segundo a proposta prevista pelo deputado em seu relatório, que será votado na comissão mista da MP e depois pelos plenários da Câmara e Senado.
A ideia é permitir a revisão do acordo de credores da Eletronuclear com o BNDES e Caixa, a partir do novo fluxo de caixa considerando a energia que Itaipu tem a vender e com preço revisado para cima para o megawatt de energia de Angra 3.
Lopes destaca que isso evita um problema muito grande para o governo e um “choque” para a Eletrobras. Em maio, vence mais uma parcela do empréstimo e a inadimplência implicaria em antecipação de toda a dívida da Eletrobras, afirma o deputado.
O governo está buscando um parceiro internacional para retomar a obra, e a revisão da receita prevista com a venda da energia seria o caminho para viabilizar um acordo e atrair o parceiro internacional, de olho no lucro com a venda da energia.
Custo da corrupção em Angra também será coberto por tarifa maior
Pela sugestão do relatório, o “Poder Executivo deverá instituir faixa de preços para comercialização de energia pela Eletronuclear, a ser revisada periodicamente”, considerando todo o valor da empresa, seus ativos, maquinário e até mesmo as perdas decorrentes da corrupção, apontados pela Lava Jato.
“Isso é um somatório de insumos, de custos, de uma equação econômico-financeira séria, que deverá resultar no estabelecimento de um preço que seja compatível com a remuneração de custos do processo, mais um delta de remuneração do lucro da companhia. Não tem canetada, é um processo científico-matemático”, disse Lopes.
Estima-se que o custo total que pode ser empurrado para a conta de luz seja de R$ 2 bilhões ao ano, mas a equipe técnica que assessora o deputado não confirma esse valor. Técnicos do governo avaliam que ao menos parte desse custo poderia caber ao consumidor, mas não sua totalidade e que parte desse prejuízo deveria ser assumido pelos acionistas minoritários da Eletrobras em seus balanços.
A proposta de Júlio Lopes encontrava resistência entre técnicos da gestão do ministro Fernando Coelho Filho no Ministério de Minas e Energia. Isso porque uma revisão no valor da energia de Angra 3 firmado em contrato dependeria de uma análise de excludente de responsabilidade. Um aumento na conta de luz dos brasileiros sem essa análise poderia ser considerado uma forma de favorecimento ao acionista privado da Eletrobras, temem os técnicos.
Essa visão de que não cabe ao Ministério de Minas e Energia revisar o preço de Angra já foi consolidada e consta em nota técnica enviada ao Tribunal de Contas da União (TCU) , com data de 18 de abril de 2016. Os técnicos destacam no documento que a Eletronuclear ao assinar o contrato de venda de energia de Angra 3 “asseverou que o preço de venda em conjunto com suas regras de atualização e de pagamento era suficiente para o cumprimento integral das obrigações previstas no contrato”. “Ou seja, não haveria de se contestar, após a assinatura do contrato, seu equilíbrio econômico–financeiro inicial”.
Em 2014, a Eletronuclear teria pedido que os órgãos de governo analisassem um pedido de revisão do contrato de Angra 3, para recompor o preço da energia. Mas o Ministério afirmou não ser sua competência analisar as responsabilidades de descumprimentos do contrato.
“A postura adotada pelo MME, de apenas acompanhar, se solicitado, e de atuar enquanto facilitador, também apenas quando solicitado, tem também o objetivo de não configurar ingerência da União na administração de estatais que direta, ou indiretamente, têm acionistas minoritários, de modo a evitar que a União seja acusada e penalizada por prática de abuso de poder de controle”, afirmam os técnicos, no documento enviado ao TCU.
Prazo apertado e novo ministro
A nova equipe do Ministério de Minas e Energia terá de endereçar o assunto com urgência, já que em maio vencerão novas parcelas do compromisso entre Eletronuclear e BNDES e Caixa. Nesta semana, tomou posse no comando da pasta Wellington Moreira Franco, próximo ao presidente Michel Temer e com base eleitoral no Rio de Janeiro, mesmo estado do relator da MP.
Júlio Lopes afirma estar em diálogo com Moreira Franco e a nova equipe do MME, mas não adiantou qual é a posição da nova gestão do Ministério sobre o tema. Em declaração à Agência Infra, Moreira Franco afirmou que terá de “introduzir a questão nuclear, que é muito importante”.
O deputado explicou que sua preocupação em dar uma solução ao problema de Angra 3 começou quando ele foi informado de que quatro cidades do Rio, no entorno da usina (Rio Claro, Angra, Parati e Mangaratiba), estariam deixando de receber mais de R$ 100 milhões em compensações ambientais e royalties, impedindo a continuidade de obras em hospitais e postos de saúde da região.
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