O Poder Judiciário custa bem mais no Brasil que em vários países ricos. E mais que em países em desenvolvimento.
Segundo o mais recente relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as despesas totais do Judiciário – bancadas pelo conjunto dos contribuintes – somaram R$ 85 bilhões em 2016, o equivalente a 1,35% de todas as riquezas produzidas pelo Brasil naquele ano, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB).
Em relação ao tamanho do PIB, o gasto brasileiro equivale a nove vezes o que os Estados Unidos ou a Inglaterra destinam à manutenção da Justiça. Também supera com folga os desembolsos de outras nações europeias e também sul-americanas.
De acordo com estudo publicado em 2015 pelo cientista político Luciano da Ros, doutor em Ciência Política pela Universidade de Illinois em Chicago, na Alemanha o Judiciário custa o equivalente a 0,32% do PIB. Na Inglaterra e nos EUA, 0,14%. Na América do Sul, a Venezuela gasta 0,34% do PIB com a Justiça, Chile e Colômbia desembolsam pouco mais de 0,2% e a Argentina, 0,13%.
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Dentre os países pesquisados, apenas El Salvador (1,35% do PIB) e Bósnia e Herzegovina (0,6%) se aproximam do patamar de gastos do Brasil, segundo o cientista político, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Na época em que o trabalho foi publicado, o dado mais recente do CNJ indicava um gasto de 1,3% da Justiça brasileira em 2013. Em razão de revisões feitas pelo IBGE na sequência, o índice de desembolsos do Judiciário daquele ano recuou para o equivalente a 1,16% do PIB revisado. De todo modo, a despesa subiu pelos três anos seguintes até chegar a 1,35% do PIB em 2016.
Os números do CNJ e da pesquisa de Luciano da Ros chamam atenção num momento em que juízes se mobilizam para obter reajuste salarial e manter o auxílio-moradia, benefício de quase R$ 4,4 mil por mês isento de Imposto de Renda que é pago até mesmo aos que têm residência própria na cidade onde trabalham. Esse e outros auxílios fazem com que os vencimentos de juízes brasileiros ultrapassem com alguma frequência o teto constitucional do funcionalismo, de cerca de R$ 33,7 mil.
O gasto da Justiça brasileira não é alto apenas em comparação ao PIB, mas também em relação ao tamanho da população. Conforme o levantamento do professor da UFRGS, a despesa do Judiciário por habitante no Brasil, de aproximadamente 94 euros ao ano em 2013, supera a de quase todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com apenas duas exceções: Suíça (122 euros) e Alemanha (103 euros).
Quando Luciano da Ros publicou seu estudo, o último gasto por habitante divulgado pelo CNJ era de R$ 306,35, em 2013, o que em valores corrigidos pela inflação equivale hoje a R$ 385,23. A despesa média subiu desde então, chegando ao pico de R$ 413,51 por habitante em 2015 e recuando ligeiramente para R$ 411,73 em 2016, conforme o CNJ.
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“Talvez seja o momento de considerar que o pêndulo orçamentário em relação ao Poder Judiciário tenha ido muito longe, particularmente em um momento no qual o Brasil enfrenta difíceis escolhas em relação ao seu equilíbrio fiscal e no qual os trade-offs [custos das escolhas] entre os gastos em programas sociais e as despesas nas várias funções governamentais se tornaram muito mais claros ao longo das últimas décadas”, aponta Ros.
Quadro de servidores explica despesa mais alta no Brasil
No Brasil, perto de 90% de todos os gastos com o Judiciário são destinados ao pagamento de pessoal, ante uma média de 70% nos países europeus, de acordo com a pesquisa. Mas isso não se deve necessariamente à remuneração dos juízes, uma vez que a proporção de 8 magistrados para cada 100 mil habitantes no Brasil não destoa da maioria das nações. É próxima às taxas de Itália e EUA (11 por 100 mil) e bem menor que a média alemã, de 25 juízes para cada 100 mil pessoas.
A melhor explicação para as despesas tão altas no Brasil, diz o pesquisador, está no quadro total de servidores do Judiciário, este sim bastante elevado na comparação internacional. Por aqui são 205 funcionários a cada 100 mil habitantes, ante 67 na Alemanha.
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“Mesmo considerando que os salários dos nossos juízes são altos e escalonados de maneira comprimida (isto é, com pouca diferença entre topo e base), o fato é que a maior parcela do gasto com pessoal no Judiciário brasileiro se destina ao corpo de servidores, assessores, terceirizados, cedidos e afins”, afirma Ros, no estudo.
Ele classifica de “impressionante” a carga de trabalho do Judiciário brasileiro. No Brasil, ingressam cerca de 1,7 mil casos novos por magistrado a cada ano, ante 876 na Itália, 455 na França e 412 em Portugal. Mas, quando se considera todo o corpo de funcionários da Justiça, o quadro se inverte. No Brasil, há 68 novos casos ao ano por servidor, ante 136 em Portugal e França e 229 na Itália.
“Quer dizer, embora os magistrados sejam individualmente responsáveis por mais casos novos por ano no Brasil do que em outras partes do mundo, o fato é que eles recebem o auxílio de uma força de trabalho significativamente maior para tanto”, conclui o pesquisador.
Esse conjunto de coisas faz com que o custo de cada decisão judicial seja maior aqui que em países europeus. Cada caso baixado no Brasil custa em média 692 euros, ante 517 na Itália. “Trata-se de um custo altíssimo especialmente ante a conhecida demora de tais decisões, que gera uma taxa de congestionamento de cerca de 70%. A conclusão de que o patamar de despesas com o Poder Judiciário brasileiro é equiparável em valores absolutos ao de países muito mais ricos, com efeito, se mantém”, diz Ros.
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