Uma greve no pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia, nos anos 1980, foi responsável por aproximar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o empreiteiro Emílio Odebrecht, num encontro intermediado pelo ex-governador de São Paulo Mário Covas, morto em 2001. A história é narrada pelo próprio Odebrecht, em trecho de sua delação premiada firmada no âmbito da operação Lava Jato.
Dali em diante, a empatia surgida entre ambos fez de Lula e Emílio Odebrecht interlocutores habituais, e também do grupo empresarial baiano um apoiador de primeira hora das disputas presidenciais do petista. O empreiteiro diz ter colaborado com campanhas de Lula desde 1989, quando ele foi ao segundo turno mas perdeu a disputa para Fernando Collor de Mello.
“Lula não tem nada de esquerda”, diz empreiteiro
“Estávamos enfrentando uma greve, que estava perdurando, no pólo petroquímico de Camaçari [onde o grupo inaugurara havia pouco uma planta industrial]. Mário Covas então me perguntou: você conhece Lula?”, diz Odebrecht, em depoimento em vídeo gravado em 13 de dezembro passado.
O empresário diz que o encontro deve ter ocorrido no início dos anos 1980. Um assessor, a seu lado, corrige-o, dizendo que foi entre o fim daquela década e o início da seguinte. O mais provável, porém, é que tenha sido em meados de 1985, quando uma greve de 15 dias paralisou indústrias químicas e petroquímicas em Camaçari, num dos primeiros protesto de grande porte de trabalhadores do setor desde o golpe militar de 1964.
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“Fomos apresentados na casa de Mário Covas, num sábado. O encontro fomos [só]nós três. Relação de confiança [que havia] entre mim e Covas ele procurou transferir para Lula. E tive uma empatia, sinceramente tive uma empatia com ele. Foram nove horas de diálogo”, narra Odebrecht.
Em 1985, Covas, ainda no PMDB, se preparava para deixar a prefeitura de São Paulo, posto que ocupava desde 1983 por indicação do então governador Franco Montoro. Fernando Henrique Cardoso, candidato do partido à sucessão de Covas, amargaria uma inesperada derrota para Jânio Quadros. EM 1988, Covas e FHC estariam no grupo que deixou o PMDB para fundar o PSDB.
O encontro foi proveitoso, segundo diz o empreiteiro. “Pude falar com ele [Lula] sobre a greve. A greve estava perdurando, com problemas seríssimos [para a Odebrecht]. Ele não só me ajudou [a encerrar a paralisação] como criou uma condição de [a empresa] ter relação diferenciada com sindicatos na Bahia.”
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Em documento anexo à delação, Odebrecht dá mais detalhes. “À época, que coincidia com o período de redemocratização do Brasil e com o aumento dos investimentos da organização no setor petroquímico, houve ume greve geral no polo de Camaçari, sem o envolvimento de líderes sindicais ou do próprio sindicato. Como tínhamos dificuldade de dialogar com os empregados, pedi apoio a Covas, que me sugeriu que conhecesse Lula. Ele teve papel importante na retomada dos diálogos e após um período de pelo menos duas semanas uma das maiores greves já enfrentadas pela indústria petroquímica teve fim.”
A partir daí, os dois iniciaram uma “relação de proximidade e respeito mútuo”, segundo Odebrecht. Pedro Novis, ex-presidente da empresa e também delator na Lava Jato, usa outras palavras. “Talvez doutor Emílio, ao longos desses anos, tenha sido o empresário de maior proximidade, até de relação de amizade [com Lula]”, relata Novis, em depoimento colhido em 12 de dezembro passado.
“Lula não tem nada de esquerda”, diz empreiteiro
“Passei a ter um processo de convívio com ele [Lula] quase que institucional. Era três a quatro encontros [anuais], em determinados anos mais. Ele começava a pensar no processo de disputa [a presidente]. É uma das pessoas mais intuitivas que já vi na minha vida. É um animal político, intuitivo”, conta o empreiteiro. “Ele tomou a decisão de partir para isso [a candidatura presidencial] e nós ajudamos, já em 1989. Fomos com ele sempre.”
Na delação, Odebrecht narra conversas com Lula sobre o futuro do setor petroquímico. Segundo ele, a Petrobras desejava estatizar o setor, posição contrária à da Odebrecht. “Eu coloquei isso a ele, que foi muito enfático e me respondeu: ‘eu não sou de estatizar’”, afirma Emílio. Ante dúvidas do empresário sobre a concordância do partido com a posição de Lula, o ele foi enfático, segundo o delator. “Lula disse: ‘Quem manda [no PT] sou eu.’”
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O empreiteiro prossegue: “Golbery do Couto e Silva (um dos homens fortes do regime militar, e também executivo do setor petroquímico --trabalhou na norte-americana Dow Química), me disse: ‘Lula não tem nada de esquerda. Ele é um bon vivant’. E é verdade. Efetivamente, a coisa que ele mais quer é ver a população carente [bem] sem prejuízo de quem tem. Não é aquele negócio de tirar de um para dar ao outro. É como [fazer para] aquele que pode ajudar o outro a crescer. É a visão correta, é a minha visão. É por isso que procurei contribuir muito [com Lula].”
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