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Já quase no final de seu interrogatório à juíza Gabriela Hardt no processo do sítio em Atibaia, nesta quarta-feira (14), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou um puxão de orelha da magistrada por, segundo ela, tentar intimidar o Ministério Público Federal (MPF). Hardt é a juíza que está responsável pelos casos da Lava Jato em Curitiba e conduziu o interrogatório do ex-presidente, que durou mais de duas horas e meia. 

No final da oitiva, Lula reclamou que é vítima de uma série de mentiras. “Eu me sinto um pouco ofendido. Eu sinceramente não sei mais o que fazer a não ser esperar por Deus ou esperar que um dia esse país tenha Justiça. Eu sou vítima do maior processo de mentira que esse país já conheceu”, disse o petista. 

Em seguida, Lula faz referência a uma coletiva de imprensa concedida pelo MPF ao apresentar a denúncia referente ao tríplex no Guarujá – Lula foi condenado a 12 anos e meio de prisão nessa ação e já cumpre a pena preso na Polícia Federal. Na coletiva, o MPF apresentou uma apresentação em power point para detalhar a denúncia. 

Nesse momento, Lula se dirige ao procurador do MPF presente na audiência, Athaíde Ribeiro Costa. “Se o power point tivesse sido desmentido... Vou dizer uma coisa para você, procurador, que eu não podia dizer. No dia do power point eu falei para o PT, se eu fosse presidente do PT, pediria para que todos os filiados do PT do Brasil inteiro abrissem processo contra o Ministério Público para ele provar o power point”, disse o ex-presidente, que foi interrompido pela juíza. 

VÍDEOS: Assista na íntegra o depoimento de Lula no processo do sítio de Atibaia

Veja como foi a discussão: 

Hardt: “O senhor está intimidando a acusação assim, senhor presidente. Por favor, vamos mudar o tom. O senhor está instigando e intimidando a acusação e eu não vou permitir”.

Lula: “Eu não estou intimidando, estou apenas contando um fato verídico”.

Hardt: “O senhor está estimulando os filiados ao partido a tumultuarem o processo e os trabalhos. Se isso acontecer, o senhor será responsável”.

Cristiano Zanin, advogado de Lula: “A referência feita foi a processo judicial. Eu não acredito que a Justiça seja meio para instigar o Ministério Público”.

Hardt: “Mas tumultuar a Justiça, sim. Tumultuar a Justiça, sim”.

Zanin: “Aí cabe análise judicial. Eu não acredito que a Justiça fosse ser meio de pressão contra o Ministério Público”.

Lula: “Isso dito pela própria Justiça é grave”.

Hardt: “Eu não estou falando que a Justiça vai deferir, mas você tumultuar a Justiça por meios de diversas ações que vocês têm que responder, que tem que contestar, que tem que prestar informação, sim. Isso é intimidar porque nos tira do nosso trabalho diário para ter que ficar respondendo a intimações, informações e questões que não são pertinentes”.

Zanin: “Isso não é um fato concreto, vossa excelência, ele fez uma referência”.

Lula: “Doutora, as pessoas prejudicadas recorrerão a quem?”.

Hardt: “As pessoas prejudicadas recorrerão à Justiça”.

Lula: “A Justiça, eu só queria ouvir isso”.

Hardt: “O senhor já foi julgado em primeira instância, em segunda instância e seu processo está em tribunais superiores. E o senhor será julgado em tribunais superiores. Vamos adiante”.

Mais calmo, Lula tenta se retratar no final do depoimento

Já no final do depoimento, em suas considerações finais, Lula tenta se retratar com o procurador do MPF. Já em um tom menos agressivo, o ex-presidente comenta: 

“As vezes eu fico nervoso, mas não é pessoalmente com ninguém, porque vocês sabem que eu tenho um respeito profundo pela instituição [MPF], tenho muitos amigos dentro do Ministério Público. As vezes eu fico muito nervoso com as mentiras que foram contadas no power point. Fico muito irritado”, disse o ex-presidente.

“Eu não sei se vou viver tempo suficiente para que a verdade venha à tona porque aos 73 anos a natureza é implacável, a natureza vai conduzindo a gente”, lamenta Lula. O petista diz, ainda, que se considera um troféu para a Lava Jato. 

“Eu me considero, sabe como procurador, um troféu. Eu era um troféu que a Lava Jato precisava entregar. Não sei porque não gostam de mim, mas era um troféu que precisavam entregar”, disse. 

Início da audiência também teve confusão

Já no início da audiência em que Lula foi ouvido, o petista se desentendeu com a juíza. Esse foi o primeiro encontro entre os dois.

Ao dar início ao interrogatório, a juíza perguntou a Lula se ele sabia do que estava sendo acusado. O petista disse que não, então a juíza resumiu a acusação.

“Eu imagino que a acusação que pesava sobre mim era que eu seria dono de um sítio em Atibaia”, disse Lula.

Hardt: “Não é isso que acontece, é se beneficiar de reformas que foram feitas. A acusação passa pelo senhor ser dono do sítio, mas a acusação imputada é de o senhor ser beneficiário das reformas”.

Lula: “Eu sou dono do sítio ou não?”, pergunta Lula.

Hardt: “Isso quem tem que responder é o senhor e não eu. Eu não estou sendo interrogada neste momento”.

Lula: “Quem tem que responder é quem me acusou”.

Hardt: “Senhor presidente, isso é um interrogatório e se o senhor começar nesse tom comigo a gente vai ter problema. Então vamos começar de novo, eu sou a juíza do caso, eu vou fazer as perguntas que eu preciso para que o caso seja esclarecido para que eu possa sentencia-lo ou para que algum colega possa sentencia-lo. Então, em um primeiro momento eu quero dizer que o senhor tem todo o direito de ficar em silêncio, mas nesse momento eu conduzo o ato”.

Em seguida, um dos advogados de Lula tentou intervir, mas foi interrompido pela juíza.

Hardt: “Eu poso fazer as perguntas ao seu cliente? O senhor orientou ele sobre esse processo? Ele está apto para ser interrogado? Ou o senhor precisa sair dessa sala com ele e ele retornará?”.

Advogado: “Absolutamente, não. Quero que ele tenha a liberdade, de na forma da Constituição e das leis, responder da forma como ele acha adequado”.

Hardt: “Ele responde respondendo. Não fazendo perguntas a esse juízo e à acusação. O senhor se sente apto a ser interrogado nesse momento, senhor presidente?”

Lula: “Eu me sinto apto e me sinto desconfortável”.

Hardt: “Se o senhor se sente desconfortável, o senhor pode ficar em silencio. O silêncio do enhor não será utilizado em prejuízo a sua defesa. Se o senhor quiser responder as perguntas que primeiro eu vou lhe fazer, depois o órgão do Ministério Público e depois as defesas, o senhor pode responder”.

Lula: “E quando eu posso falar, doutora?”.

HJardt: “O senhor pode falar, pode responder quando eu perguntar, no começo”.

Lula: “Mas pelo que eu sei, é meu tempo de falar”.

Hardt: “Não. É o tempo de responder as minhas perguntas. Eu não vou responder a interrogatório nem questrionamento aqui. Está claro? Está claro que eu não vou ser interrogada?”.

Lula: “Eu não imaginei que fosse assim, doutora”.

Hardt: “Eu também não”.

Lula: “Como eu sou vítima de uma mentira, há muito tempo, eu imaginei que agora...”

Hardt: “Então vamos começar com as perguntas”.

Em seguida, Zanin se aproxima do microfone para intervir, mas é impedido pela magistrada.

Hardt: “Senhor Zanin, eu não lhe concedi a palavra. Eu vou fazer perguntas”.

Zanin é conhecido por ser um dos advogados de Lula mais combatidos. Ele protagonizou diversos bate bocas com o juiz Sergio Moro quando o magistrado conduzia o caso.

Entenda o caso

A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) aponta que o petista é o dono de um sítio em Atibaia, que teria sido reformado por empreiteiras como forma de pagamento de propina ao ex-presidente. O imóvel está em nome de laranjas, segundo os procuradores, mas há uma série de elementos que ligam Lula ao sítio.

O MPF acusa as empreiteiras Odebrecht, OAS e Schahin de gastarem R$ 1,02 milhão em obras de melhorias no sítio em troca de contratos com a Petrobras.

Quem são os réus no processo?

Além de Lula, são réus no processo os executivos da Odebrecht, Carlos Paschoal, Emyr Costa, Alexandrino Alencar, Marcelo Odebrecht e Emílio Odebrecht; da OAS, Leo Pinheiro, Agenor Medeiros e Paulo Gordilho; o ex-segurança de Lula, Rogério Aurélio Pimentel; o advogado do petista, Roberto Teixeira; o proprietário formal do sítio, Fernando Bittar; e o pecuarista José Carlos Bumlai.

Outros interrogatórios

Desde o dia 5 de novembro, a juíza está interrogando os réus do processo. Os primeiros a serem ouvidos foram os ex-executivos Carlos Paschoal e Emyr Costa, da Odebrecht. Eles confirmaram a versão do MPF e disseram que a reforma realizada pela empreiteira no sítio era para o ex-presidente.

Marcelo Odebrecht também foi interrogado e contou que a reforma do imóvel era para “pessoa física de Lula”. “Seria a primeira vez que a gente estaria fazendo uma coisa pessoal para o presidente Lula”, disse o delator.

Na última segunda-feira (12), Hardt ouviu o ex-assessor de Lula, Rogério Aurélio Pimentel; o dono do sítio, Fernando Bittar; e o advogado Roberto Teixeira. Bittar afirmou à Hardt que acreditava que Lula pagou pelas obras realizadas na propriedade e que elas foram “superdimensionadas”.

Moro pediu férias para “evitar controvérsias desnecessárias”

A juíza Gabriela Hardt assumiu os processos da operação Lava Jato desde que o juiz Sergio Moro, que era responsável pelo caso, pediu férias para se dedicar ao planejamento de sua gestão à frente do Ministério do Planejamento do presidente eleito Jair Bolsonaro. Moro deve pedir exoneração da carreira de juiz em janeiro, para assumir o cargo. O juiz que ficará definitivamente à frente da Lava Jato será definido depois da exoneração de Moro, através de um concurso interno

Hardt está interrogando os réus do processo do sítio em Atibaia desde o dia 5 de novembro. Ela também é responsável pelos 25 processos da Lava Jato em tramitação na Justiça Federal em Curitiba. 

Outro lado

A defesa do ex-presidente divulgou a seguinte nota:

“O ex-presidente Lula rebateu ponto a ponto as infundadas acusações do Ministério Público em seu depoimento, reforçando que durante o seu governo foram tomadas inúmeras providências voltadas ao combate à corrupção e ao controle da gestão pública e que nenhum ato de corrupção ocorrido na Petrobras foi detectado e levado ao seu conhecimento.

Embora o Ministério Público Federal tenha distribuído a ação penal à Lava Jato de Curitiba sob a afirmação de que 9 contratos específicos da Petrobras e subsidiárias teriam gerado vantagens indevidas, nenhuma pergunta foi dirigida a Lula pelos Procuradores da República presentes à audiência. A situação confirma que a referência a tais contratos da Petrobras na denúncia foi um reprovável pretexto criado pela Lava Jato para submeter Lula a processos arbitrários perante a Justiça Federal de Curitiba. O Supremo Tribunal Federal já definiu que somente os casos em que haja clara e comprovada vinculação com desvios na Petrobras podem ser direcionados à 13ª. Vara Federal de Curitiba (Inq. 4.130/QO). 

Lula também apresentou em seu depoimento a perplexidade de estar sendo acusado pelo recebimento de reformas em um sítio situado em Atibaia que, em verdade, não têm qualquer vínculo com a Petrobras e que pertence de fato e de direito à família Bittar, conforme farta documentação constante no processo.

O depoimento prestado pelo ex-Presidente Lula também reforçou sua indignação por estar preso sem ter cometido qualquer crime e por estar sofrendo uma perseguição judicial por motivação política materializada em diversas acusações ofensivas e despropositadas para alguém que governou atendendo exclusivamente aos interesses do País.”

Cristiano Zanin Martins

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