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| Foto: Gabriel Rosa/Gazeta do Povo

No discurso, a greve geral em andamento tem o objetivo de garantir os direitos dos trabalhadores. Na prática, ela protege os membros mais bem pagos e educados da sociedade. São eles os mais beneficiados por regras trabalhistas anacrônicas – aplicadas a quem está no mercado de trabalho formal – e da aposentadoria por tempo de serviço.

O principal argumento contra a reforma da Previdência não se sustenta. Dizer que não há déficit é ignorar os números. No ano passado, o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que reúne os trabalhadores urbanos e rurais que se aposentam pelo INSS, o déficit foi de R$ 149,7 bilhões. No Regime Próprio de Previdência Social, que custeia a aposentadoria de servidores da União e militares, o déficit foi de R$ 77 bilhões, sendo R$ 43 bilhões para servidores civis e R$ 34 bilhões para militares.

O déficit é crescente – em dez anos, ele crescerá em R$ 113 bilhões sem uma reforma. E continuará aumentando a ponto de abocanhar mais da metade do gasto público em menos de 20 anos. Uma projeção mostra que as aposentadorias podem custar 23% do PIB em 2060 se nada for feito – já gastamos 13% do PIB. A demografia, com o envelhecimento da população, explica parte do problema. As regras que permitem a aposentadoria precoce explicam outra parte. E é só sobre ela que a sociedade pode atuar.

Outro argumento problemático é dizer que há um direito à aposentadoria, como se tivéssemos um contrato com o governo que está sendo desrespeitado. A lógica da Previdência não é essa. Ela funciona como um benefício social mantido pelos trabalhadores da ativa com o pagamento de impostos. Quando a conta fica muito alta, é preciso revisar os termos do sistema. Não fazer a revisão significa aumentar os impostos, ou o déficit público, com consequências que são sentidas por todos.

Mas há algo mais estranho na argumentação de quem patrocina a greve, o de que é preciso defender o trabalhador mais humilde. No fundo, não é o que acontece. A pressão contra a reforma vem dos setores mais organizados, como funcionários públicos e ruralistas, além das categorias mais bem pagas e educadas. Hoje, 66% das aposentadorias já são concedidas no sistema por idade. São as pessoas que não conseguiram acesso estável ao mercado formal de trabalho e tiveram de esperar até os 60 anos, no caso das mulheres, e 65 anos no caso dos homens. A maioria recebe um salário mínimo como benefício.

A reforma, portanto, mexe mais com quem teve acesso ao mercado formal, contribuiu por mais anos e entende que 30 ou 35 anos de contribuição (ou menos, no caso de categorias como a dos professores) devem ser suficientes para uma aposentadoria que em média paga 91% a mais do que a por idade. Para esse grupo, em média com salários mais altos e mais educado, é mais difícil entender que o sistema é solidário e não um seguro pessoal – um modelo que poderia ser melhor que o brasileiro, mas que só pode ser discutido quando o déficit previdenciário se estabilizar.

O princípio da idade mínima é usado no mundo tudo. Ele evita que haja aposentadorias precoces, problema que no Brasil causa uma perda de 0,6% do PIB por ano, segundo uma estimativa de pesquisadores do Ipea – é o que deixa de ser produzido por quem sai cedo do mercado de trabalho. Há outros estudos mostrando que o controle do déficit pode elevar o crescimento econômico, pela simples razão de que as aposentadorias vão retirar menos recursos da sociedade.

Pode parecer injusto que as pessoas que conseguem contribuir por mais tempo tenham de se aposentar com a mesma idade de quem contribuiu menos. Mas a reforma trata dessa diferença no cálculo do benefício. O texto que será votado em comissão na Câmara estipula um bônus para quem contribuir por mais de 25 anos, podendo atingir um benefício de 100% da média das contribuições com 40 anos de trabalho. Alguns contribuirão por mais tempo do que isso, o que pode acelerar o debate necessário para se tratar a Previdência como um benefício mínimo separado da poupança individual para a aposentadoria.

Há ainda outros grupos que estão entre os mais protegidos da sociedade e que querem muito que a pressão sobre o Congresso leve ao abandono da reforma. Outro dia, vimos policiais quebrando a entrada da Câmara. Professores estão hoje em greve. Ambos não querem ver aposentadorias especiais indefensáveis alteradas. Os ruralistas não querem mais contribuir. E o funcionalismo está de cabelo em pé com a possibilidade de ter idade mínima para conseguir uma aposentadoria integral e paritária (com os mesmos direitos de quem está na ativa). Será que todos os grevistas entendem que podem beneficiar esses grupos de pressão?

O debate sobre o formato da reforma da Previdência ainda está aberto, mas me parece que o governo já cedeu mais do que deveria. A nova regra de transição tem pontos positivos, como manter por mais tempo no mercado quem ainda é jovem e está perto da aposentadoria por idade. Mas é mais longa do que o proposto originalmente com a péssima ideia de uma idade de corte. Algumas diferenças, como aposentadorias especiais, terão de ser revistas no futuro, por uma questão de justiça.

Reforma trabalhista

Tratada pelos grevistas como o fim da CLT, a reforma trabalhista também sofre resistência de grupos que não estão entre os mais desprotegidos da sociedade. E aqui o argumento é simples: a formalidade atinge apenas 64% dos trabalhadores. A legislação em si não foi capaz de proteger a todos.

Convivemos no Brasil com uma mistura de século 19 e século 20. O país ainda tem de acabar com a precariedade de milhões de contratos informais abusivos – dado recente do IBGE mostra que 1,5 milhão de trabalhadores não deixam o emprego por terem dívidas com empregadores. São casos de polícia, infelizmente ainda muito comuns e que não mudariam nem se a CLT tivesse 5 mil artigos.

A reforma dá mais poder às negociações e tira dos sindicatos a facilidade do imposto sindical. Pode ser um primeiro passo para uma necessária reforma sindical – com mais de 10 mil sindicatos, muitos deles de fachada e outros tratados como feudos políticos, o Brasil precisa de uma mudança nessa área. E o debate deveria também avançar sobre o Sistema S, um custo sobre o trabalho que também deveria ser opcional.

A greve tenta proteger os sindicatos – que também não gostam da ideia de não controlarem as comissões de funcionários criadas na reforma – com o argumento simples de que a CLT está sendo rasgada. Não está. Ela continuará valendo. E se a questão é debater a retirada de direitos, seria melhor nomear claramente o que se trata: horas in itinere, integração de benefícios aos salários e trabalho insalubre. Seria melhor uma discussão sobre o que importa para o trabalhador e não para os sindicatos.

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