Depois de visitar os Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro estará no Chile nos próximos dias 22 e 23 (sexta-feira e sábado). Em seguida, deverá viajar a Israel, possivelmente entre 29 de março e 4 de abril. A trinca de países é apontada pelo chanceler Ernesto Araújo como central para a nova política externa brasileira, que busca uma ruptura com o ciclo desenvolvimentista e um posicionamento claro de defesa do ocidente liberal-conservador.
Na aula magna que deu aos novos diplomatas no Instituto Rio Branco no último dia 11, Araújo destacou a importância do Chile como um país que seguiu uma política liberal de abertura comercial em todos os seus governos desde a ditadura do general Augusto Pinochet, passando mesmo pelos governos de esquerda dos últimos anos, e de consistência de valores.
“É um exemplo bom [o Chile] de um país que conseguiu essa coesão liberal-conservadora que é a chave para o que a gente pode fazer no mundo”, afirmou Araújo.
Diplomatas próximos que trabalham na preparação para a primeira viagem presidencial de Bolsonaro a um país latino-americano avaliam que a afinidade entre o mandatário brasileiro e o presidente chileno, Sebastián Piñera, pode contribuir para o aprofundamento de uma agenda já bastante positiva e que avançou muito em 2018, quando foram assinados quatro acordos entre os países. A ideia é que a visita seja um incentivo aos Congressos de ambos os países para que ratifiquem esses acordos.
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Outro ponto visto como crucial na viagem é o início das discussões sobre o Prosul, uma proposta chilena de fórum de concertação política na América Latina que pode enterrar de vez a Unasul, isolando ainda mais o ditador venezuelano Nicolás Maduro. A proposta também tem forte apoio do presidente colombiano Ivan Duque. A Colômbia já abandonou formalmente a Unasul em agosto de 2018.
Na avaliação dos diplomatas, o Chile também é o maior aliado brasileiro na agenda de aproximação entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul. Piñera também já declarou apoio ao ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), agrupamento das economias mais desenvolvidas do mundo e da qual o Chile faz parte desde 2010. Na viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro recebeu o compromisso do presidente Donald Trump de que os americanos vão apoiar a reivindicação brasileira de entrar na OCDE.
Além disso, o Chile é um grande interessado na conclusão do corredor bioceânico rodoviário, que depende da construção de uma ponte sobre o Rio Paraguai, ligando Porto Murtinho a Carmelo Peralta, e da pavimentação de trechos de estradas no Paraguai. Com a conclusão, o país espera pode escoar parte da produção do Cone Sul para a Ásia a partir de seus portos ao Norte do país. O tema foi objeto de declaração conjunta de Brasil e Paraguai na conclusão da visita do presidente vizinho, Mario Abdo Benítez, em 12 de março.
Qual deve ser o saldo da visita ao Chile
Segundo diplomatas ouvidos pela reportagem, não haverá assinatura de acordos na viagem de Bolsonaro ao Chile. Em 2018, os países já assinaram quatro acordos (leia mais abaixo). Na declaração conjunta a ser divulgada ao final da visita deve constar um parágrafo sobre o tema, reforçando os compromissos e exortando os Legislativos nacionais a ratificarem os acordos. O governo brasileiro ainda precisa enviar os acordos para o Congresso brasileiro.
Também deve constar da declaração conjunta uma menção ao Acordo para Eliminar a Dupla Tributação, que está sendo negociado entre os países. Na América do Sul, o Brasil já tem um acordo do tipo assinado com a Argentina. O objetivo desses tratados é reduzir o gasto de empresas com impostos, evitando o pagamento em dois países, e reduzindo os custos com burocracia na mesma medida em que corta pela metade os procedimentos fiscais que as empresas devem adotar.
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O tema não está sendo tratado à toa. O Brasil concentra o maior estoque de investimentos chilenos no mundo. De acordo com os últimos dados disponíveis da Dirección General de Relaciones Económicas Internacionales do Ministério das Relações Exteriores chileno, o país tinha cerca de US$ 35 bilhões investidos no Brasil em dezembro de 2017, o que representa quase 30% do total de investimentos de empresas chilenas no exterior. O Brasil, por outro lado, de acordo com dados do Banco Central, tem cerca de U$ 4 bilhões investidos no Chile.
O governo brasileiro também tem interesse no aprofundamento da cooperação em matéria de energia com o Chile, ponto que deve constar da declaração. O Brasil quer aumentar o mercado de etanol no Chile, país que tem fortes compromissos com fontes renováveis de energia. Em 2016, o Chile lançou o plano “Energia 2050”, que pretende aumentar ainda mais a participação de fontes renováveis de energia na matriz energética – um filão de mercado que o Brasil enxerga com potencial.
Os derivados da cana-de-açúcar representam mais de 17% da matriz energética do Brasil, só perdendo para o petróleo (36,5%), mas o setor sofreu um forte baque com a política de controle de preços da gasolina e derivados do petróleo nas gestões petistas e agora luta para se recuperar. O governo brasileiro também estuda o uso de energia solar, área em que o Chile é líder mundial. Quase 20% da matriz elétrica do país é proveniente de energia solar e eólica. No Brasil, de acordo com o último Balanço Energético Nacional, esse índice é de 6,9%.
Outro tema que interessa ao Brasil é a cooperação em ciência e tecnologia, em que o Chile possui áreas de excelência, como a observação espacial. Os países têm feito um esforço de cooperação técnica e, na semana da visita, acontecerá em Santiago uma feira de startups. Com o apoio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), 20 startups brasileiras viajarão para o país, escolhidas entre 106 que se inscreveram.
Aliança do Pacífico
O Brasil também espera o apoio do Chile para aprofundar a integração entre o Mercosul e Aliança do Pacífico, bloco de fomento do livre comércio e de integração econômica que reúne Chile, México, Colômbia e Peru. Diplomatas da área consideram que o Chile é o principal parceiro do Brasil dentro do bloco. Nesse contexto, o Itamaraty também considera positivo que Sebastian Piñera vá assumir a presidência pro tempore da Aliança este ano.
A importância dos blocos fala por si só. Juntos, são responsáveis por 90% do PIB e dos fluxos de investimentos da América Latina. Os países ainda têm 80% da população regional, um mercado interno de quase 470 milhões de pessoas. O Mercosul surgiu em 1991 e avançou na integração entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, mas especialistas concordam que seu regramento e falta de coordenação política entre os membros se tornou um empecilho à celebração de acordos de livre comércio.
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Já a Aliança para o Pacífico surgiu em 2012 e já conta com 55 Estados observadores. Pelas regras do bloco, se um Estado com esse status tiver acordo de livre comércio com pelo menos dois membros da Aliança, ele poderá solicitar o ingresso na agremiação. O bloco conta ainda com quatro Estados associados: Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Cingapura, que têm maior convergência com os objetivos da Aliança.
Em julho de 2018, durante a 13.ª Cúpula Presidencial da Aliança do Pacífico, em Puerto Vallarta, no México, aconteceu também o primeiro encontro Aliança do Pacífico-Mercosul, ao qual compareceram o então presidente Michel Temer, o presidente do Uruguai, Tabaré Vazquez, e o secretário de relações exteriores da Argentina e o vice-chanceler do Paraguai.
Desse encontrou saiu um plano de ação entre os dois blocos, que prevê conversas e grupos de trabalho para avançar nos seguintes temas: diminuir as barreiras não alfandegárias ao comércio, trocar conhecimentos para integração das cadeias de valor dos países-membros, cooperação regulatória, promoção de micro e pequenas empresas e facilitação do comércio de serviços e de investimentos. A intenção é que coordenadores dos blocos se reúnam semestralmente para fazer a agenda avançar.
O plano de ação prevê ainda a troca de informações para a assinatura de um Acordo de Reconhecimento Mútuo (ARM) de Operadores Econômicos Autorizados (OEA) entre os blocos. ARMs são acordos bilaterais entre as aduanas de países que tenham programas de OEA compatíveis, isto é, que cumpram critérios técnicos e de segurança reconhecidos pelos parceiros. Esses acordos facilitam a entrada de mercadorias das empresas credenciadas nos países e reduzem custos de transação. O Brasil tem compromissos desse tipo firmados com Uruguai e Peru e mais quatro em negociação com China, Estados Unidos, Argentina e Bolívia.
Os acordos assinados em 2018
O Chile é hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil na América do Sul, ficando atrás apenas da Argentina. Na mão inversa, o Brasil é o maior parceiro comercial do país no continente. Em 2017, o comércio entre as nações chegou a US$ 8,5 bilhões. O mais importante tratado assinado entre Brasil e Chile em 2018 foi justamente o Acordo de Livre Comércio, concluído em novembro. O texto não trata de questões tarifárias, que precisam ser negociadas no âmbito do Mercosul. Desde 1996, com a conclusão do ACE 35, o bloco já tem um acordo com o país que praticamente zerou as tarifas, salvo em alguns setores.
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Os diplomatas da área ressaltam, porém, que o acordo avançou nas medidas inéditas de facilitação do comércio, inclusive eletrônico, nas telecomunicações, zerando a cobrança de roaming de celulares e em temas como mercado de trabalho, meio ambiente e medidas sanitárias e fitossanitárias – que muitas vezes tornam-se entraves ao comércio. Por isso, os diplomatas avaliam que o tratado é um “case” importante a ser seguido. O Chile, por sua vez, possui cerca de 20 acordos de livre comércio, com mais de 60 países – e 90% das exportações chilenas têm como destino justamente parceiros com os quais o país assinou esses tratados.
No início do ano, os dois países já tinham assinado um Acordo de Contratação Pública entre os governos e um protocolo de investimentos que acabaram abarcados pelo Acordo de Livre Comércio. Além desses, Chile e Brasil assinaram em 2018 um Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa.
Prosul e o funeral da Unasul
Um dos dias da viagem de Bolsonaro ao Chile será dedicado a participar da cúpula de presidentes da América do Sul convocada por Sebastian Piñera para discutir a criação de um novo mecanismo de integração no continente, o Prosul.
A versão da proposta chilena que mais agrada ao Brasil é a que prevê um mecanismo flexível de concertação política, sem sede, funcionários e orçamentos próprios, como é o caso da Unasul, fundada em 2008 depois da articulação entre a Venezuela de Hugo Chávez e o Brasil de Lula da Silva.
A avaliação de interlocutores do Itamaraty é que a criação do Prosul seria a pá de cal na Unasul, paralisada desde 2017, quando a Venezuela bloqueou a nomeação de um novo secretário-geral, ao fim do mandato do colombiano Ernesto Samper.
Devido ao impasse com a Venezuela, agravado nos últimos meses, e ao fato de a Colômbia ter saído formalmente da Unasul em agosto de 2018 por iniciativa do presidente Iván Duque, outro entusiasta do Prosul, diplomatas brasileiros avaliam que a Unasul é um “caso perdido”. O Brasil e mais cinco países apenas suspenderam a participação no bloco em abril do ano passado.
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Piñera convidou o presidente reconhecido da Venezuela, Juan Guaidó, para participar da cúpula, mas a presença do venezuelano não é certa. Segundo interlocutores no governo, o conteúdo do texto em negociação – que deve ser uma declaração conjunta de intenções – e os presidentes que participarão da cúpula no Chile são importantes para definir o alcance que o novo órgão internacional pode ter. Bolívia e Uruguai, que não reconhecem a presidência de Guaidó, podem resistir ao consenso se o venezuelano comparecer ao encontro.
Até o presente, a Unasul é a culminância de um processo de integração da América do Sul que começou com a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), em 2000, e passou pela Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), estabelecida em 2008. Um mecanismo importante da Unasul cujo futuro se discute sobre o guarda-chuva do Prosul é o Conselho de Defesa Sul-Americano, que busca aumentar o intercâmbio e a cooperação em temas militares no continente.
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