Após uma troca de farpas pela imprensa, a quarta-feira (27) terminou com um pedido de chega de provocações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao da República, Jair Bolsonaro (PSL). O deputado disse que não responderá mais a “nenhuma gracinha, nenhuma insinuação” e que deixará Bolsonaro “começar a trabalhar”.
“Faço um apelo ao presidente para que pare, chega. Peça ao entorno para parar de criticar, pare de criticar. Vamos governar o país: eu, a Câmara e ele. Chega”, disse ele, à noite. Mais cedo, Maia havia dito que Bolsonaro estava “brincando de presidir o Brasil”.
O presidente da Câmara afirmou que só falará com jornalistas a partir de agora sobre a reforma da Previdência. “É natural que quando se faz uma crítica tenha uma reação, mas vamos parar. Vamos cuidar do Brasil que está precisando. São 12 milhões de desempregados, não é brincadeira”, disse.
A bandeira branca empunhada confirma a impressão que colegas parlamentares e o próprio mercado têm de Maia: ele ainda é o principal fiador da reforma previdenciária e sua postura pacificadora pode abrir caminho para que a proposta tramite com mais celeridade.
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O presidente da Câmara tem mostrado mais convicção na defesa da PEC do que membros do PSL, o partido de Bolsonaro, e do que o próprio presidente da República. Maia deve atuar daqui para frente como “fonte de estabilidade” e principal articulador da reforma, segundo deputados federais que conversaram com a Gazeta do Povo.
Pés no chão
O deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) considera que Maia tem mostrado competência na condução da Câmara e na tentativa de fazer com que a tramitação da reforma previdenciária se efetive. “Ele é muito qualificado para o trabalho que está exercendo”, disse.
A atuação de Maia no comando da Câmara e na defesa da reforma tem sido destacada até mesmo por membros da oposição. “Nós não concordamos com a reforma, mas reconhecemos que Maia tem sido muito aberto ao diálogo e feito a Câmara trabalhar neste sentido”, declarou a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ).
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Para outro deputado, também da oposição a Bolsonaro, “o governo está acabando” e o trabalho de Maia evita um colapso maior. “Ao longo desses meses, o governo dá mostras diárias que não consegue se firmar, não consegue apresentar projetos consistentes e está se esvaziando aos poucos. Se não fosse a estabilidade que o Rodrigo Maia constrói aqui na Câmara, as coisas estariam bem piores, para o Brasil e para o governo”, disse.
Contra as bombas
O presidente da Câmara negou também a possibilidade de colocar para votação as chamadas “pautas-bomba”, temas desinteressantes para o governo. A ideia da votação de questões controversas ganhou corpo após a Câmara aprovar, na terça-feira (26), uma proposta de emenda à Constituição que enrijece o Orçamento e tira parte do poder do governo federal na gestão do dinheiro público. Mesmo com o voto favorável de membros do PSL, a aprovação foi interpretada como uma derrota do governo.
“Se a PEC de ontem [terça-feira, 26] fosse uma bomba, o Parlamento não estaria em pé”, disse Maia, em referência à proposta que mudou regras do orçamento da União.
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Em entrevista ao portal UOL, Maia descartou também a condição de “bomba” de outro tema que pode entrar na agenda da Câmara nas próximas semanas, o pagamento de compensação a estados que se julgam prejudicados pela Lei Kandir, que atinge as exportações.
A iniciativa – apoiada principalmente por estados com produção de minério, como Minas Gerais e Pará – pode fazer com que o governo amplie de R$ 3,9 bilhões para R$ 39 bilhões a fatia direcionada aos estados. Maia disse que só conduziria uma votação sobre o tema após diálogo com a equipe econômica do governo e a identificação de que o projeto não criará impactos de larga escala.
Paz vigiada
A pacificação anunciada nesta quarta-feira pode não ser definitiva, na avaliação de diferentes parlamentares. Mesmo com o compromisso de Maia com a reforma da Previdência e o discurso público de não responder a provocações, novos focos de conflito entre Legislativo e Palácio do Planalto podem aparecer, segundo os deputados.
Um potencial caminho de controvérsias é a convocação de ministros para audiências no Congresso. Nesta quarta-feira, Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Ricardo Velez (Educação) e Bento Albuquerque (Minas e Energia) passaram por comissões de Câmara e Senado, onde foram questionados por oposicionistas e também por membros da base aliada.
Em uma das declarações mais controversas, o ministro Paulo Guedes disse que não tem “apego ao cargo” e que “tem uma vida” fora do governo, sugerindo que pode deixar a gestão Bolsonaro se não encontrar apoio para a aprovação da reforma da previdência. Maia respondeu a declaração, e disse que o ministro “tem mais apoio do que pensa” dentro do Legislativo.
A presença de diferentes ministros no Congresso foi interpretada como sinal de fraqueza do Planalto dentro do parlamento – historicamente, os governos buscam barrar a ida dos membros do primeiro escalão ao Legislativo, para evitar críticas e “palanque” dos oposicionistas.
“Isso está acontecendo porque o governo se comporta como um bando, e é incapaz de se articular para defender os temas de seu interesse”, disparou o deputado Bacelar (Podemos-BA). Para Pompeo de Mattos (PDT-RS), mais do que uma suposta “fraqueza” do governo, o principal problema está na desorganização: “é um governo que não consegue governar nem a si próprio. Como vai poder administrar o Brasil?”.
Ainda nesta quarta, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados aprovou a convocação (ou seja, obrigatória) do ministro Sergio Moro para prestar esclarecimentos sobre o projeto anticrime.
Caminhos para a reversão
Para deputados, o quadro só poderá ser revertido com uma atuação mais incisiva do Executivo na articulação com os parlamentares. “Rodrigo Maia está fazendo um trabalho ótimo. Mas as pautas do governo precisam ser articuladas pelo próprio governo. É essencial que o presidente fale mais com os deputados e ouça mais as demandas deles”, disse o tucano Samuel Moreira.
Amigo do presidente da República e deputado pelo PSL-RJ, Hélio Lopes acredita que a bancada governista deverá intensificar seu apoio às pautas governamentais. “Estamos conversando e compreendendo, cada vez mais, a necessidade da reforma da previdência. O PSL estará unido em torno disso”, declarou.
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