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Governo Bolsonaro prepara ações para “salvar” a indústria brasileira da desindustrialização precoce. | Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo
Governo Bolsonaro prepara ações para “salvar” a indústria brasileira da desindustrialização precoce.| Foto: Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo

Com a indústria brasileira perdendo espaço na economia a cada ano, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, promete “salvar” o setor, “apesar dos industriais brasileiros”. Ele é crítico da política protecionista adotada em governos anteriores e da posição das próprias empresas, que, na sua visão, ficaram viciadas nesses mecanismos de proteção, principalmente em subsídios, sem se integrar plenamente ao comércio internacional. Mas, afinal, o que o novo governo deve fazer para resgatar a indústria?

A equipe de transição ainda não divulgou qual será a política industrial do governo Bolsonaro, mas Guedes, em outubro, ao falar com a imprensa, deu as linhas gerais do que pretende fazer. Ele afirmou que vai fazer uma abertura gradual da economia. Isso estimularia a concorrência no setor e, ao mesmo tempo, “não mataria” os industriais brasileiros, possível de acontecer em uma abertura abrupta. Ele também disse que vai melhorar as condições internas, com juros mais baixos, redução dos impostos e eliminação da burocracia. Assim, seria possível integrar competitivamente as indústrias locais ao mercado internacional e fazer com que elas consigam competir com quem deve entrar no país.

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Para o pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do IBRE/FGV, Marcel Balassiano, Guedes, com essas medidas, sinaliza que deve criar condições para que a indústria consiga se manter sozinha e prosperar, fortalecendo a economia e gerando mais empregos. Tudo isso sem a tutela do estado, ou seja, sem políticas de subsídios e de incentivos fiscais e sem linhas de financiamentos somente para determinados setores em detrimento de outros.

Balassiano acredita que a abertura comercial, a melhora do ambiente de negócios, reduzindo o chamado Custo Brasil, e uma reforma tributária serão fundamentais para que o setor volte a investir no país. “Estamos em uma recuperação lenta e gradual da economia e aumentar os investimentos é fundamental para aumentar PIB. Por quatro anos, tivemos crescimento negativo dos investimentos, que passaram de 21% para 15% em proporção ao PIB.”

Indústria tem sua parcela de culpa na crise do setor, mas sofre com Custo Brasil

O economista diz que, apesar de muitos industriais olharem somente para si e não para a evolução de todo o setor, é muito difícil ser empresário no Brasil. “Obviamente a indústria não é culpada de tudo (da crise do setor). O Custo Brasil é uma herança dos governos que custa tempo e dinheiro para as indústrias. A questão trabalhista sempre foi muito complexa. Reformas precisam ser feitas para melhorar ambiente de negócio e retomar os investimentos”, afirma.

O embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima, ex-subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty e atual conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), também concorda que a abertura comercial, a diminuição do Custo Brasil e a redução da política de subsídios e dos mecanismos de proteção são necessários para adequar a indústria brasileira ao atual modelo comercial. Eles trariam, explica, mais competitividade, sem discriminar um setor do outro, e levariam à redução dos custos, como do preço dos insumos, hoje um gargalo para a indústria.

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Mas isso demandaria uma adaptação do nosso time empresarial a uma nova cultura. “Você tem algumas indústrias que puderam ao longo do tempo se reestruturar e se reinventar, mas você também tem um maior número de indústrias que têm sua culpa (na crise do setor). Aquelas que se beneficiaram por políticas discriminatórias, por medidas de proteção, algo que já deveria ter sido superado”, diz Graça Lima.

Modelo de política industrial adotado no Brasil está ultrapassado

O embaixador aposentado destaca que o modelo de política industrial adotado no país por décadas – a substituição de importações pela industrialização – está ultrapassado. “É um modelo que se esgotou nos anos 1980. A proteção continua se mantendo por um lado cultural, mas também por questão de balanço de pagamento, uma necessidade que deixou de existir a partir do momento que o Brasil construiu reservas cambiais na ordem de bilhões de dólares.”

A estratégia de substituir importações pelo fomento à industrialização começou a ser aplicada a partir da década de 1930. Ela teve seu auge entre as décadas de 1950 e 1980 e foi eficaz para diversificar a matriz industrial, antes baseada no agronegócio e em bens de não duráveis.

Mas muitos especialistas afirmam que, a partir de década de 1980, o modelo ficou ultrapassado em uma economia digital e globalizada. Só que o Brasil não atualizou a matriz da sua política industrial e continuou a usar muitos preceitos da substituição de importações, levando à perda de dinamismo da indústria.

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Entre as técnicas ainda utilizadas, estão mecanismos de proteção e de fomento a quem atua no mercado interno, como: barreiras tarifárias; subsídios e incentivos fiscais; políticas de controle de preço; exigências de conteúdo local (fornecedores locais) na produção de determinados setores, como o petroleiro; e preferência nacional em licitações de alguns setores, caso do setor bélico. Algumas dessas práticas foram condenadas pela Organização Mundial do Comércio.

Resultado: desindustrialização precoce

Com isso, o setor não teria conseguido acompanhar as tendências mundiais e acabou não se integrando ao comércio internacional (somente aos países do Mercosul), perdendo competitividade e levando o país à desindustrialização precoce, o que prejudica a economia brasileira. Entre 2006 e 2016, a fatia da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) encolheu de 27,7% para 21,2%, segundo dados do IBGE.

Já outra frente de economistas atribuiu outros fatores para a desindustrialização precoce, como: dificuldade do ambiente interno, com juros alto e burocracia; adoção de uma política cambial voltada ao combate da inflação; falta de recursos do BNDES, devido à crise fiscal; e ao próprio processo histórico, que tende a fazer com que países industrializados, com o tempo, vejam a participação da indústria no PIB diminuir e a de serviços aumentar.

Ausência de política industrial

Independente do motivo ou dos motivos, a desindustrialização é um assunto que Guedes já sinalizou que vai atacar. Mas, ao adotar uma postura liberal e de livre mercado para resolver o problema, com abertura comercial e medidas microeconômicas, há economistas que avaliem isso como, na verdade, uma ausência de política industrial. “A política industrial é uma ação de Estado. E eles, ultraliberais, tendem a acreditar no mercado”, afirma Antônio Corrêa de Lacerda, professor de Economia da PUC-SP, sócio da AC Lacerda Consultores Associados e especialista em política industrial.

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Ele concorda que é preciso melhorar o ambiente de negócios, com redução da burocracia, mas diz que a abertura desordenada da economia aceleraria a desindustrialização. “É preciso uma política industrial forte baseada nas experiências internacionais bem sucedidas, como Japão, Alemanha, Estados Unidos e, mais recentemente, Coreia do Sul e China, com incremento à inovação, com forte apoio estatal e resolvendo o problema do financiamento, já que o BNDES fazia esse papel e o dinheiro está minguando”, diz Lacerda.

Ele também defende a escolha de setores para incentivo e integração entre universidades, empresas e institutos de pesquisa.

O que diz a indústria

Para fomentar a indústria, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) defende uma série de ações. São elas: redução do Custo Brasil, que hoje prejudica a competitividade das empresas brasileiras no exterior; juros mais baixos; reforma tributária, com substituição de impostos federais pelo Imposto de Valor Agregado, que incide sobre o consumo, e não na produção e nos investimentos, e que não é cumulativo; fomento aos investimentos privados em infraestrutura; acordos comerciais para facilitar as exportações e transferência de tecnologia; apoio do BNDES, principalmente à chamada indústria 4.0 (digital, integrada e automatizada); incentivo à inovação; e manutenção da política de conteúdo local.

Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) está elaborando um documento sobre recomendações de política industrial ao novo governo. A previsão é que ele seja lançado no início do primeiro semestre de 2019.

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