As grandes fabricantes de refrigerantes querem recuperar o benefício fiscal que perderam na greve dos caminhoneiros.
A Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir), que representa 59 empresas, entre elas Coca-Cola, Pepsi, Ambev e Heineken, afirma que o setor foi surpreendido com a mudança do regime tributário de créditos fiscais, já que não houve qualquer diálogo do governo com a associação.
A entidade diz que a alteração compromete investimentos e até mesmo a operação de diversas indústrias na Zona Franca de Manaus (ZFM) e que está empenhada em tentar reverter a situação para evitar possíveis prejuízos às indústrias.
O governo, para compensar o custo total de R$ 13,5 bilhões da redução de R$ 0,46 no preço do litro do diesel, adotou um pacote de medidas que inclui corte de gastos, fim ou redução de benefícios fiscais (ou seja, aumentar o recolhimento de impostos) e utilização de reservas financeiras. Parte dessa conta será paga pelas indústrias de refrigerantes, com a mudança no regime tributário de compensações fiscais do setor. A expectativa é que alteração renda R$ 740 milhões aos cofres federais.
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Entenda a tributação
A medida adotada pelo governo reduziu de 20% para 4% a alíquota de Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) dos concentrados para refrigerantes (xarope usado para fazer a bebida) produzidos na Zona Franca de Manaus. A redução da alíquota, que em uma primeira leitura pode parecer benéfica para as indústrias, na verdade fará com que elas paguem mais impostos – e o governo arrecade mais.
O IPI é um imposto que incide em várias etapas da cadeia produtiva. Por isso, a Constituição prevê a geração de crédito sobre o imposto pago na etapa anterior para evitar uma espécie “bi” ou “múltipla” tributação. Com isso, as fabricantes de refrigerantes que compram xaropes produzidos na ZFM ganham um crédito em percentual equivalente à alíquota de IPI. Esse crédito é usado para abater impostos.
Com a redução da alíquota, o crédito será menor, de apenas 4%. Além disso, ao estabelecer o porcentual de 4%, o governo equiparou a alíquota dos concentrados à dos produtos de saída (até 4%). Ou seja, as fabricantes de refrigerantes estão tendo de pagar mais impostos desde 30 de maio, quando o decreto que instituiu a mudança no regime foi publicado.
Grandes fabricantes foram pegas de surpresa
Em nota, a Abir diz que “compreende o grave momento econômico nacional, a crise fiscal profunda que passa o Governo Federal, mas crê que nada justifica a ausência de diálogo com o setor. A mudança brusca do regime tributário de compensações fiscais ameaça os investimentos e mesmo a operação de diversas indústrias na ZFM”.
A entidade também fala em retomar o diálogo com o governo para reverter a decisão e evitar possíveis prejuízos às fabricantes. “Há margem para o diálogo com a indústria para que se restabeleça a segurança jurídica dos investimentos pretendidos e também sobre aqueles já empreendidos na ZFM. A Abir está empenhada em restabelecer esse diálogo a fim de evitar prejuízos à indústria brasileira de refrigerantes e de bebidas não alcoólicas e a consequente e inevitável redução da arrecadação federal.”
Questionada, a associação não detalhou quais medidas adotará para recuperar o benefício fiscal perdido na greve dos caminhoneiros.
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Senadora entra com ação para suspender decreto
Se Abir não detalhou seu plano para reverter a medida, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) entrou com uma ação para suspender o efeito do decreto 9.394/2018, que reduziu alíquota de IPI dos concentrados de refrigerante de 20% para 4%. O projeto está na relatoria da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.
Uma reação de parlamentares da bancada do Amazonas já era esperada, pois eles afirmam que a redução no crédito pode diminuir a competitividade da Zona Franca de Manaus, inclusive afastar investimentos.
Polêmica
Se os grandes empresas e a bancada do Amazonas tentam reverter o decreto 9.394/2018, os pequenos fabricantes de refrigerantes comemoram. A Afrebras, associação que representa os pequenos negócios do setor, reivindicava havia mais de dez anos a redução ou exclusão do crédito gerado às indústrias de refrigerantes que compram concentrados da Zona Franca de Manaus.
A questão é que os fabricantes de concentrados instalados na ZFM não pagam IPI,pois são isentos da cobrança do imposto justamente para estimular a produção em uma área logisticamente afastada. Mas, mesmo não pagando o imposto, o crédito é gerado para as grandes empresas de refrigerantes que compram o insumo da ZFM e finalizam a produção em suas fábricas espalhadas pelo país. No caso da Coca-Cola, por exemplo, a fabricante de concentrados instalada na Zona Franca é do próprio grupo.
O fato de as fabricantes de xarope não pagarem IPI e mesmo assim gerarem crédito à cadeia é visto pelos críticos do sistema como uma forma de subsídio. “Se uma empresa que está no Simples recolhe IPI, porque uma grande não pode recolher também?”, afirma Fernando Rodrigues de Bairros, presidente da Afrebras.
A Abir, porém, se defende dizendo que “a indústria brasileira de refrigerantes e de bebidas não alcoólicas tornou-se responsável por um recolhimento de R$ 10 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais, e emprega direta e indiretamente mais de 1,6 milhão de brasileiros”.
A representante dos grandes fabricantes também afirma que “as regras que regem a Zona Franca de Manaus existem há mais de 40 anos e permitem o desenvolvimento econômico e sustentável da Região Norte. O impacto do decreto que desorganiza a ZFM é social e econômico e é contra todos os esforços de buscar o desenvolvimento sustentável para a Amazônia. A Abir empenha-se em reverter a medida, que considera equivocada”. Já a Afrebas diz que os pequenos produtores não podem se valer do mesmo benefício, pois, para eles, o custo de comprar insumos da ZFM é muito alto.
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