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| Foto: LULA MARQUES/AGPT

O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu nesta terça-feira (24) um precedente perigoso para a operação Lava Jato. Ao decidir que os termos das colaborações premiadas de executivos da Odebrecht referentes ao ex-presidente Lula devem ser remetidos à Justiça Federal de São Paulo e que os termos referentes à refinaria Abreu e Lima devem ser encaminhados à Justiça Federal de Pernambuco, os ministros abrem caminho para que os réus da operação consigam tirar os casos das mãos do juiz federal Sergio Moro.

A decisão da 2.ª Turma do STF representa uma importante vitória para a defesa do ex-presidente Lula, que pode tentar retirar dois processos das mãos de Moro, além de anular a condenação no processo do tríplex no Guarujá, que levou Lula à cadeia. Lula é réu em um processo em que é acusado de ser o dono de um sítio em Atibaia e de ter sido beneficiado com reformas no local. Além disso, o petista também responde a um processo em que é acusado de receber da Odebrecht um terreno para a construção de uma nova sede do Instituto Lula, além de ter firmado um contrato de aluguel fictício para esconder a propriedade de um apartamento em São Bernardo.

Mas não é só o ex-presidente que tem motivos para comemorar a decisão do STF. Outros réus em processos que não estejam diretamente relacionados à Petrobras também podem tentar tirar os casos das mãos de Moro e até anular suas condenações. A decisão sobre o caso da refinaria Abreu e Lima também abre precedente para tirar até processos relacionados à Petrobras das mãos do juiz paranaense.

Veja os principais pontos para entender o que significa a decisão do STF:

O que o STF retirou das mãos de Moro até agora?

A 2.ª Turma decidiu encaminhar à Justiça Federal de São Paulo os termos das colaborações premiadas firmadas por executivos do Grupo Odebrecht, que relatam o repasse de verbas indevidas para custeio de despesas de Lula, entre elas a reforma do sítio de Atibaia (SP), a aquisição de imóveis para uso pessoal e para instalação do Instituto Lula e pagamentos de palestras, em retribuição aos favorecimentos à empresa.

Além disso, os ministros determinaram que os termos de colaborações relativos a supostos desvios praticados em obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, sejam enviados para uma das varas criminais de Recife (PE).

Isso inviabiliza uma eventual condenação nos processos do terreno e do sítio em Atibaia que correm em Curitiba?

Segundo o doutor em direito pela UFPR Francisco Monteiro Rocha Junior, o juiz Sergio Moro pode usar os depoimentos prestados pelos delatores nos processos como testemunhas de acusação. “Testemunha, uma vez arrolada por uma das partes e colhido o depoimento, ele pode ser usado. Não tem a força de uma delação, mas pode ser utilizado”, explica o professor. Além disso, Moro pode utilizar outras provas que não tenham relação com a delação da Odebrecht. As investigações referentes ao sítio em Atibaia e ao terreno para o Instituto Lula começaram antes de a delação dos executivos da empreiteira ter sido homologada. O processo referente ao terreno, inclusive, começou antes da delação.

Moro pode pedir que a Justiça Federal de São Paulo compartilhe as provas?

É comum que na Lava Jato sejam compartilhadas provas entre as forças-tarefas em diferentes estados. Também são compartilhadas provas obtidas em investigações em outros países. Em tese, o compartilhamento das provas obtidas a partir da delação da Odebrecht é viável, mas segundo Rocha, pode gerar pedidos para anular o processo. “Com essa decisão do STF, seria um pouco arriscado. Há uma decisão dizendo que os termos devem ser remetidos para a Justiça Federal de São Paulo, e se em um drible da decisão do STF eles voltarem a ser utilizados em Curitiba, isso eventualmente poderia ser causa de uma nulidade lá na frente”, explica.

A defesa pode pedir que os processos do sítio e do terreno saiam de Curitiba?

Sim. O próprio ministro Gilmar Mendes já levantou essa possibilidade, inclusive. Para Rocha, se a delação vai para outro juízo, os procedimentos oriundos dessa delação também deveriam ser deslocados. “A primeira conclusão que a gente chega é que sairiam daqui da Justiça Federal do Paraná todas essas discussões de crimes que teriam sido delatados”, explica. Na delação, os executivos falam sobre pagamentos da Odebrecht ao ex-presidente Lula através de reformas no sítio em Atibaia e da compra de um terreno para instalação de uma nova sede para o Instituto Lula – casos que são centrais nas duas ações penais que tramitam sob os cuidados de Moro em Curitiba. Além disso, a defesa de Lula pode alegar que o petista não pode ser investigado em dois lugares pelo mesmo crime, arrastando os processos para outro estado.

Por que levar investigação para São Paulo é um bom negócio?

Enquanto as forças-tarefas da Lava Jato nos estados do Paraná, Rio de Janeiro e Brasília já estão consolidadas, em São Paulo o grupo foi criado apenas em fevereiro deste ano. São Paulo entrou no cenário da Lava Jato em 2015, mas até agora as investigações não decolaram por lá. Além disso, a burocracia, a falta de um juiz exclusivo para tratar do caso e ausência de digitalização dificultam o andamento da Lava Jato no estado. Levar as investigações e os processos para lá garante um fôlego maior para as defesas, já que os casos tendem a tramitar mais devagar do que em Curitiba. A falta de um “juiz linha dura” também é um bom motivo para tentar levar os processos para lá, já que não há a designação de um magistrado exclusivo para os casos da Lava Jato e os processos são distribuídos por sorteio.

A decisão afeta outros processos da Lava Jato?

Por enquanto, a decisão do STF vale especificamente para a delação da Odebrecht. Mas os ministros abriram uma brecha para questionamentos das defesas sobre quem deveria julgar os casos da Lava Jato. “Essa é uma discussão muito forte que ainda não foi debatida nas instâncias superiores e há inúmeras teses que apontam para a incompetência do juiz Sergio Moro para julgar, não só as ações do Lula, mas uma serie de questões da Lava Jato”, aponta Rocha. Para ele, as decisões tomadas na terça-feira pela 2.ª Turma do STF dão fôlego para essas alegações. Se a tese de que Moro não é o juiz competente para tratar dos processos prosperar, os processos conduzidos por ele podem ser anulados. “Considerando todo o entendimento anterior, eu vejo uma viabilidade jurídica muito grande de esses recursos serem acolhidos”, aposta Rocha. As defesas argumentam, entre outras coisas, que os fatos não aconteceram no Paraná e, portanto, um juiz paranaense não poderia estar a frente dos casos.

A decisão do STF pode mudar condenações de Moro?

Se os processos forem anulados em instâncias superiores porque Moro não é o juiz competente para julgar os casos, sim. Nesse caso, as condenações de Moro seriam canceladas. Para Lula, isso significa que o petista seria solto – pois está preso apenas com base na condenação do tríplex – e estaria apto a disputar as eleições deste ano, pois não estaria mais inelegível em virtude de uma condenação em segunda instância. Mas a nulidade das sentenças não é automática e vai depender de recursos das defesas que chegarem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF.

Se os processos forem anulados, as investigações perdem a validade?

Não. “A investigação continua de pé, o que se anula é o processo. Ele [Lula] seria novamente processado, mas em outro juízo”, explica Rocha. Os processos que eventualmente sejam anulados precisariam começar de novo, nas mãos de outro juiz. Mas os procedimentos de investigação e oferecimento de denúncias continuariam intactos.

O que acontece com os presos?

Vários réus da operação Lava Jato estão presos na carceragem da Polícia Federal em Curitiba ou no Complexo Médico Penal, em Pinhais. Também há presos que cumprem pena em outros estados.

Caso esses presos consigam anular os processos em que foram julgados por Moro, a situação deles pode mudar. “Quem está preso em virtude da condenação em segundo grau, evidentemente seria posto em liberdade porque a prisão ficaria sem efeito”, explica Rocha. É o caso, por exemplo, do ex-presidente Lula, que foi preso no início de abril para começar a cumprir a pena de 12 anos e um mês na Lava Jato. Outros nove presos da Lava Jato estão na mesma situação de Lula.

No entanto, há presos cuja situação pode não mudar. “No caso de quem está preso preventivamente, os autos seriam remetidos para o juiz competente, que homologaria ou não aquela prisão”, diz Rocha. Esse é o caso de presos como os ex-deputados federais André Vargas (PT) e Eduardo Cunha (PMDB).

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