O socorro que a Caixa Econômica precisa para se capitalizar e adequar às novas regras internacionais pode acabar vindo do FGTS mesmo, mas não da maneira planejada inicialmente pelo governo. A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (6) o projeto de lei (PL) que permite ao conselho curador do FGTS adquirir, por resolução, bônus perpétuos emitidos pela Caixa com o objetivo de socorrer o banco público. O texto, que agora vai para o Senado, especifica que o conselho curador poderá firmar os contratos até 31 de dezembro de 2018 em um valor total agregado de até R$ 15 bilhões.
A medida é uma tentativa de driblar o Tribunal de Contas da União (TCU), que abriu investigação sobre a operação. O Ministério Público junto à corte de contas chegou a pedir que a transação fosse barrada por entender que há desvio de finalidade e risco de dano ao patrimônio dos trabalhadores.
A operação é considerada necessária pelo governo para que a Caixa possa continuar emprestando sem restrições. Com problemas de capital, o risco seria o banco público – responsável por programas sociais como o Minha Casa Minha Vida – ter que puxar o freio no crédito justamente em período eleitoral.
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Socorro ao banco
Parlamentares dizem que há cerca de dois meses a Caixa tenta negociar com o TCU a liberação dos recursos do FGTS para capitalização do banco, sem sucesso.O banco pretendia transformar parte de sua dívida com o FGTS, cerca de R$ 10 bilhões, em um novo empréstimo sem prazo de vencimento (perpétuo), o que foi contestado por Ministério Público de Contas e área técnica do próprio TCU. A dívida do banco com o FGTS é estimada em R$ 260 bilhões.
Diante disso, o Congresso decidiu apresentar o projeto para tentar “legalizar” a operação questionada pela corte de contas. Se a proposta se tornar lei, com essa repactuação, o fundo receberá juros mais altos. Além disso, a remuneração do título só ocorrerá se a instituição tiver lucro ou reservas para isso.
A Caixa enfrenta problemas de capital e analisa uma série de medidas possíveis para melhorar sua situação. O banco precisa se adequar às regras internacionais de proteção de crises, que ficarão mais restritivas a partir de 2019, quando entra em vigor o Acordo de Basileia 3. Além da injeção de R$ 10 bilhões de recursos do FGTS, outras possibilidades levantadas foram ajuda do BNDES e até a venda de ativos, com a abertura de capital.
O banco está pressionado porque o Tesouro Nacional, acionista único da instituição, já avisou que não tem como tirar dinheiro do Orçamento para capitalizar o banco por causa da delicada situação fiscal do governo. Ao mesmo tempo, o Banco Central cobra o cumprimento das novas exigências mais duras para o capital do banco, seguindo regras internacionais.
Tramitação urgente
O texto do PL foi apresentado pela bancada do PP, mesmo partido do presidente da Caixa, Gilberto Occhi. A urgência da tramitação da proposta foi aprovada no fim da tarde, logo depois de o TCU rejeitar o pedido de cautelar para impedir a operação. Foi um voto de confiança diante do compromisso do governo, sinalizado em documentos ao TCU, de que não faria nenhum movimento para concretizá-la antes do pronunciamento da corte de contas.
O projeto foi aprovado por 318 votos a favor, 13 contra e duas abstenções. Diante do temor de a Caixa secar o crédito no ano que vem para se enquadrar às normas bancárias, até a oposição votou a favor da proposta. “O PT entende a importância dessa matéria”, afirmou o deputado Caetano (PT-BA).
Um dos ferrenhos defensores do governo na Câmara, o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) disse que a operação “será um grande negócio” para o FGTS. O líder do PSB na Câmara, Julio Delgado (MG), liberou a bancada para a votação, mas alertou para o risco de o FGTS “virar sustentador de eventual quebra da Caixa”. Ele disse ainda achar que o dinheiro do trabalhador não deveria ser usado nessa operação.
Drible no TCU
A iniciativa de votar a urgência do projeto de lei e o seu mérito no mesmo dia, no “afogadilho”, foi vista como algo no mínimo “contraditório” por integrantes do TCU, diante da indicação feita pelo governo no processo aberto pelo TCU. A avaliação, no entanto, é que se a permissão para a operação virar lei será difícil continuar a briga.
Na representação do MP-TCU que originou a investigação, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira sustentou que há desvio das finalidades do FGTS na operação pretendida e ainda abuso de poder do agente financeiro do fundo, no caso a Caixa. Há ainda o risco de a operação trazer dano ao patrimônio dos trabalhadores.
As resoluções do conselho curador do FGTS podem ser editadas de forma monocrática pelo ministro do Trabalho, passando a ter valor desde então e viabilizando a emissão dos bônus com uma simples assinatura. A análise pelo colegiado seria feita posteriormente, quando a operação já teria sido concretizada.
O ministro do TCU Benjamin Zymler, que é o relator da ação no tribunal, disse, por meio de nota, que a tramitação do projeto de lei “não depende e nem condiciona a apreciação do processo por parte deste tribunal”. A indicação dele é que o processo continuará tramitando na corte de contas.
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