R$ 63,7 bilhões. Esse é o orçamento atual do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, pasta responsável por cuidar da infraestrutura logística e que deve ganhar ainda mais peso na gestão de Jair Bolsonaro (PSL), agregando as áreas de saneamento e talvez comunicações. Mas há dúvidas sobre quais benefícios a unificação dessas áreas pode trazer, se realmente resultará em cortes de despesas e qual perfil deve ter o ministro escolhido para comandar a pasta a fim de conseguir administrar tantas áreas distintas.
Ainda é incerto o que poderá ser abarcado por essa superpasta da Infraestrutura. Nem mesmo a equipe de Bolsonaro já tem batido o martelo sobre o que será, de acordo com fonte do alto escalão da equipe de transição. O presidente eleito e seu time haviam considerado juntar o Ministério de Minas e Energia aos Transportes, para criar a mega pasta, mas essa possibilidade foi abortada, pelo menos por enquanto.
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Há dúvidas também se as áreas de Comunicação (hoje dentro do Ministério de Ciência e Tecnologia, que será comandado pelo astronauta Marcos Pontes) e partes das atribuições do Ministério das Cidades podem ser englobadas pelo futuro Ministério da Infraestrutura. Há ainda atribuições do Ministério da Integração Nacional que também podem ser incluídas na nova pasta.
Está cotado para assumir esse ministério o general Oswaldo Ferreira, militar da reserva, que teve papel de destaque servindo ao Exército durante a construção da BR-163, entre o Mato Grosso e o Pará. Ele tem experiência na construção de grandes projetos, mas a multiplicidade de áreas que estarão contidas no ministério é um desafio, principalmente se comunicações e saneamento vierem para sua gestão. “Quem concorre para assumir essa cadeira precisa estar ciente do compromisso que assumiu com a sociedade brasileira”, diz Juliano Rebelo Marques, advogado e sócio da LRI Advogados.
Mesmo se apenas a atual estrutura do Ministério dos Transportes for mantida, o novo ministério será uma estrutura gigante e cheia de problemas. Hoje, além da estrutura dos ministérios, há uma secretaria dentro do Ministério do Planejamento responsável pela articulação com as pastas, estados e prefeituras sobre os projetos de infraestrutura feitos com recursos públicos. Tal modelo é salutar, com uma secretaria independente para priorizar os investimentos, mas não é o único modelo possível, avalia o secretário de Infraestrutura do Ministério do Planejamento, Pedro Capeluppi.
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“Não acho que exista uma estrutura única possível de ser boa. O importante é que essas ideias estejam presentes: de se olhar o projeto como um todo, seu começo, meio e fim, e parar de pensar na obra, mas sim em entregar para a sociedade aquele serviço”, disse.
Questionado se ao colocar todas as áreas juntas, sem uma secretaria que coordene os projetos na parte de investimentos e execução orçamentária, poderia se aumentar o uso político das obras, Capeluppi avalia que é sim uma prática positiva ter separação entre quem planeja e recebe as demandas do setor privado e dos entes federativos, mas que há vários modelos que podem ser positivos.
“Há países onde se tem uma estrutura central que organiza. Uma estrutura bem desenhada pode ter também dentro dela própria uma ‘Chinese Wall’ (separação entre quem planeja e quem executa o gasto), mas não acho que ela seja essencial ou obrigatória”, disse o representante do governo.
Capeluppi também afirmou que um importante ponto para aprimorar a gestão de infraestrutura pública é inverter a lógica que permeia parte do planejamento do setor. “Temos de inverter a lógica do que a gente sempre fez, de primeiro fazer com recurso público depois tentar empurrar para privado. Se for possível agregar valor com investimento privado, primeiro chamamos o privado”, afirmou.
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Nesse sentido, a atual gestão conseguiu ajudar municípios a fazerem parcerias privadas, com a disponibilização de um fundo de recursos de R$ 50 milhões para o período de execução de projetos e ajuda técnica para as prefeituras.
Segundo Capeluppi, desde a criação do programa foram contratados cinco projetos-piloto de parcerias público-privadas ou programas de concessão de tratamento de resíduos sólidos (abrangendo quase uma centena de municípios). Em setembro, duas novas chamadas públicas resultaram na aprovação de parcerias privadas para iluminação pública em 46 cidades, além de cinco projetos de esgotamento sanitário.
Ministério dos Transportes: um manancial de problemas e entraves
Com uma separação das áreas ou não, o futuro ministro terá de analisar um enorme estoque de obras em andamento e outras paradas. Os investimentos em obras geridos somente pelo Ministério dos Transportes e seus braços somam vultosos R$ 111 bilhões, entre recursos públicos e privados. São 544 obras dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e 125 do Avançar, de menor porte. Segundo o Painel de Obras do Ministério do Planejamento, do total de obras, incluindo as que estão consideradas concluídas, metade ainda está em fase de execução e outros 29% ainda em ação preparatória.
A atual gestão no Ministério do Planejamento, que chegou no pós-impeachment, focou em três principais ações: quitar pagamentos de obras em atraso de execução orçamentária, mesmo com redução à metade do total de recursos para investimentos; readequação da carteira de projetos e obras que estavam sendo tocadas pelo governo, para deixar os projetos realmente factíveis; e concluir obras de pequeno valor que estavam paradas, principalmente creches, UPAS, quadras poliesportivas e obras em cidades históricas.
Segundo Capeluppi, desde 2016, de 1.600 obras paradas, foram retomadas ou concluídas 850. Dar continuidade a esse esforço será um dos passos importantes da próxima gestão. “Muitas dessas obras não têm só problema de financeiro. Tem problemas de projeto também. O objetivo não pode ser retomar 100%, mas concluir o que dá e entregar aquilo para a população”, disse.
Estatais dos transportes e ralos de dinheiro público
Outra definição que terá de ser dada pelo futuro ministro já na partida será amarga e implica em corte de cargos. A estrutura atual do já gigante Ministério dos Transportes comporta ao menos quatro órgãos e dois fundos de recursos, alguns deles com problemas financeiros. Além disso, são nove empresas estatais ligadas a esse ministério, segundo o Boletim das Empresas Estatais, do Ministério do Planejamento.
É o caso da Valec, empresa federal de construção de ferrovias, que já esteve no centro de escândalos de corrupção. Outra empresa da área (mas que formalmente está ligada à Presidência da República) é a Empresa de Planejamento e Pesquisa (EPL), criada no governo Dilma Rousseff para ser responsável pelo projeto do trem-bala, que acabou não saindo do papel. Também está no guarda-chuva do ministério o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). A Valec tem dotação orçamentária de R$ 3,8 bilhões, a EPL de R$ 294 milhões ao ano, e o DNIT de R$ 34 bilhões, já que neste valor estão incluídas as verbas para as obras.
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Outra empresa estatal que a pasta de Transportes terá de analisar e tomar decisões do que fazer é a Infraero, que tem uma sequência de resultados deficitários e vem dependendo de aportes do Tesouro Nacional para existir. A atual gestão da empresa conseguiu reverter o resultado operacional, mas ainda há problemas financeiros que deixam o balanço no vermelho, herança do modelo de leilão de aeroportos no governo do PT.
A Infraero teve aprovados aportes de R$ 1,2 bilhão neste ano para ajudar a tapar seu rombo financeiro. Questões políticas dificultam uma definição sobre a empresa, que está na lista de avaliação para passar por processos de privatização ou parcerias privadas. A empresa busca vender outros aeroportos e pode até mesmo ser ela toda vendida.
A Valec, empresa de construção de ferrovias, também terá de passar por um escrutínio pela nova equipe. A estatal depende de aportes de recursos públicos para se sustentar e neste ano teve aprovado R$ 1,16 bilhão do Tesouro Nacional.
Outro ralo de dinheiro público que deverá ser ajustado pelo futuro ministro são as Companhias Docas, de gestão portuária. Uma delas, a Companhia das Docas do Maranhão S.A (Codomar), está em processo de liquidação, conduzido pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), do Ministério do Planejamento.
Mas outras sete empresas do setor são dependentes do governo e consomem recursos públicos anualmente. As Companhias Docas da Bahia, Ceará, Espírito Santo, São Paulo, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte tiveram autorizados aportes de quase R$ 50 milhões em recursos públicos para este ano.
A administração dessas empresas também é um problema. Por ser pública e com diretorias indicadas pelo governo federal, a aplicação de investimentos privados é difícil, já que dependem de licitação. Por outro lado, com indicados políticos em seu quadro, tais empresas também figuram em escândalos de corrupção.
Para completar, a pasta de Transportes ainda conta com três agências reguladoras: Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), e ainda cabe ao ministro dessa área gerir dois fundos de recursos, com mais de R$ 6,2 bilhões: o Fundo da Marinha Mercante (FNM) e o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC).
Tudo num único lugar
A centralização da gestão sobre toda a infraestrutura logística em um só ministério pode ser positiva para pensar de forma integrada o planejamento do setor. Porém, ao se juntar saneamento ou comunicação, pode haver alguma dificuldade extra.
“O ponto mais positivo da consolidação seria um planejamento de infraestrutura, se consegue ter um planejamento de longo prazo de modal logístico. Acaba fazendo uma consolidação em torno de um modal bem planejado. O ponto negativo dessa consolidação pode ser a governança disso. Isso estando dentro de um ministério, você acaba tendo convergência de muitos assuntos, e quem vai tomar essa decisão pode não prestar atenção a todos os aspectos”, avalia Raul Pinheiro Donegá, advogado e economista, diretor-executivo do InfraBrasil e associado a LRI Advogados.
O advogado especializado em infraestrutura avalia que a unificação não deve trazer muitos cortes de gastos para a administração federal.
Quanto à possibilidade de se escolher um militar para o cargo e não um técnico do setor, o advogado Juliano Rebelo Marques, sócio e relações governamentais da LRI Advogados, destaca que o mais importante será o compromisso. “Todos os militares passaram por formação em ótimas escolas, como ITA e IME. E podem ser ótimos em médio e longo prazo. Em termos de maturidade democrática, não vejo isso como uma tomada branca de poder. O importante é a qualificação, compromisso com a área”, afirmou.
Associações do setor privado pedem segurança jurídica e abertura
Algumas das principais associações de setores que serão abrangidas pelo Ministério da Infraestrutura destacam a necessidade de maior abertura para os agentes privados. Listamos abaixo as principais visões das associações:
José Di Bella, diretor presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP):
“Esse é um setor muito importante para a economia. Se o setor for eficiente, nós damos competitividade ao Brasil. Caso contrário, vamos ser o gargalo portuário, impondo mais uma parcela no Custo Brasil . Queremos que esse governo resolva as amarras que ainda temos. Queremos um setor com menos intervenção governamental na atividade econômica e mais segurança e agilidade jurídica.
Cada governo tem uma forma de montar sua estrutura. O que o setor precisa é de protagonismo, confiabilidade nas decisões, e isso se resume em maior segurança jurídica. A gente acredita que dentro dessa nova gestão o país tenha essa tranquilidade e segurança jurídica que é imprescindível.
Precisamos de uma mudança na redução do Estado na atividade regulada. Permitir contratação de mão de obra avulsa pelos terminais, por exemplo.
Esse governo que se mostra com características de gestão, isso é bom para o setor. Esperamos que dentro desse governo as questões sejam levadas de forma técnica e isso produzirá resultados importantes para o setor e para o país”.
César Borges, ex-ministro dos Transportes e presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR):
“Vemos com bons olhos qualquer esforço que leve à centralização da tomada de decisão em relação à Infraestrutura brasileira, fator que vem comprometendo o desenvolvimento do setor e nível federal. A gestão eficiente do desenvolvimento da infraestrutura implica restabelecer a centralidade da administração do setor, com clareza institucional e interlocutores definidos, de maneira a superar indefinições e incertezas sobre o papel institucional dos órgãos governamentais e sanar os problemas que levaram ao desmonte do planejamento do setor. Esperamos que a união de ministérios facilite esse processo.
Além da falta de centralização na tomada de decisão, considero que os principais desafios para o setor são: falta clareza e consenso sobre a importância dos investimentos em infraestrutura para o Brasil; a necessidade de mudança de mentalidade em relação à iniciativa privada; pensar no longo prazo para implementar um projeto de Estado e não de governo; garantir a autonomia das agências reguladoras, ao mesmo tempo que se reequilibra a atuação dos órgãos de controle; a realização de processos licitatórios que atraia o investimento e a definição de contratos de longo prazo que garantam a estabilidade regulatória e segurança jurídica”.
Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF)
“Após a vitória do candidato Jair Bolsonaro nas urnas, a ANTF segue em contato com a assessoria do PSL para aproximar-se mais rapidamente da equipe que assumirá o Ministério da Infraestrutura, que absorverá a pasta dos Transportes. A equipe do candidato vencedor recebeu toda a documentação relativa aos pleitos do setor via ANTF, e foram feitos contatos iniciais, prévios ao segundo turno, por iniciativa dela [da equipe do Bolsonaro]. O que é um bom sinal.
Na esfera do Legislativo, nos próximos meses, a ANTF fará contato formal com os novos senadores e deputados federais recém-eleitos, também com o objetivo de apresentar os desafios do setor para os próximos anos e a necessidade de haver políticas de Estado (e não de governo) para que haja, de fato, o aumento da participação ferroviária na tão distorcida matriz de transporte de carga nacional. Para isso acontecer, a ANTF defende dois pilares: renovação dos contratos das concessões atuais, pois essa já é uma verdadeira politica de Estado e que não há qualquer motivo que leve o setor a apostar em alguma interrupção nesses processos, muito pelo contrário; e novos projetos para a expansão da malha”.
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