Depois de 13 anos ajudando a reorganizar as forças de segurança do Haiti e a controlar a violência e os efeitos da instabilidade política local, as tropas brasileiras começam a deixar o país caribenho nesta quinta-feira (31). A maior missão militar no exterior desde a Guerra do Paraguai (1864-70) terminará com uma cerimônia na noite desta quinta na capital, Porto Príncipe. O evento contará com a presença do ministro da Defesa, Raul Jungmann, que viajou para o Haiti na companhia de uma comitiva formada por militares e civis.
“À meia-noite do dia 1º de setembro encerraremos oficialmente as operações. Isso quer dizer que, a partir de 2 de setembro, nenhum soldado brasileiro sairá às ruas armado para realizar patrulha ou qualquer operação”, disse o comandante da missão, general Ajax Porto Pinheiro, em entrevista à rádio Verde Oliva, do Exército brasileiro.
Do Brasil, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, mandou mensagem saudando o fim da missão pelo Twitter. “Capacetes azuis brasileiros orgulhem-se da missão cumprida no haiti. Vocês são referência para a ONU”, escreveu.
O cronograma de desmobilização prevê que 85% dos 981 militares brasileiros no país sejam trazidos de volta ao Brasil até 15 de setembro. Os outros 152 militares soldados e oficiais ficarão encarregados de proteger as instalações brasileiras e cuidar das últimas medidas administrativas necessárias à repatriação de todo o material e equipamento brasileiro até 15 de outubro, quando também deixarão aquele que é considerado o país mais pobre das Américas e um dos mais carentes do mundo.
Última patrulha
Na quarta-feira (30), militares brasileiros realizaram a “última patrulha” no país caribenho. Tratou-se de um tour para jornalistas pela simbólica favela Cité Soleil, de cerca de 150 mil habitantes, onde o Brasil manteve base por dez anos. Em junho, entregou o prédio à Polícia Nacional Haitiana e, desde então, faz apenas incursões esporádicas.
Apesar de Cité Soleil estar em período calmo, a missão brasileira ainda a classifica como área de risco. Por isso, os repórteres, em jipes abertos, tiveram de usar coletes à prova de balas e capacetes azuis. Durante o percurso pelas ruas cheias de comércio e de lixo, os jornalistas puderam descer em dois momentos, quando interagiram com moradores dentro de um perímetro de segurança militar.
Com uma bandeira do Brasil no peito, um deles se aproximou identificando-se como “Fábio Jr.”, apelido recebido após trabalhar como faxineiro no batalhão brasileiro. Em português quase perfeito, Ravil Loubert, 22, disse que haverá problemas com o fim da missão. “Quando os brasileiros estavam aqui, eles me ajudavam com maçã e leite. Mas levantei agora e não passou nada na minha boca.” Desempregado e com um filho, pretende se mudar para o Brasil em novembro – seu irmão vive em Salvador. “Tem muitos [de Cité Soleil] morando no Brasil.”
Nas ruas, a passagem dos brasileiros atraía gestos simpatia, mas a maioria parecia indiferente aos veículos da ONU. Alguns se irritavam.Houve também hostilidade. Em inglês, um haitiano gritou “vão se foder! Saiam do meu país!”. Num cruzamento, um caminhão bateu deliberadamente na lateral de um jipe, sem dano maior.
Outro jipe tinha uma grande bandeira do Brasil pendurada na lateral. Na véspera, o comandante da missão, general Ajax Porto Pinheiro, criticara a mesma atitude por parte de militares paraguaios, porque, a seu ver, ela quebrava a unidade da missão.
Legado misto
Para o diretor de pesquisa da ONG Igarapé, Robert Muggah, a missão deixará um “legado misto” após gastos de US$ 7 bilhões desde 2014. Por um lado, diz, a missão conteve a violência e a agitação política, além de ajudar na reconstrução após o terremoto de 2010, que matou 200 mil pessoas. “O Brasil teve papel crucial. Contribuiu com o maior contingente, e ofereceu ajuda vital no final de 2016, após o furacão Matthew”, escreveu, por e-mail.
“[Mas] é difícil dizer que a intervenção da Minustah (como é chamada a missão) foi um sucesso. Os esforços da ONU foram manchados pelos incidentes de abuso sexual infantil por integrantes do Paquistão, do Sri Lanka e do Uruguai”, afirmou. “A missão também foi criticada por iniciar a epidemia de cólera”, disse, sobre a doença trazida por nepaleses que resultou em pelo menos 9.000 mortes.
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