Como é a rotina pós-cárcere de alguém que foi condenado na Operação Lava Jato e que só deixou a prisão após colaborar com a Justiça? Como recomeçar depois de ter a vida exposta e devassada pela polícia, Ministério Público e imprensa? O empresário Otávio de Marques Azevedo sabe bem o que é isso.
Ex-presidente do Grupo Andrade Gutierrez, ele falou sobre sua experiência pessoal em um evento do Conselho da Comunidade na Execução Penal, nesta terça-feira (26), em Curitiba. Azevedo ainda cumpre prisão domiciliar e precisou de autorização da Justiça para participar do evento. O convite foi feito pela presidente do Conselho, Isabel Mendes Kugler. Ela comentou que outro preso famoso da Lava Jato foi procurado para falar, o lobista Fernando Baiano, mas ele não respondeu ao convite.
A vida de Azevedo mudou radicalmente em junho de 2015, quando foi preso na 14ª fase da operação, batizada de Erga Omnes – uma expressão em latim que significa “vale para todos”. Esta foi a fase que cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão contra as duas maiores empreiteiras do país, a Andrade Gutierrez e a Odebrecht. Marcelo Odebrecht também foi preso naquele dia. Eles foram acusados de participar de um esquema de cartel, fraude à licitação e pagamento de propinas em contratos da Petrobras.
Azevedo ficou detido primeiro na carceragem da Polícia Federal e depois no Complexo-Médico Penal (CMP), em Pinhais, na região de Curitiba. Foi deixar a cadeia somente em fevereiro de 2016, por ordem do juiz Sergio Moro, após a Andrade Gutierrez fechar acordo de delação em que se comprometia a revelar fatos ilícitos.
Menos de uma semana depois, voltou a ser preso, desta vez por ordem do juiz Marcelo da Costa Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que tratava do pagamento de propina por empreiteiras na obra da usina nuclear de Angra 3. Foi a primeira vez na Lava Jato em que um delator que havia sido solto voltou à prisão, mas a prisão só durou um dia e logo ele voltou para casa.
Nesse processo, Avezedo foi condenado a 18 anos de prisão em regime domiciliar fechado, em setembro de 2016. Em agosto desse ano, Moro sentenciou quatro executivos da Andrade Gutierrez, além de um ex-diretor da Petrobras na Lava Jato, mas Azevedo e outros cinco réus tiveram o processo suspenso devido aos acordos de colaboração premiada.
A palestra
A participação em um projeto de ressocialização de presos em Minas Gerais por longos 10 anos, disse o empresário, foi o que o motivou a falar nesta terça-feira. Sobre a experiência na prisão da Lava Jato, pouco se abriu. Fez duas observações mais amplas, a respeito da vida no cárcere: a primeira de que o regresso do detento começa no dia em que ele é preso; a segunda é que todos os presos são inocentes – pelo menos na cabeça deles.
“O primeiro dia preso foi o mais difícil. Mas todos os dias são difíceis”, disse, seguido de um longo suspiro. O primeiro passo foi aprender a lidar com o advogado. “Nenhuma empresa tem advogado criminalista contatado”, constatou.
Depois, era preciso se adaptar à vida na prisão – e às diferenças e semelhanças entre os presos socialmente vulneráveis e aqueles que não são. “Todos sofrem, sofrem muito,rasga a alma. Mas são sofrimentos diferentes”.
Ele comenta que os dois grupos conviviam no pavilhão do CMP. E não era fácil. As diferenças começavam pela fé – a maioria dos presos mais vulneráveis praticava alguma fé. Outra era a diferença de suporte familiar. Se ele recebia cobertores extras da família, havia presos que tremiam de frio no inverno.
A integração entre os grupos também era difícil. Ele encontrou um vínculo por meio do futebol. “Gosto muito de futebol e de jogar futebol. Mas era só eu. Os outros eram mais velhos ou muito ruins de bola”, comentou.
Ainda sobre o tempo na prisão, Azevedo lembrou sobre os detentos que possuem televisão nas celas. “Dá para ter TV, mas não tem instalação elétrica. Você tem que se virar lá dentro”. Os dias de visita, nas sextas-feiras eram motivo de alegria. Mas só aconteciam a cada 15 dias. “Quando não tinha visita, era um baixo astral geral e coincidia com o maior rigor dos agentes no fim de semana”.
O empresário também comentou sobre como a prisão afeta a vida da família. “Você entra de um jeito e sai de outro. Nem melhor, nem pior, mas sai diferente. E isso não pode afetar o cotidiano da vida da família. Quando você é preso; a família vai junto”.
Todos os presos, independentemente da classe social, sofrem com o abalo à reputação após a prisão. Azevedo comenta que a foto dele entrando no Instituto Médico-Legal com um “casacão” rodou o mundo. Mas ninguém mais lembra de quando ele era registrado engravatado, como executivo. “Não posso culpar ninguém pela perda da minha reputação. O culpado sou eu. Sou eu’, afirmou.
Ele ainda defendeu a continuidade dos processos e a punição para todos os tipos de crime, inclusive dos de colarinho branco. Para ele, a educação pode ser um bom caminho para manter as mudanças que estão ocorrendo pela Lava Jato. “Banir o jeitinho não tira a graciosidade do povo, mas acaba com a corrupção inata que vem no jeitinho”.
E o futuro?
O empresário trabalhou na Andrade Gutierrez por 23 anos, depois de um período em empresas estatais, sobretudo da área de telecomunicações. Saiu do comando da holding que tem foco na área de investimentos e telecomunicações direto para a prisão.
Atualmente, trabalha em uma empresa própria que presta consultoria para outras empresas. O negócio, diz ele, ficou adormecido por 18 anos e está sendo retomado agora, depois do furacão Lava Jato. Aos 66 anos, Azevedo disse que começou seu terceiro ciclo de vida profissional. “Ano passado eu fiz 65 anos, eu iria me aposentar”.
Azevedo terminou sua fala comentando sobre arrependimento. Ele foi questionado por uma pessoa que assistia à palestra e argumentou que não notava que ele se arrependia “do que fez ao povo brasileiro”. O empresário rebateu, dizendo que “frases de efeito não fazem arrependimento”, que é uma coisa de alma. “São meus atos e gestos que mostram que eu tenho”. Ao fim de sua fala, ele foi aplaudido e desceu apressado: precisava ir para o aeroporto.
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