Sem papas na língua, o ex-primeiro-ministro de Portugal José Sócrates (2005-2011) chamou de “golpistas” o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José Serra (PSDB-SP), e de “cúmplices do golpe” o juiz federal Sergio Moro e o Supremo Tribunal Federal (STF) em entrevista à imprensa estrangeira, em Lisboa, nesta quarta-feira (26).
Na conversa, o ex-premiê socialista atacou sobretudo o Judiciário português no âmbito da operação Marquês, espécie de Lava Jato lusitana em que ele é réu, mas sobrou também para a política brasileira. “Os golpistas Fernando Henrique Cardoso e José Serra vieram a uma conferência aqui em Portugal para falar para os professores de direito portugueses e explicar o golpe. Como se nós não estivéssemos a ver o que se estava a passar”, afirmou.
A conferência em questão, o 4º Seminário Luso-Brasileiro de Direito, ocorreu em Lisboa em março de 2016, quando o processo de destituição de Dilma Rousseff ainda estava em andamento, e foi coordenada pelo ministro do STF Gilmar Mendes.
“O Brasil é um país de 200 milhões de habitantes. É muito difícil fazer um golpe de Estado sem que as pessoas se deem conta. O que aconteceu no Brasil foi uma coisa extraordinária. A direita política brasileira quis convencer o mundo de que podia mudar as regras no meio do jogo: de um regime presidencialista para um regime parlamentar”, comentou Sócrates.
Na avaliação do socialista, o Judiciário brasileiro também teria responsabilidade. “Os cúmplices do golpe foram também o [juiz Sergio] Moro e o Supremo Tribunal Federal. Moro divulgou uma escuta [entre Dilma e Luiz Inácio Lula da SIlva] feita ilegalmente pela polícia. E o Supremo se omitiu”, conclui.
José Sócrates criticou ainda o presidente Michel Temer. “Falar ‘eu não cheguei aqui pela porta dos fundos, foi o povo que me escolheu’ é algo que todo político deve poder falar a qualquer momento. Hoje, isso é uma coisa que o senhor presidente do Brasil não pode dizer. O problema do Brasil é mesmo esse: a ilegitimidade.”
Teoria do lawfare
Depois de ser alvo de uma detenção para depoimento – versão mais rígida da condução coercitiva brasileira – e de ter passado quase um ano preso, José Sócrates diz que há muitos paralelos entre seu caso e o de Lula. A defesa dos dois políticos parece concordar: ambas acionam a chamada teoria do lawfare para defender seus clientes.
“Isso se chama ‘lawfare’, que é fazer política com a Justiça. Isso já é um fenômeno que tem muitos anos e, ao contrário do que os brasileiros pensam, não foram eles que inventaram isso. Tudo começou na Itália”, afirmou. “Eu vejo muitas semelhanças [de seu caso com o de Lula]. Tem até a coisa do apartamento”, diz Sócrates.
Enquanto Lula é acusado de ser o verdadeiro proprietário de um tríplex no Guarujá, o português é acusado pelo Ministério Público de seu país de ter um apartamento em Paris, mas que estaria em nome de outra pessoa. “Uma das críticas que se faz no Brasil é que se usa a prisão preventiva como instrumento de tortura para obrigar as pessoas a fazer a chamada delação premiada. Aqui fez-se o mesmo”, diz.
Sócrates criticou duramente o fato de, passados quatro anos desde o início das investigações, as autoridades ainda não tenham apresentado a denúncia contra ele. “Eu queria recordar que este processo tem 48 meses. Isso parece não chocar, não indignar ninguém. Os prazos de inquérito servem para lembrar ao cidadão que, quando o Estado resolve lhe apontar um dedo o acusando de um delito, ele tem um prazo para o fazer. Não se pode considerar alguém suspeito para toda a vida”, diz.
Ele diz entender que Lula, assim como ele, também está sofrendo um processo movido por razões políticas. “Queriam impedir que eu me candidatasse à Presidência”, avalia. Diante da suposta perseguição, o ex-primeiro-ministro diz que pretende acionar tribunais europeus e outras instâncias.
Embora não tenha formalmente uma denúncia, Sócrates é alvo de inquérito por lavagem de dinheiro, corrupção e fraude fiscal.
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