Ao desembarcar em Curitiba no próximo 13 de setembro para a segunda audiência como réu em processo derivado da operação Lava Jato, é provável que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se depare com um cenário bastante diferente que o encontrado em maio passado, quando por volta de 7 mil pessoas, convocadas por movimentos sociais, vieram manifestar seu apoio ao petista.
“Está todo mundo pisando em ovos para falar qualquer coisa oficialmente, mas já está definido que não será feito um chamado geral para todo o país”, relatou, sob a condição de anonimato, um importante líder petista. “Agora, a estratégia é pulverizar, fazer ações no Brasil todo para debater a sentença, mostrar que, do ponto de vista do partido, foi uma condenação frágil. Não faz mais muito sentido trazer o Brasil todo para cá.”
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Isso quer dizer, na prática, que é improvável que se repita dessa vez a invasão de Curitiba por manifestantes favoráveis ao ex-presidente. O que, por sua vez, naquele 10 de maio, fez com que adversários do petista decidissem vir à capital – em bem menor número, é verdade – para mostrar apoio ao juiz federal de primeira instância Sergio Moro. A possibilidade de confrontos entre os grupos naqueles dias levou à montagem de um ostensivo esquema de segurança.
À época, a secretaria da Segurança Pública colocou nas ruas de Curitiba um esquema com 3 mil agentes – vários deslocados do interior –, atiradores de elite, quatro helicópteros e o bloqueio de várias ruas. Tudo isso custou cerca de R$ 150 mil. Dizendo ter havido “gastos necessários, mas indesejáveis de recursos públicos com medidas de segurança”, Moro ofereceu a Lula a possibilidade de ser ouvido por videoconferência de São Paulo. Nada feito, respondeu a defesa.
Lula virá a Curitiba para falar, como réu, no processo em que é acusado de aceitar a compra de um terreno para o instituto que leva o seu nome com dinheiro que, segundo o Ministério Público Federal, é oriundo de propina. A transação custou R$ 12,4 milhões. Os advogados de Lula negam as acusações, e veem prática de lawfare – guerra jurídica, em inglês – contra o ex-presidente.
Na avaliação do PT, o momento não é mais de promover um “confronto” entre Lula e Moro. “Passou. Estamos num momento em que, se algo pode ser mudado, é no tribunal [de segunda instância, em Porto Alegre]. Lula já está condenado [por Moro] num processo, e deve ser condenado nos demais. Além do mais, trazer muita gente para cá dá cacife para o juiz”, relatou o líder petista. Nem mesmo um comício aberto, como ocorreu em maio, é garantido. “Deve haver alguma atividade com ele, aqui, no dia [do depoimento]. Mas será proposto um novo formato.”
Mistério
A reportagem encontrou alguma dificuldade para falar sobre o assunto, abertamente, com líderes de movimentos que organizaram as manifestações de maio. A senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, respondeu, por assessoria, que nada estava definido. Ante a insistência por uma entrevista, o estafe de Gleisi disse que ela não tinha interesse em falar do assunto.
A presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Regina Cruz, e Roberto Baggio, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), falaram, mas pouco revelaram. “Até agora não foi debatido nada”, desconversou Regina. “Temos todo um outro calendário de atividades para agosto, e estamos dando prioridade para isso”, tergiversou Baggio.
É possível que pese, na decisão do PT de não convocar seus militantes a Curitiba novamente, o temor pelo desgaste de ver o partido “cobrado” politicamente pelos custos decorrentes do eventual esquema de segurança a ser montado, aludidos por Moro.
Em maio, dias após o primeiro depoimento de Lula, o secretário da Segurança Pública, Wagner Mesquita de Oliveira, disse que o esquema montado à época poderia ser repetido em “maior ou menor proporção” noutras oportunidades. Inquirida a respeito, a pasta também foi evasiva. Disse, em comunicado, que “já iniciou tratativas com a Justiça Federal e Polícia Federal para iniciar um planejamento operacional para garantir total segurança ao ato jurídico”.
Depoimento é “ato político”
O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirma na petição em que insistiu com o depoimento presencial, em Curitiba, que isso garante o pleno direito de autodefesa de seu cliente. Cita, para isso, trecho de sentença do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso, em que ele anota que “a percepção nascida da presença física não se compara à virtual, dada a maior possibilidade de participação e o fato de aquela ser, ao menos potencialmente, muito mais ampla”.
Mas é difícil acreditar que a decisão do ex-presidente em vir a Curitiba novamente para sentar-se frente a frente com o juiz que já o condenou – no fim de julho, no caso do triplex no Guarujá-– não carregue um componente político. Lula, afinal, tem a intenção manifesta de disputar mais um mandato à Presidência da República.
“O que muda [em relação ao primeiro depoimento presencial, em maio] é que não é uma surpresa. Perdeu-se o ineditismo. Entretanto, a estratégia da defesa de querer a presença de Lula em Curitiba reafirma que eles querem o confronto, querem polarizar com Moro. É um ato essencialmente político, mesmo sem a mesma mobilização popular”, avaliou o cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nem mesmo a alegada justificativa do líder petista de que o jogo que importa, para Lula, será disputado em Porto Alegre, na segunda instância, e não mais em Curitiba, convence o cientista. “Não cola. A preocupação com o que ocorre na primeira instância não desaparece. Não há como desconsiderar um lado para se concentrar só no outro”, Baía argumentou.
“Lula preferiu ir [depor pessoalmente] para fazer jogo de cena. A videoconferência tem uma ressonância política muito menor, e ele quer capitalizar o discurso de que é perseguido [pela Lava Jato]”, disse o também cientista político Antônio Flávio Testa, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Professor de ética e filosofia da Unicamp, Roberto Romano vê vantagens na tendência de que o novo depoimento de Lula tenha menos tintas de uma final de campeonato de futebol. “É importante que o PT tenha, ao que parece, tomado a decisão de não tentar influenciar o resultado de um processo judicial com manifestações de massa. Mas cabe lembrar que do outro lado temos um juiz com sua própria claque, que [no último dia 1º, quando completou 45 anos] levou para ele um bolo e tudo mais”, argumentou.
Crítico histórico de Lula, Romano também mostrou-se incomodado com o que classificou de “transformação de juízes e procuradores em justiceiros”. “Todos os participantes [do processo penal] precisam agir com o devido decoro. É preciso deixar que a Justiça cumpra os seus rituais. O réu deve ser respeitado, a defesa deve ser respeitada, a acusação deve ser respeitada. Clima de futebol, de torcida, aí, é prova de que não chegamos à maturidade política. E lugar de bolo de aniversário, nesse caso, é no lixo.”
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