Depois de um mandato marcado por trapalhadas aos 45 minutos do segundo tempo em colaborações premiadas firmadas com executivos da J&F, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pode ver a Procuradoria-Geral da República (PGR) adotar outra estratégia em relação aos acordos sob o comando da procuradora-geral Raquel Dodge. A nova procuradora já deu sinais de que deve conduzir a PGR de forma mais discreta e técnica do que o antecessor, incluindo as tratativas para novos acordos.
Segundo reportagem recente publicada pelo jornal O Globo, a procuradora criou novos procedimentos na PGR para as negociações de acordos de colaboração premiada. Para marcar hora para falar com a equipe da Procuradoria-Geral agora, só com uma secretária através de um e-mail específico. Os telefones dos investigadores são mantidos em sigilo. Segundo o jornal, as negociações tendem a ser mais duras daqui para a frente.
Uma das mudanças é a exigência de provas concretas para que as negociações avancem. Na época de Janot foram firmados acordos com poucas provas para corroborar os depoimentos dos colaboradores. Um exemplo foi a delação do ex-senador Delcídio do Amaral, que pode ser revista depois que o Ministério Público Federal encontrou inconsistências nos depoimentos. Em um processo que investiga se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atuou na suposta tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, os procuradores pediram a absolvição de Lula e a suspensão do acordo de Delcídio, que teria mentido em seus depoimentos para incriminar o petista.
Outras delações firmadas sob o guarda-chuva de Janot, como a do ex-deputado federal Pedro Correa (PP) e do ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, foram alvos de críticas por trazerem poucas provas de corroboração. O caso mais sensível, porém, envolveu os acordos de colaboração premiada de executivos da J&F, controladora da JBS.
O empresário Joesley Batista e o lobista Ricardo Saud acabaram presos depois que vieram à tona gravações feitas sem querer por Batista que mostravam que os executivos deixaram de fora da delação pontos importantes para a investigação. Um procurador da equipe de Janot, que deixou o cargo e passou a atuar no escritório de advocacia que negociava o acordo da J&F, está sendo investigado. Wesley Batista, irmão e sócio de Joesley, também acabou preso por manipular o mercado financeiro usando informações confidenciais sobre a delação que estava negociando com a PGR.
Apesar de ser de um grupo rival ao de Janot na Procuradoria e de ter chegado a cutucar o antecessor dizendo que ele dependia demais das colaborações premiadas nas investigações, Dodge defendeu a validade das provas da colaboração dos executivos da J&F. Segundo ela, a eventual quebra de um acordo não inviabiliza as provas obtidas através dele.
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O acordo da J&F foi usado por Janot para fundamentar as duas denúncias enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Michel Temer (PMDB). As duas denúncias foram enterradas pela Câmara dos Deputados, que precisa dar o aval para que o STF processe um presidente da República em exercício.
Delações na fila
Entre os colaboradores que terão que lidar com o novo estilo adotado pela PGR na negociação de acordos de colaboração premiada está o ex-ministro Antônio Palocci. Em seu interrogatório conduzido pelo juiz federal Sergio Moro em um dos processos em primeira instância, Palocci deu detalhes de como funcionava o relacionamento entre o ex-presidente Lula e a empreiteira Odebrecht.
O ex-ministro também deve prestar informações importantes sobre o envolvimento de outras empresas e instituições financeiras nos crimes investigados pela Lava Jato. O acordo ainda não foi firmado e o advogado não quis se manifestar sobre a negociação com a equipe de Dodge.
Já as chances de o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), preso em Curitiba desde o ano passado, retomar negociações para fechar uma delação praticamente acabaram. “Esquece”, disse ele ao sair de uma audiência na Justiça Federal de Brasília na terça-feira (31). Cunha chegou a iniciar as tratativas com Janot, mas desistiu, acusando o ex-procurador-geral de não negociar de boa fé e exigir que ele entregasse provas para “derrubar o presidente Michel Temer” para fechar o acordo.
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