Em 12 anos, o setor automotivo “ganhou” R$ 28 bilhões. Esse é o valor estimado para as renúncias fiscais que beneficiaram a indústria automobilística entre 2006 e 2018. O cálculo foi feito pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal. Nessa conta estão os incentivos do programa Inovar Auto, que será encerrado em dezembro, além de projetos específicos para a instalação de novos projetos industriais nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; descontos em impostos e política industrial para o setor. Mas será que tanta ajuda do governo resultou em investimento e avanço?
A resposta é complexa. “Quando você fala em renúncia fiscal, é mais complexo. Desenvolver um parque, tecnologia própria, é um bem mais intangível. Você pode ter aumentado o nível de pesquisa, de qualificação. São algumas coisas que dão reflexo”, pondera Raphael Galante, economista da Oikonomia Consultoria.
E no caso específico desse setor, é preciso olhar a situação em perspectiva. Um ponto é que há quase uma “tradição” em benefícios do governo para a indústria automotiva. “Na história das montadoras, elas muito mais receberam do que deram. Na atual conjuntura, e no histórico das empresas, o governo pode exigir sem necessariamente dar uma contrapartida”, avalia Galante.
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Por outro lado, essa indústria foi bastante afetada pela crise econômica, como lembra Orlando Merluzzi, CEO da MA8 Management Consulting Group. De 2006 a 2012, o setor automotivo estava em crescimento, aumentando a produção e as vendas para o mercado doméstico – ele pulou de 1,9 milhão de veículos em 2006 para 3,96 milhões em 2012. Mas aí veio a crise e o mercado se retraiu. A produção caiu e em 2017 a expectativa é de fechar o ano com 2,3 milhões de carros produzidos.
“De 2006 a 2012 foi um período de ouro, vários fatores movimentaram a economia do Brasil e atraíram investimento externo. O mercado brasileiro crescia alucinadamente, o país se tornou a bola da vez e todo mundo veio para cá. É normal que haja incentivos em troca de alguma coisa”, pontua Merluzzi. Para ele, usar esse tipo de moeda de troca para atrair novas empresas para se fixarem no Brasil é justo e funciona.
Ainda assim, ele faz algumas críticas aos benefícios concedidos paras as montadoras que já estavam aqui. “Quando o setor começou a crescer e novas montadoras começaram a chegar, ficou difícil. Então era mais cômodo – e a indústria automobilística brasileira é muito mal-acostumada – buscar incentivo do governo, com redução do IPI e taxa de juros”, exemplifica.
Zona de conforto e resultados não aferidos
Com o sistema em uma zona de conforto, recebendo benefícios e não sendo necessariamente cobrados pelas contrapartidas, os resultados de tantas benesses não são facilmente aferidos. Não há como negar que algumas montadoras ampliaram suas fábricas – e até começaram outras plantas industriais em novas cidades, gerando empregos em diversas regiões, como o interior da Bahia e Pernambuco. Na contramão, a crise que afetou em cheio o país produziu um fenômeno de novas fábricas construídas e fechadas até hoje, porque não vale a pena produzir.
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Além disso, o governo apostou muitas fichas, a partir de 2012, no programa Inovar Auto. O problema é que o programa está perto de acabar e ainda há pontos sendo regulamentados. “O governo deu um benefício com uma contrapartida que o próprio governo não conseguiu administrar”, critica Merluzzi.
Apesar de não haver um balanço das inovações desenvolvidas, algumas montadoras conseguiram melhorar a eficiência energética, reduzindo a alíquota do IPI, por exemplo. Isso é suficiente? Para Galante, a própria dinâmica do mercado forçaria uma adaptação da indústria para esse ponto. “O que se espera de renúncia fiscal é que o governo acelere esse processo. A questão é: valeu a pena acelerar esse processo? Eu acredito que o mercado chegaria lá, talvez não na velocidade desejada”, pondera.
Merluzzi concorda. Para ele, esse seria o caminho natural na indústria, mas o governo agiu como um catalisador no processo. O problema é que, mesmo sem avaliação da eficácia do programa, o governo já se prepara para lançar outro, o Rota 2030 – um programa mais complexo, mas que não traz uma linha sobre incentivos para quem quiser investir em modelos de veículos elétricos ou híbridos. “A eletrificação só vai acontecer se tiver benefício para disparar esse processo. Se não der essa ajuda, o Brasil vai ficar cada vez mais distante do primeiro mundo”,argumenta.
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