A forma como a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB), de 78 anos, foi executada nesta quinta-feira (21) repercutiu negativamente entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares da situação e da oposição, e juristas. Todos viram no episódio uma certa espetacularização e pouco embasamento jurídico para justificar a prisão preventiva. O mandado de detenção foi expedido pelo juiz Marcelo Bretas, da força-tarefa da Lava Jato no Rio, a pedido do Ministério Público Federal no Rio.
Três ministros do STF ouvidos pela reportagem em caráter reservado viram exageros na ação conduzida pela Polícia Federal. Eles atribuíram a prisão a um jogo de protagonismo de juízes e procuradores da Lava Jato contra outras instituições, como o Congresso e o próprio Supremo.
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Um deles cita a decisão da semana passada do tribunal, que determinou a remessa de casos conexos a caixa dois à Justiça Eleitoral – o que deixou a força-tarefa contrariada. Esse ministro diz que a operação desta quinta teve excessos que demonstram desespero e o que chamou de “crise existencial” da Lava Jato.
Ao completar cinco anos, a operação acumulou vitórias e reveses e vê seu maior símbolo, o ex-juiz Sergio Moro, com arranhões desde que assumiu o Ministério da Justiça de Bolsonaro.
Na visão de um magistrado, episódios de demonstração de força são reflexo de uma disputa de poder no Ministério Público Federal, evidenciado no processo de tentativa de criação do fundo para gerir parte do dinheiro recuperado pela Lava Jato. O episódio opôs parte dos procuradores e a chefe do órgão, Raquel Dodge, que se posicionou contra o projeto.
Um dos ministros disse considerar a prisão de Temer absurda. Esse integrante do tribunal defendeu os resultados produzidos pela Lava Jato nos últimos cinco anos e disse que eventuais exageros da operação criam o risco de atrapalhar o bom trabalho feito até aqui.
Jornalistas na porta de casa
A atuação do juiz Marcelo Bretas, que toca a Lava Jato no Rio e mandou prender o ex-presidente e demais acusados, foi comparada à de Moro, pela tentativa, na visão do magistrado, de buscar protagonismo no noticiário. A prisão de Moreira Franco, parado no meio de uma avenida no Rio de Janeiro, foi filmada pela TV Record. Já Temer tinha jornalistas na porta de sua casa antes mesmo que soubesse do mandado de prisão.
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O caso despertou novamente no Supremo o grupo de ministros críticos a Bretas. Uma série de decisões do magistrado no Rio já foi revertida monocraticamente por Gilmar Mendes e pela Segunda Turma da corte.
No ano passado, depois que Gilmar mandou soltar 19 pessoas presas por ordem de Bretas, o juiz do Rio reagiu e afirmou que “casos de corrupção e delitos relacionados não podem ser tratados como crimes menores”.
Ministros consideraram especificamente frágeis as razões para decretar a prisão preventiva de Temer. Eles argumentam que os crimes imputados ocorreram no passado e que o ex-presidente não representa riscos ao processo porque não é mais uma autoridade.
Um dos magistrados lembrou que a Segunda Turma do tribunal já concedeu habeas corpus a presos preventivos da Lava Jato que estavam fora do poder. Isso ocorreu em junho de 2018, quando o ex-ministro José Dirceu foi solto e passou a recorrer em liberdade.
Outro afirmou que não se surpreenderá se Temer for solto e a Lava Jato usar o episódio para criticar a decisão do Supremo no ano passado de proibir conduções coercitivas.
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Esse ministro somou ao que vê como fragilidades da decisão a ausência de condenação em primeira instância. Ele comparou a situação de Temer à do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que só foi para a cadeia depois de julgado em segunda instância. Esse ministro disse que a decisão de Bretas soa como uma ação de corporações para inviabilizar a reforma da Previdência e a tranquilidade do país.
O momento da deflagração da prisão de Temer também foi questionado. A medida poderia ter sido tomada assim que Bolsonaro tomou posse, afirmou um membro da corte. Teria sido uma forma de Moro e o presidente mostrarem a que vieram.
A Lava Jato, porém esperou três meses, e tomou a iniciativa quando a popularidade de Bolsonaro medida pelo Ibope despencou, e o governo tem dificuldades para formar uma base aliada no Congresso que aprove a reforma previdenciária.
Detenção é ‘grotesca’ e ‘hollywoodiana’, dizem juristas
A decretação da prisão de Michel Temer despertou polêmica entre juristas e advogados. Em 46 páginas de sua decisão, o juiz Marcelo Bretas não cita nenhum fato recente cometido pelo ex-presidente para justificar a detenção. De fato, o pagamento teria acontecido em 2014 e os supostos atos para atrapalhar as investigações são de 2017 e 2018 e, envolvem diretamente, na maioria dos caos outros acusados e não o ex-presidente.
Bretas justifica-se afirmando que a corrupção é crime extremamente grave. “O Supremo tem súmula afirmando que a gravidade abstrata de um crime não é motivo para a decretação da prisão”, afirmou o professor de Processo penal da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró. “A contemporaneidade dos fatos é requisito em todos os tribunais para a prisão”, afirmou.
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De acordo com ele, em toda a decisão de Bretas não há nada que justifique a decretação de prisão de Temer. “Alega-se que ele (o ex-presidente) usava sua influencia política para a prática de crimes. Isso cessou quando ele deixou a Presidência. Ele foi encontrado em casa, uma coisa grotesca”, afirmou.
O criminalista João Paulo Martinelli, doutor em direito penal, também considerou o pedido de prisão “vago de fundamentação”. Também para ele, a justificativa de “gravidade de delito” não é suficiente para sustentar o pedido de Bretas. “Uma prisão como esta não pode ocorrer por fatos pretéritos.”
O advogado disse ter tentado identificar alguma forma de obstrução à Justiça, destruição de provas ou existência de um plano de folga, mas não conseguiu encontrar esta fundamentação na ordem de prisão do juiz federal. “Em caso contrário, a prisão pode ser revogada em breve”, comentou.
O ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra da Silva Martins Filho classificou de ‘hollywoodiana’ a prisão preventiva de Temer e disse à reportagem que “quem está fazendo está querendo mostrar que ‘quem manda sou eu’”.
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Para Ives Gandra, os argumentos invocados por Bretas não convencem. “Ora, o processo está em andamento desde o primeiro pedido de impeachment de Rodrigo Janot [ex-procurador-geral da República]. A argumentação de que [Temer] pode destruir documentos. Acho extremamente difícil. Se fosse o caso, ele já teria feito.”
O jurista também questionou a ideia de que Temer possa representar um risco às instituições e à ordem pública. “Era um homem completamente fora do poder, não tem contato com ninguém.” O ministro questiona por que Lula, outro ex-presidente preso, teve direito de negociar os termos de sua detenção, e a de Temer aconteceu “em plena rua, com metralhadora e tudo, sem sentença”.
“Uma prisão com todo esse aparato cinematográfico me deixa muito preocupado”, diz o jurista, que é companheiro do ex-presidente na Academia Internacional de Direito e Economia.
‘Populismo penal’, dizem deputados e senadores
Deputados e senadores viram na prisão do ex-presidente emedebista mais uma tentativa de desgaste da classe política junto à opinião pública e diante de pressões das redes sociais. Mesmo parlamentares que fizeram oposição à gestão de Temer criticaram a ação da Polícia Federal, classificada por eles como “populismo penal” da Lava Jato. Aliados do presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, comemoraram.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou que o clima de “caça às bruxas” a políticos tende a acirrar os ânimos. “Não vejo nenhuma razão para prender um presidente da República que tem endereço conhecido, não está fugindo, não está fazendo nada e está à disposição das autoridades. É mais um espetáculo midiático para agradar este ou aquele setor”, disse. Para ele, “está na hora” de o Congresso discutir a lei de abuso de autoridade. “Está passando de todos os limites, a meu ver.”
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Para o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), o grupo político de Michel Temer “muito se beneficiou dos abusos da Lava Jato” e agora “experimentam o populismo penal que os colocou no poder”. O parlamentar argumentou que “Temer traiu o país e a democracia”, mas “isso não significa que sua prisão mereça ser comemorada”.
Da tribuna da Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), outra opositora à gestão do ex-presidente, afirmou não comemorar a prisão. “Respeitamos as garantias constitucionais de todos os brasileiros”, disse.
Líder do PSL na Câmara, o deputado Delegado Waldir (GO), do partido de Bolsonaro, afirmou que a prisão de Temer representa um novo momento. “A notícia da prisão é maravilhosa, mostra que o país está mudando”, disse.
O senador Major Olímpio (SP), líder do PSL no Senado, foi na mesma linha. “Cadeia para todos aqueles que dilapidaram o patrimônio do povo brasileiro, envergonharam a política e nesse momento tem que pagar sim na Justiça. Não interessa se é ex-presidente, se era ministro, membro do Poder Executivo, do Legislativo e até mesmo do poder Judiciário”, afirmou em vídeo gravado e divulgado por sua assessoria.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estava reunido com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e lideranças partidárias no momento em que a prisão foi confirmada.
Segundo apurou a reportagem, o deputado lamentou o fato de seu sogro, o ex-ministro Moreira Franco, também ser alvo da operação de ontem, mas não viu ação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, no caso. Os dois tiveram divergências públicas na véspera. Procurado, Maia não se manifestou sobre as prisões.