O que a Justiça já mandou investigar é apenas uma pequena fração do que consta nas delações premiadas que 78 executivos do grupo Odebrecht firmaram no âmbito da Operação Lava Jato. Seja em volume de propinas pagas, ou em número de possíveis envolvidos no esquema de pagamento de propinas, a comparação do que há nas delações com o que já está em investigação mostra que o Ministério Público Federal terá muito trabalho pela frente antes de concluir a apuração sobre o que afirmaram os delatores.
Um exemplo: os 76 inquéritos abertos por ordem do ministro Edson Fachin, relator dos processos da operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), tratam de R$ 451 milhões em pagamentos a políticos, dos quais R$ 224,6 milhões por obras e contratos da Odebrecht com o setor público e R$ 170 milhões pela aprovação de medidas provisórias ou emendas que favoreceram a empreiteira, segundo estimativa do jornal O Estado de S. Paulo.
Trata-se, entretanto, de uma fração dos US$ 3,37 bilhões – o equivalentes a R$ 10,5 bilhões – movimentados entre 2006 e 2014 pelo Setor de Operação Estruturadas, mais conhecido como o “departamento de propinas” da Odebrecht. Mais exatamente, a meros 5% do que a maior empreiteira do Brasil admitiu ter pago “por fora” no Brasil e no exterior.
Noutro levantamento, O Estado de S. Paulo fala em R$ 1,68 bilhão em propinas e contribuições de campanha via caixa dois a 493 políticos, lobistas, empresários e dirigentes de estatais. Os 76 inquéritos autorizados por Fachin, contudo, tratam apenas de 98 políticos.
Outras 200 petições foram remetidas pelo ministro a instâncias inferiores, por tratarem de políticos que não têm foro no STF, caso do governador Beto Richa (PSDB) – cujo inquérito está nas mãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – e dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso, que serão investigados por varas judiciais de primeira instância – como a 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada por Sergio Moro.
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Na prática, tudo isso quer dizer que a delação premiada da Odebrecht ainda deverá gerar novos inquéritos. Procurada pela Gazeta do Povo, a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da República disse que “há alguns casos em que não há indícios o suficiente para abertura de inquérito, o que pode ser revisto a qualquer momento pela unidade do Ministério Público ou mesmo pelo juiz competente”.
Siga o dinheiro
Há um bom número de outras “pontas soltas” no que se sabe, até agora, do que informam as delações premiadas de 78 executivos da Odebrecht. Salta à vista a discrepância entre o volume de dinheiro que o grupo diz ter pago a políticos e o que está nos pedidos de investigação feitos por Fachin.
Hilberto Mascarenhas, um dos delatores da Odebrecht, revelou à Lava Jato que entre 2006 e 2014 o setor fez pagamentos que somam R$ 10,5 bilhões. Cabe lembrar que tal soma era toda tratada em contabilidade paralela, segundo outro colaborador, Fernando Migliaccio da Silva, um dos principais responsáveis pelo “departamento de propinas” da Odebrecht. “Como eram pagamentos paralelos [os feitos pelo Setor de Operações Estruturadas], a origem [do dinheiro] também teria que ser.”
Mais: os R$ 10,5 bilhões se referem a pagamentos realizados durante apenas oito anos. Porém, Emilio Odebrecht, atual patriarca da família, afirmou aos investigadores que pagar propina em troca de favores de governos é prática do grupo há pelo menos 30 anos. “O que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco ou dez anos. Estamos falando de 30 anos. [Me referi] ao sistema de fazer política. Tudo que está acontecendo é um negócio institucionalizado. Uma coisa normal, em função de todos esses números de partidos [envolvidos]”, disse, na delação.
Isso quer dizer que, se o MPF quiser passar a limpo tudo o que disseram os executivos da Odebrecht, há chances consideráveis de que aumentem em proporção geométrica não só o volume de propinas pagas como também os políticos que receberam “vantagens indevidas” da empresa.
Quando se fala em políticos, cabe lembrar que os inquéritos autorizados por Fachin não incluem boa parte dos nomes que constam de uma planilha entregue por Benedicto Barbosa da Silva Júnior, outros dos comandantes do setor de Operações Estuturadas da Odebrecht.
A lista tem 182 nomes e compila apenas pagamentos via caixa dois a políticos de que BJ, como é chamado, teve conhecimento. Nela, mencionam-se nomes – inclusive de paranaenses – que ainda não são alvo de inquéritos.
“Roubo”, subornos no exterior e erros nos dados
Como o setor de Operações Estruturadas não fazia parte da contabilidade oficial da Odebrecht – e não era, por óbvio, auditado –, é possível que haja erros e falhas de controle nos registros.
Segundo o Fantástico, da TV Globo, Marcelo Odebrecht disse a procuradores que percebeu que funcionários do próprio grupo desviaram dinheiro do “departamento de propinas”, e que isso não era percebido por conta de falta de controle.
“A gente foi descobrir agora quanto de roubo interno que havia. Por quê? Porque, se esse tipo de controle existisse por alguém, nós teríamos discutido a quantidade de desvio interno que houve. Ou seja, as pessoas que faziam desvio interno se beneficiavam justamente do fato de que não havia nenhum tipo de controle”, afirmou.
Marcelo Odebrecht disse, ainda, que o departamento de propinas também era fonte de todo tipo de pagamentos que demandasse “dinheiro rápido”. “Eu participei da questão para trazer o corpo de um engenheiro nosso que foi sequestrado no Iraque. Eu participei, junto com o governo brasileiro, da negociação que envolveu, inclusive, o governo italiano. A gente deu, se não me engano, foi US$ 5 milhões. Isso é por fora. A gente pagou sequestro na Colômbia, sequestro no Peru”, falou.
Outro delator, Hilberto Mascarenhas, que chefiou o setor de Operações Estruturadas, afirmou que entre R$ 7 milhões e R$ 8 milhões guardados por um doleiro que operava para a empresa foram levados por assaltantes.
Benedicto Júnior, o BJ, lembrou em sua colaboração que o “Drousys”, sistema usado pelos delatores da Odebrecht para contabilizar as propinas que cada um pagou, é suscetível a falhas.
“[No sistema] Poderia ter um codinome duplicado, o mesmo [apelido] para duas pessoas. Poderia ter também alocação errada em nome de pessoas. Era muita informação e o departamento de Operações Estruturadas poderia se perder”, disse BJ em sua delação.
O “Drousys” também permitia que um político tivesse mais de um apelido. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), por exemplo, é identificada como “Amante” e “Coxa”, e Beto Richa (PSDB) por “Brigão” e “Piloto”.
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