As ruas de Brumadinho – a pequena cidade ao lado de Belo Horizonte, mais conhecida por abrigar o Instituto Inhotim – foram tomadas pelo desespero. Parte dos moradores teve de deixar suas casas por causa do avanço da lama, vinda do rompimento da barragem da Vale; outros corriam atrás de notícias sobre parentes e amigos desaparecidos, em meio a boatos de todos os tipos. Uma pousada foi destruída pela onda de lama, segundo os bombeiros. E relatos indicam que as sirenes de alerta da mina não funcionaram na hora do acidente.
“Quando deu a hora de almoçar, saí do trabalho e fui esquentar almoço para mim e para minha filha. Ouvi um barulho, igual ao de um helicóptero, e saí para o terreiro para ver o que era. Quando olhei para a barragem, ela estava estalando e gritei: ‘Ana Clara, traz o telefone e corre’”, conta Maria Aparecida dos Santos, moradora de Córrego do Feijão. “Foi tudo muito rápido. Momento de pânico, pessoas assustadas. Parecia cena de filme. Se pudesse já teria ido embora daqui. Isso vai ser um inferno”, disse Maria Aparecida dos Santos, emocionada. Ela conta que viu a casa ser levada pela lama. “Catei o braço dela [da filha] e subi morro acima. Quando olhei para trás, vi aquela devastação. A pousada em cima foi embora e a minha casa também.”
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Relato: “Era uma onda que vinha por cima da outra”
Na pousada a que Maria Aparecida se refere estavam 38 pessoas, entre hóspedes e funcionários, segundo o tenente Pedro Aihara, dos Bombeiros; ela desapareceu sob a lama. “A área da pousada, que costumava receber muitos hóspedes, incluindo famosos, foi varrida pela força dos rejeitos.” O proprietário do local, o empresário Márcio Mascarenhas, que também é fundador da escola de inglês Number One, foi identificado entre as vítimas, ao lado da esposa e do filho.
Maria Aparecida ainda disse que a sirene que deveria alertar os moradores sobre problemas na barragem não soou. “Há poucos meses, técnicos estiveram aqui na cidade para passar instruções da sirene. Falaram que, em caso de emergência, iria tocar. Mas não foi bem assim.” O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse à imprensa no Rio que não sabia se a sirene havia funcionado.
“Parece mentira”
Todos os dias Marilza Franco passava pelo Rio Paraopeba e admirava a beleza do córrego. As águas claras do afluente hoje viraram manchas de cor marrom, que jamais serão esquecidas pelos moradores que viram de perto o estrago ocasionado pelo rompimento da barragem da Vale. Ainda muito incrédulos, os moradores olhavam as marcas da tragédia na manhã deste sábado. “Parece que é tudo mentira, mas não é”, lamentou Marilza. Seu marido, 63 anos, pescava todos os dias no rio, agora atingido pela lama. “É inacreditável. Os dias serão muito difíceis daqui para a frente”, disse, ainda muito emocionado. “Eu amava vir aqui pescar. Às vezes reunia os amigos, vizinhos. Hoje a cena é devastadora.”
Duas vizinhas de Marilza seguem desaparecidas. “É muito triste não ter notícias de pessoas que conviviam com a gente todos os dias. Vivemos uma agonia. É um sofrimento que não cabe em mim, e que nunca vou esquecer”, contou, com os olhos cheios de água.
Muitos moradores da região de Brumadinho ainda não conseguem pensar no que será daqui para a frente. “Vivi muitos anos neste lugar. Era o meu lar, meu refúgio. Aqui eu tinha paz. Agora só Deus sabe como vai ser. Nossas vidas mudaram. É algo que ficará para sempre na memória”, concluiu Marilza.
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Virgílio Fernandes Pessoa, 60 anos, perdeu tudo o que tinha com a tragédia. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, ele disse que ficou apenas com a roupa do corpo. “Quando estourou a barragem, saiu levando tudo. Graças a Deus minha esposa conseguiu sair. O que eu tinha foi tudo abaixo. Nem documentos consegui salvar.” Fernandes disse que foi difícil até para tomar banho, e teve de pegar roupa emprestada com familiares. Ele conta que tem problemas de hipertensão, mas os remédios foram junto na lama. “O que construímos em 25 anos foi destruído em um minuto”.
Os poucos estabelecimentos comerciais de Brumadinho estão fechados. Diversos anúncios de loteamento e alguns empreendimentos indicam que a localidade, que cresceu em função da atividade mineral, parecia tentar entrar para o circuito turístico que cresceu nos últimos anos na região e movimenta localidades da região, como Casa Branca.
Rio ameaçado
O produtor rural Milton Geraldo Rodrigues viu os efeitos do rompimento da barragem. “Estava trabalhando na roça e, quando cheguei em casa, já tinha acontecido a tragédia. Minha casa não foi atingida, mas falaram que a gente não podia ficar lá. Dizem que está minando água e que é perigoso.” A prefeitura pediu aos moradores que evitassem o leito do Paraopeba, rio que passa pela região e ameaçado pelo fluxo de lama. Até o início da noite de sexta-feira, os Bombeiros não confirmavam que os rejeitos tivessem atingido o curso de água. A 6 quilômetros do local, o campo de futebol de uma faculdade foi usado por helicópteros dos Bombeiros e da polícia. Em um galpão ao lado, foi montada estrutura para atendimento médico de emergência. “No local [do acidente[ teremos só uma estrutura emergencial, já que lá falta água, energia e o acesso é complicado”, diz o major Santiago, da PM.
Na cidade vizinha, Mário Campos, PMs orientaram moradores de três bairros a deixarem suas casas, pela proximidade com o Paraopeba. Ao menos outros quatro municípios – Juatuba, Betim, Pará de Minas e São Joaquim de Bicas – estão em alerta. A Companhia de Saneamento de Minas (Copasa) assegurou o abastecimento de água na Grande BH.
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