| Foto: Marcelo Andrade / Gazeta do Povo/Arquivo

O general do Exército Antonio Hamilton Martins Mourão provocou enorme polêmica ao defender a possibilidade de intervenção militar no país para conter a corrupção caso as instituições políticas não consigam resolver a situação. “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”, disse Mourão em palestra realizada na noite de sexta-feira (15), na Loja Maçônica Grande Oriente, em Brasília.

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Diante da repercussão, a Gazeta do Povo foi atrás de respostas para cinco questões sobre o tema: a intervenção militar é constitucionalmente possível; existe a possibilidade real de ela ocorrer na prática; o que está por trás do apoio de parcela da população a essa ideia; e o que poderia ocorrer se os militares tomassem o poder?

1) A Constituição prevê possibilidade de intervenção militar “constitucional”?

Sim, mas não para tirar os políticos do poder com o objetivo de “limpar” o país da corrupção. Isso seria um golpe de Estado.

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A Constituição Federal prevê, nos artigos 15 e 142, que as Forças Armadas podem ser acionadas, pelo presidente da República a pedido de qualquer um dos três poderes, para garantir a lei e a ordem. A Constituição não estabelece quais seriam essas situações, mas há certo consenso de que se trata de casos de segurança pública, graves distúrbios e ameaça externa.

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Esses artigos constitucionais costumam ser citados por defensores de uma intervenção política dos militares como argumento para justificar que a tomada de poder pelas Forças Armadas teria base constitucional. Não tem. Além de a Constituição prever que o comando continua a ser dos civis nesses casos, é preciso destacar que Exército, Marinha e Aeronáutica só podem ser acionados para garantir a ordem constitucional – e não para subvertê-la.

A Constituição também estabelece, no artigo 5.º, que é crime inafiançável a ação de militares contra a ordem constitucional e a democracia.

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2) Existe a possibilidade real de ocorrer um golpe militar no país?

Em princípio, não há possibilidade iminente. Mas há alguns elementos que sugerem que alguma chance existe e não é mera teoria da conspiração.

O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, foi enfático ao negar a possibilidade de haver articulação ou desejo na corporação de intervenção no país. “Desde 1985 não somos responsáveis por turbulência na vida nacional e assim vai prosseguir. Além disso, o emprego nosso será sempre por iniciativa de um dos poderes [Executivo, Legislativo ou Judiciário]”, afirmou.

Apesar disso, uma declaração do general Mourão insinua que o discurso oficial não é exatamente o que pensa o comando. Ele disse que o Exército tem “planejamentos muito bem feitos” para uma intervenção no país.

Além disso, praticamente todos os presidentes posteriores à ditadura trataram os militares (e seus interesses) com muita cautela – o que demonstra certo receio em desagradar a caserna. A reforma da Previdência proposta pelo presidente Michel Temer, por exemplo, excluiu os militares.

3) Qual a representatividade do general Mourão no Exército?

O general Mourão ocupa um cargo importante. Desde 2015, é secretário de economia e finanças do Exército. Mas ele tem um perfil de polemista que desagrada diversos outros oficiais.

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Sua transferência para a função atual, mais burocrática do que operacional, já havia ocorrido porque ele se envolveu em outra polêmica política. Quando ocupava o Comando Militar do Sul, criticou a então presidente Dilma Rousseff ao ser questionado sobre o impeachment. Disse, à época, que “a mera substituição da presidente da República não trará mudança significativa no status quo” e que “a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. Além disso, promoveu uma homenagem póstuma ao coronel Brilhante Ustra, condenado pela Justiça por tortura durante o regime militar

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4) Os militares, na hipótese de voltarem ao poder, “consertariam” o país?

Qualquer afirmação seria mera futurologia. Em geral, imagina-se que os generais tenham um alinhamento com a direita. Mas não se sabe exatamente qual seria o projeto político dos comandantes das Forças Armadas para o país: o que pensam sobre economia, investimentos sociais, nem mesmo o que fariam para “acabar” com a corrupção e para tirar o país da crise política.

Apesar disso, é possível especular, com boa dose de base factual, que a “intervenção saneadora” dos militares iria acirrar a crise política, com possíveis efeitos na economia. Os oposicionistas denunciariam o golpe e trabalhariam para restabelecer a ordem constitucional. Greves poderiam ser deflagradas.

Isso só não iria ocorrer se houvesse repressão. E, nesse caso, o custo de supostamente “consertar” o país seria levar a nação a uma ditadura. E, como ocorreu após 1964, o acirramento do regime poderia levar o país a um conflito armado interno.

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Além disso, o governo militar, para ter um mínimo de estabilidade, também teria de estabelecer alianças com segmentos da sociedade, inclusive com lideranças políticas – o que derrubaria o argumento de que as Forças Armadas iriam “limpar” o país dos políticos. A ditadura militar, por exemplo, fechou essas alianças. Inclusive com políticos que se envolveram em suspeitas de corrupção – Paulo Maluf é um exemplo.

Também é improvável que um regime militar conseguisse acabar com a corrupção – no máximo iria conseguir diminuí-la. É preciso lembrar que também houve casos de corrupção no período da ditadura que vieram a público apesar da censura que existia à época.

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Dentre os defensores da ideia da intervenção militar há quem pregue a necessidade de as Forças Armadas tomarem o poder para sanear o país rapidamente e, para logo depois, devolver o governo aos civis. O golpe de 1964 começou com esse discurso. E os militares só entregaram o poder aos políticos em 1985. E o Brasil que teve de ser administrado pelos civis estava em péssima situação econômica, com inflação alta e dívida externa crescente. E a corrupção não havia acabado.

5) Por que tanta gente fala na volta do militarismo no Brasil?

Em períodos de crise política, o discurso de que é preciso restaurar a ordem fica mais forte. E as Forças Armadas, por sua própria característica, altamente hierarquizada, representam para muitos a ordem institucionalizada. Os militares também têm a função de defender o país dos inimigos externos, o que lhes garante a percepção de que estão dispostos a “morrer” pela nação.

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Além disso, ao contrário dos políticos, eles não são alvo de denúncias de corrupção rotineiras. Por fim, também há no imaginário de determinada parcela da população a ideia de que no período da ditadura militar (1964-1985) havia ordem e o país funcionava. E de que hoje o Brasil está uma “bagunça”.

Todos esses fatores somados explicam a confiança que uma parcela expressiva da população deposita nas Forças Armadas. Pesquisa do Datafolha divulgada em junho mostra que 40% dos brasileiros confiam muito nos militares e 43% confiam um pouco, contra apenas 15% que não confiam (2% não souberam responder). O Congresso, comparativamente, não tem a confiança de 65% da população; 31% confiam um pouco e apenas 3% confiam muito no Legislativo.

Levantamento do Instituto Paraná Pesquisas divulgado no início de setembro mostra outra faceta dessa confiança: 64,7% dos brasileiros acreditam que a corrupção nas Forças Armadas é menor do que nos outros órgãos de governo.