Foram quase seis horas incendiárias. Um encerramento de ano com cara de fim de temporada em seriado americano. E daqueles cheios de suspense, como de fato foi o ano do Supremo Tribunal Federal. A liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello no começo da tarde de quarta-feira (19) em favor da soltura de presos julgados em segunda instância, revogada no início da noite pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, expôs o clímax de uma tensão crescente entre as autoridades máximas da Justiça brasileira. A pauta, que poderia beneficiar, entre outros, o ex-presidente Lula, é mais um tranco neste cabo de guerra, que deverá voltar com força em fevereiro, quando os trabalhos serão retomados.
A manobra de Mello no apagar das luzes soou como uma provocação aos colegas de Corte, sobretudo ao presidente dela. Relator da matéria, o ministro atropelou a decisão de Toffoli, de julgá-la em abril do ano que vem, e em uma decisão monocrática emitiu a liminar. O assunto vem sendo discutido no Tribunal desde 2009 e, claro, a decisão foi encarada como polêmica. Isso porque ela foi dada em um momento em que o Supremo entrava em recesso, a despeito da importância que tem. Só caberia ao presidente da Corte, acionado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, revertê-lo. Era uma ação previsível – tanto que se concretizou de forma rápida –, mas não sem expor o racha no STF.
Em entrevista à revista “Exame”, o jurista Ives Gandra afirmou que o episódio fragiliza a Corte. “A imagem que passa é de um colegiado rachado”, disse. Christian Lynch, cientista político e jurista da UFRJ foi além e cravou em um texto publicado em suas redes sociais que o embate já tinha enredo definido, com movimentação esperada de Mello e a resposta pronta de Toffoli. Classificou como “mais uma luta de telecatch” entre os ministros. “O Ted Boy Marino pelo menos era engraçado”, brincou.
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O STF chega a 2019 meio aos trancos e barrancos. E em um momento histórico em que deveria estar fortalecido para a garantia da Justiça e de direitos básicos, analisam especialistas.
Foi uma turbulência inesperada para Toffoli, que assumiu a presidência do tribunal em setembro dizendo buscar uma gestão menos “protagonista” no cenário político. O que tem acontecido é justamente o contrário. Já em seu primeiro mês na cadeira, teve que apagar o incêndio causado por outro colega. Luís Roberto Barroso disse em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” que há no STF gabinetes “distribuindo senha para soltar corrupto”. Foi só após uma conversa entre os juristas que Barroso se retratou, dizendo ter usado um “tom excessivamente ácido”, em desacordo com a visão geral do tribunal.
No mês seguinte, os holofotes voltaram a se virar para a Corte, quando o ministro Ricardo Lewandowski autorizou entrevistas do ex-presidente Lula, condenado no âmbito da Operação Lava Jato, em pleno período eleitoral, direto da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde está preso. O vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, derrubou a decisão do colega e coube a Toffoli manter a proibição. Foi quando o racha começou a parecer insustentável.
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E o telecatch vai se arrastar para 2019. No mesmo dia em que emitiu a liminar pró-soltura de presos em segunda instância, Marco Aurélio tomou outra decisão que deixa o STF em maus lençóis. Emitiu liminar para que a votação da presidência e mesa diretora do Senado, em fevereiro, seja por voto aberto. Sua justificativa foi o “exercício da transparência”. A canetada forçará Toffoli a administrar a pressão política, já que a candidatura de Renan Calheiros (MDB-AL) depende fortemente de uma série de apoios “discretos” – boa parte dos senadores almeja Calheiros como líder da Casa pelo perfil “cobrador” de presidente, mas não gostaria de se indispor votando contra um candidato indicado pelo governo.
O grande capítulo na disputa de imposição de visão deve ficar para abril, quando o colegiado do Supremo julga definitivamente se condenados em segunda instância devem ou não ir para a prisão – em uma decisão que interessa sobremaneira a mais de 160 mil presos, alguns deles julgados pela Lava Jato. Um embate para o qual o ringue já está aquecido.
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