O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro na quarta-feira (10) não foi um ato processual ordinário. Foi também um ato político e um marco histórico – o primeiro presidente a prestar depoimento por suspeita de corrupção a um juiz de primeira instância. Isso ficou marcado no cenário montado pelo PT e outras entidades e pela postura de Lula no depoimento. E não chegou a haver um duelo, como muita gente retratou o encontro entre o ex-presidente e o juiz que conduz a Lava Jato na Justiça Federal do Paraná.
Lula esteve em Curitiba para falar do caso do apartamento no Guarujá que teria sido reservado a ele pela construtora OAS. O imóvel seria um “upgrade” de um apartamento simples comprado pela esposa falecida de Lula, Marisa Letícia, e teria passado por uma reforma milionária para receber a família do petista. O gasto da OAS não foi sem interesse: segundo a acusação do Ministério Público Federal, o negócio teria sido custeado com propina de obras da Petrobras feitas pela empreiteira.
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O depoimento de Lula permite algumas conclusões que extrapolam o caso do tríplex, mas é insuficiente para que se adiante a sentença que será proferida por Moro nas próximas semanas.
A família Lula da Silva perdeu dinheiro e não liga
No depoimento, Lula diz que o apartamento no Guarujá foi comprado por Marisa Letícia da falida cooperativa Bancoop em 2005. A família pagou pouco mais de R$ 200 mil até meados de 2009. Quando a OAS assumiu os projetos da Bancoop, chamou os cooperados para uma assembleia na qual foram informados de que poderiam retirar suas cotas ou completar o pagamento dos apartamentos que seriam finalizados pela construtora. Nem Marisa, nem Lula participaram. Pode ser que a então primeira-dama não tenha sido informada, segundo hipótese do ex-presidente no depoimento.
Até 2013, quando conversou com o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, Lula não ligou para o dinheiro empatado no Guarujá. O apartamento reservado à família foi vendido para outros clientes e isso também não foi problema. Segundo Lula, a proposta de ficar com o tríplex também não convenceu, mas ele não soube dizer se a OAS foi comunicada da decisão. O investimento (segundo Lula, a compra do apartamento era para investir porque Marisa Letícia não gostava de praia) ficou no limbo. Parece que a soma envolvida não importava muito e está lá na OAS até hoje. O depoimento tentou convencer o mundo de que ele não liga para dinheiro.
A estratégia é fugir de Atibaia
Depois de explicar o investimento imobiliário frustrado da família, Lula se recusou a responder perguntas sobre o sítio em Atibaia, que teria sido comprado e reformado para seu uso. É verdade que são processos separados, mas evidências recentes apresentadas por ex-executivos da OAS mostram que havia uma ligação entre os dois imóveis. As reformas teriam sido conduzidas em paralelo e supervisionadas pela ex-primeira-dama. No caso de Atibaia, os indícios de corrupção eram mais fortes do que no caso do tríplex até o depoimento de Léo Pinheiro, que disse ter reservado o apartamento a Lula.
No depoimento, Lula não quis comentar a existência de papéis com referência ao tríplex por não serem assinados. E não falou sobre mensagens de ex-funcionários da OAS que citam os dois imóveis. A intenção da defesa parece ser tentar descartar indícios que não o liguem diretamente ao tríplex e isolar o caso das evidências existentes no processo do sítio.
A decisão de Moro será polêmica
No fim do dia, Moro terá de avaliar os depoimentos e indícios e dizer se há materialidade do crime. Lula disse que nunca assinou a compra do apartamento. As provas são um cruzamento de depoimentos de gente que conhecia o negócio envolvendo o tríplex e uma coletânea de papéis, mensagens e telefonemas. Como disse Lula no depoimento, nada com sua assinatura. Por isso a decisão de Moro será polêmica.
Lula contra os procuradores
Lula aproveitou o depoimento para reforçar a tese de que é perseguido pelo Ministério Público Federal. Para ele, a ação é uma resposta do MPF à imprensa. Esse argumento é a base de todo discurso de defesa pública de Lula, que investe pesado na ideia de que é perseguido por um grupo de procuradores com sede de vingança. Vingança de quê? Nada muito concreto, mas o comportamento da força-tarefa da Lava Jato em alguns momentos abriu a brecha para a crítica – vide o powerpoint tosco que apresentava Lula como o chefe da quadrilha em uma coletiva de imprensa. O volume da reclamação do ex-presidente contra os procuradores vai subir até a eleição de 2018.
O show foi bem montado
As décadas de organização de eventos e comícios tornou o PT e seus parceiros CUT e MST profissionais de atos públicos. A chegada de Lula à Justiça Federal foi calculada para gerar as imagens do ex-presidente cercado de apoiadores. O palco foi montado em praça pública para ele falar. E ele tinha o discurso de perseguido político na ponta da língua, muito bem treinado nas várias entrevistas que vinha dando nas últimas semanas e que o ajudaram a subir a 30% nas intenções de votos na última pesquisa Datafolha.
Mas não teve apelo popular
Pelo menos em Curitiba, Lula não move multidões além dos apoiadores de sempre. Isso fez com que sua passagem pela cidade fosse muito menos incômoda do que o previsto. Lula se tornou um produto de nicho, unindo uma parte fiel da esquerda, alguns “movimentos populares” e os fãs da figura do torneiro mecânico que virou presidente. Ir além do nicho é a intenção de Lula caso não seja condenado em segunda instância até outubro de 2018. A decisão de Moro será decisiva para a viabilidade da candidatura de Lula.
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