A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, declarou que o tribunal vai se “apequenar” se aproveitar a condenação do ex-presidente Lula para rediscutir a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância. “Não creio que um caso específico geraria uma pauta diferente. Isso seria realmente apequenar o Supremo”, disse na noite desta segunda-feira (29), ao ser questionada sobre o caso do petista.
A ministra indicou que ela não tomará a iniciativa de pautar ações que tratam do tema, mesmo que não tenham relação direta com o caso de Lula. “Não tem previsão de pauta para isso. Não há pauta definida para um caso específico que geraria uma situação”, afirmou.
Cármen negou que tenha discutido o assunto com colegas do STF nos últimos dias. “Não conversei sobre esse assunto com ninguém. Os ministros estão em recesso”, afirmou.
A presidente do STF disse, no entanto, que um ministro pode provocar a discussão sobre o tema ao levá-lo à Presidência. “Se acontecer de alguém levar em mesa, é outra coisa, não é pauta do presidente”, disse. Cármen não detalhou esse cenário por considerá-lo hipotético.
As declarações da presidente do STF foram dadas em um jantar com jornalistas e empresários organizado pelo site “Poder 360”, em Brasília. A Folha de S.Paulo foi um dos convidados.
Prisão na segunda instância
O ex-presidente Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão no dia 24 pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.
O entendimento atual do STF, de 2016, permite a prisão de condenados em segunda instância, como é o caso de Lula.
Após o julgamento do petista, cresceu nos bastidores do Supremo a discussão sobre uma nova votação sobre o tema. Há duas ações com o ministro Marco Aurélio Mello que tratam do assunto.
Reservadamente ganha força a hipótese, no cenário de nova votação, de a maioria do plenário do STF alterar a regra em vigor, interpretando que será preciso esperar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que a sentença seja aplicada.
Cármen ressaltou sua posição sobre o assunto a favor do atual modelo, com prisão após julgamento em segunda instância – ou seja, ela dificilmente mudaria seu voto em novo julgamento.
Ficha Limpa
A presidente do STF afirmou ainda que considera “pacificado” o entendimento do Supremo sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível quem foi condenado por colegiado em segunda instância.
O caso de Lula deve ser objeto de discussão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O PT afirma que vai levar até a campanha a intenção de lançá-lo candidato à Presidência da República. Carmen Lúcia diz que considera “difícil” uma nova interpretação eleitoral sobre o tema.
Exposição de ministros leva a questionamento
Cármen Lúcia ainda afirmou que a grande exposição dos ministros reflete nas críticas que o tribunal têm recebido. “A maior exposição leva ao questionamento maior”, disse a ministra na noite desta segunda (29) ao comentar artigo de Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP, publicado pela Folha de S.Paulo no domingo (28).
No artigo, o professor afirma que o Supremo “é protagonista de uma democracia em desencanto” e que “se autorregula e não responde a ninguém”. “A síntese do desgoverno procedimental do STF está em duas regras não escritas: quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade. Praticam obstrução passiva no primeiro caso, e obstrução ativa no segundo”, disse, entre outras coisas.
Cármen Lúcia afirmou que leu algumas “passagens” do texto, e não a íntegra. “A vida inteira lutei pela liberdade de expressão, não seria agora, porque estou na posição de quem é criticada, que iria ser contra”, disse.
“Quando você não tem a responsabilidade de decidir o que vai ser da vida de outra pessoa, você tem uma liberdade muito maior para falar”, disse a ministra. “O Brasil tem uma coisa extremamente democrática e séria: toda decisão judicial é fundamentada”, ressaltou.
Para ela, o STF tem “trabalhar com a linguagem” para evitar o desgaste causado por sua visibilidade. “O Supremo sempre teve muita diferença entre os ministros. O que hoje acontece é que a televisão [TV Justiça] potencializa muito as diferenças, mostra como é que cada um fala”, afirmou.
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