O empreiteiro Marcelo Odebrecht, mesmo estando preso, foi paparicado por deputados. Recebeu elogios: um líder lembrado com “profundo orgulho” pelos liderados; um empreendedor que “qualquer estudante de Engenharia quer seguir profissionalmente”. Alguns pisaram em ovos. Pareciam pedir desculpas por ter de lhe fazer perguntas. Ele aproveitou o ambiente amigável para falar de seus valores morais.
Não, não foi agora. Tudo isso ocorreu em setembro de 2015, na audiência da CPI da Petrobras em Curitiba. Foi quando Odebrecht deu lição de moral ao país e disse que não ia fazer delação premiada porque não tinha nada a delatar.
Dizem que o tempo é senhor da razão. Dois anos se passaram. O empreiteiro confessou seus crimes. Delatou. E os deputados fizeram um papelão. Vista em retrospectiva, aquela comissão parlamentar de inquérito não passou de uma encenação, um teatro – algo que talvez seja um dos grandes problemas da política brasileira e conduza ao descrédito cada vez maior dos cidadãos em seus representantes.
O príncipe e a corte
A chegada da CPI a Curitiba, a capital da Lava Jato, estava cercada de grande expectativa. Os holofotes se voltaram para a capital paranaense. Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira campeã no financiamento de candidatos, era o principal personagem daquelas audiências. Afinal, o dono da maior construtora do país havia sido preso três meses antes pela Lava Jato.
Isso não foi impeditivo para que vários parlamentares se comportassem como membros da corte do “príncipe” – apelido dado a Marcelo Odebrecht por outros empreiteiros envolvidos no petrolão. Jornalistas que participaram da cobertura lembram que não foram poucos os deputados que fizeram questão de cumprimentá-lo antes do depoimento.
O relator da CPI, Luiz Sérgio (PT-RJ), foi o primeiro a falar. E começou com mesuras: “O senhor é um jovem executivo de uma das mais importantes empresas brasileiras. A Odebrecht é uma empresa com uma importância muito grande no Brasil e em toda a América Latina”.
Profundo orgulho e valores
O deputado Altineu Côrtes (PMDB-RJ) falou logo a seguir. E foi um pouco além. Teceu elogios a Odebrecht. Disse ter ficado impressionado quando, anos antes, conversou com funcionários da empreiteira que descreveram o chefe “com profundo orgulho”.
A fala do deputado motivou o empreiteiro a se autoelogiar e a falar dos seus “valores morais”: “Uma coisa que eu sempre costumo dizer é o seguinte: quem nos conhece reconhece. Com relação à minha pessoa, eu acho que eu não chego nem aos pés daqueles a quem eu sucedi. Eu costumo dizer o seguinte: uma geração só é avaliada pela geração seguinte. (...) Então talvez o meu sucesso e o de minha geração vai ser medido pelo que minha geração depois de mim vai fazer. O meu legado será a geração que vem depois de mim. E, entre o meu legado, eu acho que tem valores, inclusive morais, dos quais eu nunca abrirei mão”.
O deputado Altineu então perguntou se Odebrecht pretendia fazer delação premiada. O empreiteiro não apena disse que não tinha “nada a dedurar” como quis dar uma lição de moral. “Eu diria que, entre esses valores... Entendeu? Desde criança, quando lá em casa as minhas meninas [filhas] tinham uma discussão, falavam e tinham uma briga [por causa de algo de errado que alguma delas fez]... (...) Eu diria o seguinte: eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquele que fez o fato”, disse o empreiteiro. Para então concluir: “Senhor deputado, primeiro, para alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar”. Dois anos depois, o fato é: ele tinha o que dedurar. E abriu mão de seus “valores morais”.
Levanta que eu corto
Naquela audiência, Valmir Prascidelli (PT-SP) foi outro deputado a elogiar o empreiteiro, chamando-o pelo primeiro nome, como se tivesse intimidade. “Marcelo, como já foi dito aqui, (...) vossa senhoria é daqueles empresários que qualquer estudante de Engenharia quer seguir profissionalmente.”
A pergunta que Prascidelli direcionou ao empreiteiro foi no estilo “levanta que eu corto”. O deputado frisou que Odebrecht havia se colocado sempre à disposição da Justiça e logo em seguida questionou: “O senhor tem conhecimento do inteiro teor das acusações as quais lhe são atribuídas?”
A resposta parecia combinada: “Não. Não temos inteira [noção]... Esse inclusive é um ponto de que nós cansamos de falar. Nós não temos acesso a todas as acusações que são feitas sobre nós”. O deputado tentou insistir na linha de vitimizar o empreiteiro. “O senhor acha adequada, correta a [sua] prisão, considerando que o senhor se considerou sempre à disposição da Justiça?”
Odebrecht preferiu não exagerar nas críticas à Lava Jato e não cortou a bola levantada: “A minha vontade de responder é muito grande, mas, inclusive, essa [resposta] fará parte da estratégia da nossa defesa”.
Não satisfeito, o deputado tentou outras vezes: “O senhor tentou em algum momento obstruir as investigações ou destruir provas com relação às investigações?” e “Na sua opinião, há um certo abuso com relação às prisões?”. Odebrecht também não respondeu.
O que restou?
Aquela CPI – como tantas outras – foi finalizada sem resultado efetivo. Obviamente, houve deputado que quis trabalhar, investigar. Mas eles foram derrotados. Nenhum político foi responsabilizado no relatório final.
A investigação parlamentar acabou marcada pela encenação e pela mentira: “Para alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar”. E pelos salamaleques destinados ao príncipe dos empreiteiros – que nem mesmo seriam necessários. Ao menos sob esta ótica: na delação de Marcelo Odebrecht e dos executivos da construtora, nenhum daqueles deputados foi acusado. Ou seja, eles não tinham o rabo preso. Mas preferiram se curvar.
O tempo é senhor da razão. E ele nos diz: o país precisa de menos teatro e mais verdade na política. E de representantes que reverenciem que os elegeu. E não quem banca as campanhas.
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