Especialista em Previdência, o consultor legislativo do Senado Pedro Nery avalia que a proposta de reforma ainda vale a pena mesmo com as flexibilizações negociadas esta semana pelo relator Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). Na sua avaliação, o “símbolo” da reforma será a fixação da idade mínima para homens e mulheres se aposentarem. Para Nery, a redução de 65 anos para 62 anos da idade mínima das mulheres não comprometeu a proposta. No entanto, segundo ele, teria sido melhor para as trabalhadoras mais pobres ter reduzido o tempo de contribuição. A seguir, trechos da entrevista.
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O parecer ficou melhor do que a proposta original?
Sem dúvida há perda do ponto de vista fiscal. O governo falou que a perda de economia seria algo entre 20% e 30%. Se de fato existe essa perda, que é importante, sabemos também que o relator está cedendo em pontos que são justamente os mais sensíveis do ponto de vista da distribuição de renda. Ele aliviou o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para o idoso pobre, a aposentadoria rural, mas endureceu muito as regras para os servidores públicos que têm privilégios.
A regra de transição não ficou muito complicada?
Ela tem a desvantagem de ser uma regra mais complexa do que a anterior, que era mais simples. Por outro lado, contempla melhor casos que antes eram percebidos como falta de isonomia. Antes tinha uma linha de corte que era muito clara, dos 50 anos para homens e de 45 anos para mulher, mas que provocava algumas iniquidades. Realmente não é uma regra simples, mas, apesar de ser um pouco mais complicada, ela é mais justa.
“(...) o Judiciário vai ter que deixar claro que estamos passando por um processo de envelhecimento populacional muito veloz e que o direito dos servidores públicos não é o único que está na Constituição.”
A nova regra de transição vai atingir mais pessoas?
Sem dúvida vai atingir mais pessoas. Mas é difícil saber quanto mais porque é pelo tempo de contribuição.
Mas ficou mais difícil para quem já está muito próximo à aposentadoria?
Sim, para quem está muito próximo, ficou um pouco mais complicado, especialmente se essa pessoa é muito jovem. Para o servidor público que estava prestes a se aposentar, que está há mais tempo no serviço público e entrou antes de 2003, a regra que foi proposta pelo relator provoca perdas muito grandes por conta da perda da integralidade, que é o direito a receber o maior salário da carreira, e a perda da paridade, que é o direito de receber os mesmos aumentos reais dos servidores da ativa.
Essa restrição à integralidade pode cair devido à pressão?
Vai ter uma pressão grande. Caso o Congresso opte por manter a restrição, vai ter também uma judicialização grande, especialmente porque estamos falando de pessoas que têm uma boa capacidade de mobilização. Mas acho que o Judiciário talvez tenha que rever os entendimentos que tem hoje, da mesma forma que o Legislativo está revendo as regras. Fala-se muito da questão do direito acumulado que essas pessoas teriam, então seria inconstitucional mudar isso. Mas o Judiciário vai ter que deixar claro que estamos passando por um processo de envelhecimento populacional muito veloz e que o direito dos servidores públicos não é o único que está na Constituição.
Como assim?
Como fica o direito acumulado do trabalhador que contribuiu a vida inteira pagando impostos e, na hora em que precisa fazer uma cirurgia pelo SUS, não tem dinheiro porque está tudo sendo gasto com Previdência, inclusive Previdência do servidor público? Acho que, já que a gente preserva muito o direito adquirido no Brasil, temos de começar a olhar de maneira diferenciada para algumas questões que afetam os servidores públicos que já tinham regras pactuadas.
“Talvez tenhamos que começar a pensar em maneiras de atingir servidores públicos inativos que se aposentaram com integralidade, paridade, alguns entraram naquilo que é chamado de “trem da alegria”, nem sequer fizeram concurso público, eram celetistas, e a gente preserva muito o direito deles porque é direito adquirido.”
Em que pontos há manutenção de privilégios?
Talvez tenhamos que começar a pensar em maneiras de atingir servidores públicos inativos que se aposentaram com integralidade, paridade, alguns entraram naquilo que é chamado de “trem da alegria”, nem sequer fizeram concurso público, eram celetistas, e a gente preserva muito o direito deles porque é direito adquirido. Temos mecanismos para fazer com que esse pessoal participe um pouco mais, tanto na União quanto nos Estados. É a questão da contribuição dos inativos, que é de 11%. Ainda com essa contribuição, esse pessoal recebe muito mais do que contribuiu. A própria questão da paridade, eles estão protegidos pois se aposentaram, e se entende que a regra de reajuste é um direito adquirido. Esse é um entendimento que talvez a gente tenha que provocar o Judiciário a refletir se faz sentido esse direito ser tão absoluto. Talvez lá na frente a gente tenha que ser mais ousado em relação ao fim da paridade.
Qual é o limite para novas flexibilizações?
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem falado que a proposta já está no limite. Se por um lado existem pressões de sindicatos, especialmente de corporações, para flexibilizar ainda mais, em determinado momento vai ter uma pressão do mercado financeiro para não flexibilizar. O limite dessa proposta vai acabar sendo dado pela percepção realmente dos agentes privados. Se houver uma percepção muito ruim e isso refletir imediatamente em indicadores como câmbio, Bolsa, acho que vai estar colocado o limite para as flexibilizações que o governo tem feito na proposta.
Qual é o maior avanço da reforma em relação às regras atuais?
A idade mínima, em relação às regras atuais, é o que tem talvez o ganho fiscal mais significativo. É uma regra que afeta principalmente trabalhadores mais bem posicionados na distribuição de renda. Se vamos escolher o principal ganho da reforma, ele é a idade mínima, que é um símbolo dessa reforma. A própria ideia de uma aposentadoria por tempo de contribuição sem idade mínima é algo que não acontece em outros países, não é prescrito pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). Em relação ao relatório, o grande avanço sem dúvida é tornar mais difícil o acesso à integralidade e à paridade por servidores públicos. Tem um grande ganho fiscal para União, Estados e municípios e é medida bem-vinda do ponto de vista de distribuição de renda do País.
A idade mínima diferente para as mulheres não compromete o símbolo da reforma?
A grande desvantagem de optar por essa redução é justamente privilegiar as mulheres que estão mais bem posicionadas na distribuição de renda. Quando a gente fala de tripla jornada, estamos falando de uma mulher que tem dificuldade de se inserir no mercado de trabalho formal, às vezes mais pobre, com mais filhos, que mora longe do trabalho porque está na periferia. Essa mulher tem mais dificuldade de conseguir 25 anos de contribuição do que 65 anos de idade. Então, do ponto de vista social, acho que seria mais vantajoso que a gente olhasse com mais carinho em reduzir o tempo de contribuição do que reduzir a idade. Até porque a alternativa dessas mulheres vai ser procurar o BPC.
A redução da idade mínima da mulher de 65 anos para 62 anos não comprometeu muito a economia?
Tem uma perda fiscal importante, mas não comprometeu porque a gente criou uma idade mínima. Estamos saindo de uma situação em que esse trabalhador que se aposenta por tempo de contribuição pede o benefício aos 55 anos, no caso do homem, ou aos 53 anos, no caso da mulher. Agora a gente sabe que, pelo menos para o futuro, teremos o mínimo de 65 anos para o homem e 62 anos para a mulher. Já é um avanço importante. Apesar da redução da mulher, estamos falando de um ganho de 10 anos.
Os Estados conseguirão aprovar regras próprias de Previdência no prazo de seis meses?
Se vai valer a regra federal, existe pouco incentivo para as Assembleias tomarem uma decisão tão difícil. Acho que a maioria dos Estados, se não todos, vai acabar optando pela regra da União tacitamente. Isso é bem-vindo, porque o desequilíbrio atuarial mais grave que a gente tem hoje é nos Estados.
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