Diante da morosidade do Judiciário, uma associação de juízes decidiu ingressar como assistente de acusação em dois processos criminais movidos contra magistrados ex-presidentes da própria entidade. Eles são suspeitos de arquitetar a maior fraude da história da Justiça Federal.
Entre 2000 e 2009, a Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer) obteve empréstimos da Fundação Habitacional do Exército (FHE) por meio de contratos fictícios, usando dados cadastrais de juízes e desembargadores federais que desconheciam o ardil. O fato foi revelado pela “Folha de S.Paulo” em novembro de 2010.
A atual diretoria da Ajufer contratou, por R$ 50 mil, o escritório do advogado Jorge Amaury Nunes, de Brasília, para ingressar como assistente de acusação em duas ações penais que tramitam vagarosamente no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que engloba o DF e 13 Estados. Nunes é professor da UNB, ex-procurador do Banco Central. O advogado vai acompanhar todos os processos cíveis, criminais e administrativos sobre o caso.
Em carta aos associados, em setembro, o presidente da Ajufer, Leonardo Paupério, afirmou que, “para superar o gosto amargo desse passado, não há outro remédio senão apurar as responsabilidades e clamar por Justiça”. No texto, ele faz referência a reportagem da “Folha de S.Paulo” de julho, que definiu a fraude como o ‘mensalão da toga’, que corre o risco de ficar impune.
Com recursos obtidos em sucessivos contratos fictícios, a associação rolou mensalmente empréstimos não quitados; parte do dinheiro era desviado ou depositado em contas de laranjas.
Na época da fraude, alguns membros da atual diretoria da Ajufer ainda não eram juízes. Outros foram vítimas. Paupério, por exemplo, teve seu nome usado indevidamente em dois empréstimos fictícios. “Passados sete anos desde a descoberta daquela década de fraudes, os fatos ainda não foram suficientemente esclarecidos e os responsáveis permanecem impunes”, diz Paupério.
Ele lembra que “mais de R$ 20 milhões teriam sido desviados de maneira fraudulenta e criminosa”. Até hoje não se sabe o destino do dinheiro.
Ritmo lento
Foram denunciados no TRF-1 os ex-presidentes da Ajufer Moacir Ramos, Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos, Hamilton de Sá Dantas e Charles Renaud Frazão de Moraes. Foi decretada a extinção da punibilidade, por prescrição, de Dantas.
Também são réus o ex-diretor da FHE José de Melo, e Cezário Braga e Nilson Freitas Carvalho, apontados como agiotas e doleiros.
Segundo os autos, o juiz Moacir Ramos – apontado como mentor do esquema – indicava à FHE os supostos beneficiários dos empréstimos, sacava a quantia para pagar prestações em curso e transferia para contas pessoais e de doleiros a diferença.
No mês seguinte, ele “firmava” novos empréstimos em valores superiores e repetia o desvio de recursos. A denúncia foi oferecida ao TRF-1 pelo Ministério Público Federal em dezembro de 2014. Só foi recebida em maio de 2016. Até agora, segundo a Ajufer, os réus não foram citados.
Outro lado
A Fundação Habitacional do Exército (FHE) não comenta a decisão da Ajufer de contratar o escritório do advogado Jorge Amaury Nunes para ingressar como assistente de acusação em duas ações penais que tramitam no TRF-1. “Não cabe à FHE avaliar nem se manifestar sobre os profissionais contratados pela Ajufer”, informa.
Sobre a decisão do Tribunal de Contas da União, que citou ex-dirigentes e funcionários da FHE como responsáveis solidários, a fundação informa que “se trata de processo classificado, pelo TCU, com confidencialidade restrita, sobre o qual não vai se pronunciar”.
O advogado Jonas Modesto da Cruz, que defende o juiz federal Moacir Ramos, considerado o principal responsável pela fraude nos financiamentos, diz que só se manifesta nos autos. Ramos afirmou à corregedoria que a Fundação do Exército “tinha conhecimento de todos os contratos e os assinava sem opor qualquer resistência”.
A reportagem não conseguiu ouvir os juízes Charles Moraes e Solange Salgado e os ex-servidores da FHE. Moraes afirmou à corregedoria “não ter consciência da dimensão dos fatos em apuração, devido à confiança que depositava no diretor-financeiro, Moacir Ramos”.
Solange Salgado disse ao corregedor que “assinava cheques em branco, na confiança que depositava no juiz Moacir Ramos”. Afirmou que “também foi uma das associadas lesadas”. Com relação à acusação contra o ex-presidente da entidade Hamilton Dantas, foi decretada a extinção da punibilidade, por prescrição.
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