As delações premiadas de Marcelo Odebrecht, herdeiro e ex-presidente do grupo, e de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais do conglomerado de empresas, mostram que o sistema de distribuição de propinas ao PMDB segue a lógica de funcionamento da sigla, seja, era fragmentado.
O partido, habitualmente apontado por analistas como um agrupamento de caciques políticos, se relacionava com a Odebrecht a partir de dois núcleos, um no Senado, outro na Câmara, que recebiam pagamentos e os distribuíam à base parlamentar aprovar projetos de interesse do grupo.
Melo Filho, “pessoa do grupo que tinha relação de confiança com os caciques do PMDB”, segundo Marcelo Odebrecht, tratava, no Senado, com Romero Jucá (RR) e, na Câmara, com [o atual ministro da Casa Civil] Eliseu Padilha (RS), principalmente, e também Eduardo Cunha (do RJ, atualmente cassado e preso em Curitiba).
O relacionamento com os líderes garantia que os interesses da Odebrecht seriam atendidos. Em troca, o partido recebia dinheiro que era repartido entre a bancada, delatam os executivos. “O grande coordenador dos principais acertos financeiros com o PMDB era Romero Jucá, competindo-lhe a arrecadação e posterior distribuição de tais recursos ao partido”, afirma Marcelo. “No chamado PMDB da Câmara, quem tinha esse papel de arrecadação era Eliseu Padilha, para posteriores repasses internos.”
O herdeiro da Odebrecht prossegue: “Os pedidos de pagamentos realizados por Romero Jucá englobavam os interesses financeiros de Renan Calheiros. Durante o trâmite da MP 613 (que criou incentivos tributários a produtores de etanol e à indústria química, e cuja aprovação era vista como de “grande interesse” do grupo, por conta de seu braço petroquímico, a Braskem) Cláudio Melo Filho relatou contrapartidas solicitadas por Jucá, e que tais recursos seriam destinados, além do próprio Jucá, a Eunício Oliveira (CE, atual presidente do Senado) e Renan.”
Marcelo Odebrecht diz, ainda, ter percebido que “Eliseu Padilha exercia a função de arrecadador de campanha” num jantar em 28 de maio de 2014, no Palácio do Jaburu, residência oficial do então vice-presidente Michel Temer. E acrescenta: “Eduardo Cunha controlava uma grande parte da bancada [do PMDB]. Também tenho conhecimento de que ele recebeu valores em atendimento aos interesses do grupo.”
“Privatização de políticos”
Os detalhes da relação entre a Odebrecht e a cúpula do PMDB, no entanto, estão na da primeira das 78 delações firmadas por executivos do grupo a se tornar pública, em dezembro passado: a de Cláudio Melo Filho. Homem de confiança de Marcelo – de quem era suplente no Conselho de Administração, ele comandava a área destinada a “apoiar as empresas em situações específicas de interesse crítico”, segundo suas próprias palavras.
“O propósito era manter uma relação frequente de concessões financeiras e pedidos de apoio com políticos, em típica situação de privatização indevida de agentes políticos em favor de interesses empresariais nem sempre republicanos”, admite, logo no início do documento de 82 páginas em que estão os detalhes de sua delação.
“Sempre vi o PMDB dividido em dois grandes grupos paralelos, que posso caracterizar como o grupo no Senado e o grupo na Câmara. No Senado, o núcleo dominante tem sua cúpula formada por Jucá, Renan e Eunício. É bastante coeso e possui enorme poder de influência (...), [e] a capacidade de praticamente ditar os rumos de algumas matérias”, afirma.
Jucá, o protagonista
“Jucá pode ser considerado o homem de frente. O gabinete [do senador de Roraima] sempre foi concorrido e frequentado por agentes privados interessados na sua atuação estratégica. É o principal responsável pela arrecadação de recursos dentro do PMDB do Senado. Jucá centralizava o recebimento de pagamentos e distribuía os valores internamente no PMDB do Senado”, detalha Melo Filho.
Noutro ponto, ele ressalta a “desenvoltura [de Romero Jucá] no tratamento com o poder Executivo, especialmente o Ministério da Fazenda e o do Planejamento, tendo sempre voz de relevância”.
O protagonismo de Romero Jucá para tratar de assuntos de dinheiro com a Odebrecht era grande o suficiente, segundo o delator, para que o ex e o atual presidente do Senado – Renan Calheiros e Eunício de Oliveira – delegassem a ele entendimentos a respeito.
Por conta disso, Jucá foi “efetivamente vetor de interlocução” da Odebrecht, no Congresso Nacional, na tramitação de nove medidas provisórias, dois projetos de lei complementar e um um projeto de resolução do Senado. Em retribuição, Melo Filho diz ter participado de “pagamentos a [Jucá] que hoje superam R$ 22 milhões, posteriormente redistribuídos dentro de seu grupo no PMDB.”
Padilha, “o homem de Temer”
Na Câmara, diz Melo Filho, o núcleo peemedebista “é historicamente liderado por Michel Temer”, e capitaneado pelo atual presidente da República, por Eliseu Padilha e pelo atual ministro-chefe da secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco.
“A pessoa mais destacada desse grupo para falar com agentes privados é Padilha. Ele atua como verdadeiro preposto de Temer e muitas vezes deixa claro que fala em seu nome. Padilha concentra as arrecadações financeiras desse núcleo do PMDB para posteriores repasses internos”, afirma o delator.
Com Padilha, Melo Filho diz ter negociado diretamente obras no aeroporto de Goiânia e de assuntos de interesse da indústria petroquímica (em que a Odebrecht atua com a Braskem). Menciona, ainda, que o político, advogado de profissão, “me solicitou que indicasse seu escritório [em Porto Alegre] internamente na Odebrecht. Esse escritório, inclusive, foi o local de entrega de pagamento a título de contribuição.”
O delator não faz menção a pagamentos realizados a Padilha, exceto o pedido feito em jantar no Palácio do Jaburu com Michel Temer (leia box).
“De forma mais recente, Eduardo Cunha ganhou bastante espaço dentro desse núcleo, muito em razão do poder que tinha de influenciar seus pares”, afirma Melo Filho. Ao deputado cassado, o delator diz ter feito pagamentos que somam R$ 10,5 milhões apenas entre julho e setembro de 2010. Só em 3 de setembro, teriam sido feitos quatro depósitos de R$ 1 milhão cada a Cunha.
Melo Filho diz que “sabia que os pagamentos feitos” lhe davam “uma situação confortável” ao tratar de assuntos da Odebrecht com Eduardo Cunha. “Utilizei, portanto, esta força. [Mas] Não me considero o ponto de referência dentro da empresa de Eduardo Cunha, principalmente em razão da minha opção de tratar dos pleitos via Senado Federal”, ressalva.
No Jaburu, um pedido de apoio feito por Temer
A delação premiada de Cláudio Melo Filho dá atenção especial ao jantar realizado em 28 de maio de 2014 no Palácio do Jaburu, residência oficial do então vice-presidente Michel Temer. Ali, na presença de Marcelo Odebrecht e Eliseu Padilha, Temer teria pedido doações ao partido à empreiteira. Ao Tribunal Superior Eleitoral, o delator sustentou a versão, negada pelo hoje presidente .
“No jantar, acredito que considerando a importância do PMDB, Marcelo Odebrecht definiu que seria feito pagamento no valor de R$ 10 milhões. Claramente, o local escolhido para a reunião foi uma opção simbólica voltada a dar mais peso ao pedido de repasse financeiro que foi feito naquela ocasião”, narra Melo Filho na delação.
Em depoimento à Justiça Eleitoral, Marcelo Odebrecht disse “não se recordar” de Temer ter falado ou pedido R$ 10 milhões ao PMDB, mas confirmou o jantar e disse que o encontro foi marcado para tratar de doações eleitorais ao partido nas eleições de 2014.
Parte do pagamento que teria sido solicitado por Temer, de R$ 4 milhões, de acordo com o delator “foram realizados via Eliseu Padilha, preposto de Temer, sendo que um dos endereços de entrega foi o escritório de advocacia do José Yunes, [ex-]assessor especial da Presidência da República”. O restante do valor teria sido destinado à campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo.
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