O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, apresentou nesta segunda-feira (4) o pacote anticrime que vai enviar ao Congresso. O conjunto de projetos altera 14 leis e tem três eixos centrais: o combate ao crime organizado, à corrupção e à criminalidade comum. O pacote anticrime modifica os códigos penal, processual e eleitoral e as leis de execução penal e de crimes hediondos.
As medidas preveem, por exemplo, o endurecimento de penas; mais rigor dentro dos presídios; a criminalização do caixa 2 eleitoral; a previsão legal da prisão em segunda instância judicial como regra geral e em primeira instância no caso de homicídios; o chamado excludente de ilicitude para não punir policiais que matam criminosos em situações de confronto ou risco a vítimas. Há ainda uma medida inovadora no combate à corrupção: informantes que derem informações que ajudem a recuperar dinheiro desviado poderão receber até 5% desse valor – veja abaixo a íntegra das propostas.
Criminalização do caixa 2 e criação do “informante do bem” no poder público
Na área político-partidária, haverá a criminalização do caixa 2 eleitoral e a alteração da competência para julgamento de crimes complexos relacionados a eleições.
Para o combate à corrupção, uma proposta é a oficialização do uso do “informante do bem” na administração pública para “entregar” possíveis irregularidades. Em troca o informante poderá receber até 5% do valor recuperado. Ele terá direito à preservação de sua identidade. O projeto prevê que não haverá condenação com base apenas em depoimentos do informante. Ou seja, será preciso comprovação das informações.
Prisão após a 2.ª instância para todos os casos e em 1.ª para alguns
Moro também propõe a previsão de execução de pena após condenação em segunda instância, bandeira da Operação Lava Jato. “Isso é importante para corrupção, é importante para crime violento e é importante para organização criminosa”, argumenta o ministro. Ele esclarece que essa é uma “mudança fundamental”.
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O pacote anticrime não pretende fazer isso por meio de alterações na Constituição, e sim no Código de Processo Penal. “Por que não uma PEC [proposta de emenda à Constituição]? Nós estamos respeitando o entendimento atual do STF. Por quatro vezes o STF disse que é constitucional. Na minha opinião não tem necessidade, segundo a interpretação do Supremo, de uma alteração na Constituição”, diz o ministro.
Atualmente, o caso das prisões em segunda instância está sendo rediscutido no Supremo Tribunal Federal (STF), com julgamento previsto para abril. O projeto de Moro altera o Código de Processo Penal e prevê que “ao proferir o acórdão, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritiva de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”. O projeto prevê exceção apenas em casos em que houver questão constitucional envolvida.
O ex-juiz também prevê em seu projeto a execução de penas a partir de condenação por um Tribunal do Júri (primeira instância) em casos de homicídio. A exceção é apenas para situações em que a defesa apresente recurso que não seja protelatório e que tenha potencial de alterar o resultado do júri.
Medidas contra o crime organizado
Uma das medidas contempladas no pacote é a tipificação de organizações criminosas, que passarão a ter um tratamento mais duro na legislação – se o Congresso aprovar as mudanças. Moro cita como exemplos de organizações criminosas que serão contempladas pelas mudanças legais o PCC, o Comando Vermelho, a Família do Norte, o Terceiro Comando Puro, os Amigo dos Amigos – e também as milícias. A infiltração de policiais nessas organizações será autorizada expressamente. “É necessário jogar mais duro com essas entidades”, disse Moro sobre o combate ao crime organizado.
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Moro também sugere que lideranças de organizações criminosas armadas comecem a cumprir pena em estabelecimentos penais de segurança máxima. Além disso, o projeto proíbe a progressão de pena para líderes de facções criminosas. “O recado é claro: se integrar organização criminosa não progride de regime.”
Também está entre as propostas a previsão legal de que bens de criminosos apreendidos pelas autoridades possam ser usados no combate ao crime. Além disso, o pacote prevê o “confisco alargado” de bens obtidos ilicitamente. No caso de crimes em que a lei prevê uma pena máxima superior a seis anos, Moro sugere que possa ser decretada a perda de bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com seu rendimento lícito.
Penas mais duras e mais rigor nos presídios
Outra medida anticrime é o endurecimento de penas e do cumprimento delas. “Não é um endurecimento geral”, diz Moro. O ministro afirma não desconhecer a situação de superpopulação carcerária do país, mas defende que algumas penas precisam ser endurecidas nesses casos. “Sermos mais rigorosos com crimes mais graves é um dos anseios da sociedade”, defende Moro. “Aqui basicamente o alvo é o criminoso profissional.”
Para condenados por crimes hediondos, por exemplo, a progressão de regime passa a acontecer apenas após o cumprimento de três quintos da pena em regime fechado. Hoje, isso ocorre apenas para quem é reincidente (para os demais casos de crimes hediondos, a progressão de regime começa após o cumprimento de dois quintos da pena). “Tem que aumentar o percentual de regime fechado. Isso não é autoritarismo, isso não é fascismo. Isso é rule of law. Temos que ser mais rigorosos com a criminalidade grave. É inaceitável que as pessoas que cometem crimes hediondos com resultado morte apenas cumpram uma parte infima de suas penas e logo retornem ao convívio social como se nada tivesse acontecido”, explicou o ministro.
Um trecho do pacotão trata exclusivamente de crimes cometidos com uso de armas de fogo, que terão penas aumentadas em 50% além do tempo previsto no Código Penal. As medidas de Moro preveem regime inicial fechado para crime de roubo com arma de fogo. “Pela legislação atual isso não é imposto. Nós estamos estabelecendo isso como regra”, diz o ministro.
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No projeto, Moro também sugere mudanças no regime jurídico dos presídios. O projeto prevê que em presídios de segurança máxima, os presos ficarão em celas individuais, receberão visitas por meio virtual ou no parlatório, com o máximo de duas pessoas por vez, separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações.
Além disso, o projeto prevê o monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive correspondência escrita. A ideia é impedir que líderes de organizações criminosas possam dar ordens de dentro dos presídios. Moro também sugere que sejam proibidas saídas temporárias de presos condenados por crimes hediondos, de tortura ou de terrorismo.
Outra proposta é facilitar que acusados presos possam ser interrogados por meio de videoconferência. Segundo Moro, isso vai economizar recursos com o transporte de presos de penitenciárias para fóruns de Justiça – além de garantir mais segurança à sociedade.
Excludente de ilicitude e culpa negociada
O projeto também tem um capítulo que trata da “legítima defesa” – que engloba a proposta do “excludente de ilicitude” proposto pelo presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Considera-se legítima defesa, pelo projeto, casos em que o agente policial ou de segurança pública “em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem” e quando o agente “previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
Em entrevista coletiva, Moro explicou que essas mudanças também incluem cidadãos que, por exemplo, venham a matar um criminoso que ameça sua vida ou a vida de outros inocentes.
Também há no pacotão o chamado “plea bargain” (barganha de pena), sistema usado nos EUA por meio do qual o acusado negocia a redução de pena com o Ministério Público ao assumir a culpa. A medida desafogaria a Justiça. “Isso não se confunde com colaboração [premiada]”, diz Moro. Na delação, o acusado entrega “companheiros” de crime em troca de redução de pena.
Dentre as medidas também há mudanças para dificultar a prescrição de penas – proposta para evitar a impunidade. “O processo penal tem que acabar ou com absolvição ou com condenação. Prescrição é apenas falha do sistema”, disse.
Banco Nacional de armas de fogo e de DNA
Moro também prevê que dados relacionados à coleta de registros balísticos serão armazenados no Banco Nacional de Perfis Balísticos. O banco também vai cadastrar armas de fogo, armazenando características de classe e individualizadoras de projeteis e estojos de munição. O banco, segundo o projeto, vai ser constituído por registros de elementos de munição deflagrados por armas de fogo relacionadas a crimes, para subsidiar ações destinadas à apuração criminal.
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Moro também propõe a criação do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais. Neste banco ficarão cadastrados dados de impressão digital e “quando possível”, de íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais.
O pacote de Moro ainda prevê que todos os condenados por crimes dolosos, mesmo sem o trânsito em julgado, serão submetidos a identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, quando ingressar no sistema prisional. Moro já havia falado sobre esse tema em seu discurso de posse. O projeto prevê que os condenados que já cumprem pena também poderão ser cadastrados no Banco Nacional de Perfil Genético. A recusa em fornecer o DNA, segundo prevê o projeto de lei, será considerada uma falta grave.
Combate unificado ao crime
Moro argumenta que crime organizado, corrupção e criminalidade comum estão interligados e é preciso combatê-los de forma unificada. O crime organizado, segundo ele, alimenta a corrupção e a criminalidade comum. “Os três problemas estão vinculados. Não adianta tratar de um sem tratar dos demais”, diz Moro. O ministro explica que parte dos homicídios estão relacionados, por exemplo, à disputa do tráfico de drogas ou dívida de drogas. Além disso, a corrupção drena recursos públicos que são necessários para combater o crime comum nas ruas.
Antes de apresentar o pacote anticrime publicamente, Sergio Moro mostrou as propostas nesta segunda-feira (4) para governadores e secretários estaduais de Segurança Pública. O objetivo é conseguir apoio deles para que as propostas sejam aprovadas no Congresso. A proposta também foi apresentada nesta segunda-feira ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Segundo Moro, a ideia é que o pacote anticrime seja aprovado num prazo curto – ou pelo menos médio. “Eu acho que há uma receptividade no Congresso”, diz Moro.
O pacote deve ser enviado à Câmara após a recuperação do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que acaba de passar por uma cirurgia.
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