Foi um escândalo. Na saída da missa dominical de Ribeirão Claro (PR) dois motociclistas desfilaram nus em frente aos fiéis, após apostar e perder que o Brasil venceria a Argentina na Copa de 90.
O promotor da cidade não pensou duas vezes: pediu a prisão preventiva (por tempo indefinido) dos “peladões”. Era João Pedro Gebran Neto, que atualmente é juiz federal e relator da Lava Jato em segunda instância.
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“Não foi fácil convencer o juiz substituto, que vinha semanalmente a Ribeirão Claro, de que o caso merecia tão séria repressão”, disse, em texto publicado em 2012. Como a cadeia estava vazia, o magistrado aceitou prender os arruaceiros por “um ou dois dias”. Depois disso, “a ordem estava restabelecida”, concluiu o ex-promotor.
À frente da oitava turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que revisa as decisões de Sergio Moro, o curitibano Gebran Neto continua conhecido pela rigorosidade, assim como os outros dois componentes do colegiado, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus.
Quase metade das penas dadas por Moro foram elevadas na segunda instância, algumas delas em mais de dez anos. Na quarta-feira (21), o processo contra o ex-sócio da Engevix, Gerson de Mello Almada, chegou à sala de julgamentos da turma com uma condenação a 19 anos de reclusão. Saiu com uma pena de 34 anos e vinte dias.
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Antes mesmo de o STF (Supremo Tribunal Federal) definir que réus podem ser presos em segunda instância, a oitava turma já determinava a execução das penas de pessoas que condenavam.
O trio não tem concedido entrevistas, mas Gebran se posicionou ao ser questionado se, ainda hoje, considera o caso de Ribeirão Claro como passível de prisão preventiva tomada quando há risco de reiteração da conduta ou destruição de provas.
“Na ocasião, os efeitos da decisão foram muito benéficos, porque a sociedade permaneceu em paz e sem novos presos por muito tempo”, disse Gebran em nota à reportagem.
“Como promotor, agiria como agi na época, levando em conta a data dos fatos, a pequena e pacífica comunidade onde aconteceu e os impactos causados com as condutas. Cabe ao julgador analisar os fatos e tomar a decisão”, afirmou.
Lista tríplice
Sediada em Porto Alegre, a oitava turma do TRF-4 tem apenas um gaúcho, o revisor da Lava Jato Leandro Paulsen. Especialista na área tributária, surpreendeu colegas de direito ao se tornar um juiz “linha dura” na área penal ao assumir a vaga no TRF.
Juiz federal desde 1993, torcedor do Internacional, Paulsen fez carreira e tem família na capital. Trabalhou por três anos e meio, ainda sem se formar, no gabinete de um juiz do TRF que, antes, era procurador da República. Em 2014, figurou ao lado de Sergio Moro em lista tríplice da Ajufe (Associação de Juízes Federais do Brasil) para substituir o ministro Joaquim Barbosa no Supremo.
Dos três, o que está mais tempo no tribunal é o catarinense Laus. Ex-procurador da República, por dez anos, foi promovido ao tribunal em 2002. Sempre foi tido como um magistrado severo, mas, na turma, é visto pelos advogados como o menos rígido.
Alguns processos de repercussão serão analisados pela oitava turma nos próximos meses. Um deles é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por Moro na ação do tríplex, cujo julgamento está marcado para a próxima quarta-feira (24/1).
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A defesa de Lula, no entanto, já teve embates com o trio --assim como tem com Moro. Em ação, disse que Gebran tem relação de amizade com o juiz de primeira instância e não pode decidir se Moro é suspeito ou não para julgar o ex-presidente. Citou agradecimento que Gebran fez em um livro. Ele disse ter “afinidade e amizade” com Moro.
Gebran não negou que tenha amizade com o juiz, mas diz que não sofre influência nas decisões que toma. Paulsen e Laus defenderam o colega de turma. “Não há que se imaginar que eventual amizade entre magistrados induza a manutenção de decisões ou coisas do tipo”, disse Paulsen, em voto.
A ação da defesa de Lula corre agora no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Um adjetivo recorrente entre os advogados que classificam a turma é “rigorosa”.
Foi isso o que disse o advogado Marcos Crissiuma à reportagem, após a turma manter a prisão preventiva de seu cliente, um gerente da Petrobras preso na 40ª fase da operação. É assim, também, que caracteriza quem já teve seus casos julgados pelos três em processos não relacionados à Lava Jato. “Essa turma pode divergir do Moro, mas ainda assim são divergências de juízes rigorosos”, afirma o criminalista Márcio Paixão.
Banalização
Advogados também veem que a reiteração de casos similares na Lava Jato pode levar os juízes a repetir decisões. Esse argumento foi usado por Antônio Pitombo, na defesa de Almada.
“A visão de quem está dentro muitas vezes não reconhece alteração no caso”, disse, acrescentando que seu cliente sofria pressões. Pediu que “examinassem o homem”.
Não fez o efeito esperado. Gebran, como relator, elevou a pena de Almada para 23 anos. Paulsen aumentou ainda mais, para 34, e foi seguido no voto por Laus.
Antes de votar, Gebran respondeu ao advogado. Disse que a turma tem percebido que houve uma “banalização” da corrupção na Petrobras, mas isso não “autoriza um raciocínio que beneficie quem estiver inserido dentro desse contexto”. “A banalização das coisas não torna elas melhores. Às vezes torna até piores, doutor”, afirmou.
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