| Foto: Mauro Pimentel/AFP

O juiz federal Sergio Moro enviou mensagem aos magistrados da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) em que revela ter se inspirado no juiz italiano Giovanni Falcone – responsável pela condenação de centenas de mafiosos da Cosa Nostra – para decidir trocar a toga pelo comando do ministério da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL).

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Moro nunca escondeu sua admiração por Falcone, a quem costuma citar em palestras e até mesmo em decisões da Lava Jato. Falcone obteve do mafioso Tommaso Buschetta uma confissão de 329 páginas que revelou em detalhes o funcionamento da Cosa Nostra, a máfia siciliana. O depoimento ajudou a deflagrar, anos mais tarde, a Operação Mãos Limpas, que revelou um esquema de corrupção envolvendo partidos e políticos italianos.

Depois de construir toda uma trajetória em Palermo, sua cidade natal, Falcone aceitou convite do então primeiro-ministro Giulio Andreotti e mudou-se para Roma em 1991, assumindo o cargo de Diretor de Assuntos Penais no Ministério da Justiça. “Se tiver sorte, poderei fazer algo também importante”, assinala Moro na mensagem aos colegas.

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Em seu texto, Moro diz que, no governo italiano, Falcone “fez grande diferença mesmo em pouco tempo”. Em 1992, Falcone, sua esposa e integrantes da escolta foram assassinados a mando do mafioso Salvatore Totò Riína. A estrada por onde trafegavam de carro, a caminho do aeroporto de Palermo, foi dinamitada.

“Parece macabro, mas é importante ver os resultados obtidos com esse trabalho. Mas esse caso rumoroso em que eu trabalho tem muito mais a ver com o que veio depois, a Operação Mãos Limpas. E graças a Deus todos os juízes da Mani Pulite estão vivos”, disse Moro em palestra em 2015.

Na ocasião, o juiz paranaense revelou que, sempre que enfrenta uma situação difícil, gosta de reler a história de Falcone. “Às vezes reclamamos de barriga cheia. Qualquer impressora que trava parece que é o fim do mundo. Então, quando estou numa situação difícil, penso que não é tão difícil quanto a que ele enfrentou.”

Eis a mensagem que Moro enviou aos colegas na sexta-feira (2):

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“Prezados colegas magistrados federais,

A todos que me endereçaram congratulações aqui, meus agradecimentos.

Foi uma decisão muito difícil, mas ponderada.

Em Brasília, trabalharei para principalmente aprimorar o enfrentamento da corrupção e do crime organizado, com respeito à Constituição, às leis e aos direitos fundamentais.

Lembrei-me do juiz Falcone, muito melhor do que eu, que depois dos sucessos em romper a impunidade da Cosa Nostra, decidiu trocar Palermo por Roma, deixou a toga e assumiu o cargo de Diretor de Assuntos Penais no Ministério da Justiça, onde fez grande diferença mesmo em pouco tempo. Se tiver sorte, poderei fazer algo também importante.

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Da minha parte, sempre terei orgulho de ter participado da Justiça Federal e os magistrados terão sempre o meu respeito e admiração. Continuem dignificando a Justiça com atuação independente (mesmo contra, se for o caso, o Ministério da Justiça).

Abs a todos,

Sergio Fernando Moro”

Em abril de 2015, Moro revelou à jornalista Maria Cristina Fernandes, do “Valor”, quais foram os juízes que motivaram sua atuação na Lava Jato. Além de Falcone, ele mencionou o norte-americano Earl Warren e o brasileiro Gilson Dipp.

Segundo explicou, Warren tirou a Suprema Corte dos EUA “do pelotão auxiliar do macarthismo para colocá-la na linha de frente da luta pelos direitos civis”. Falcone, depois de conseguir a condenação da Cosa Nostra, na Itália, “dedicou-se a projetos de lei antimáfia”. Dipp, um dos principais artífices das varas de crimes financeiros, foi, segundo a jornalista, “um dos juízes mais temidos pelos escritórios de advocacia do país”.

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Maria Cristina observou que “o ministro aposentado do STJ foi preservado no oratório do comandante da Lava Jato a despeito do seu parecer contra a espinha dorsal da operação, a delação do doleiro Alberto Youssef”. A assessores que lhe cobraram a preferência, Moro disse que o parecer não é do juiz, mas do advogado, registrou ela.

O juiz italiano Giovanni Falcone, “ídolo” de Moro. 

Quem foi Giovanni Falcone

O juiz italiano Giovanni Falcone, apontado por Sergio Moro como sua inspiração para deixar a toga e assumir cargo no governo, foi um dos responsáveis por deflagrar uma onda de prisões contra a máfia siciliana Cosa Nostra. Reconhecido internacionalmente, recebeu prêmios por sua imparcialidade.

Foi ele quem convenceu o mafioso Tommaso Buscetta a romper o código de silêncio da organização. Falcone dirigiu os grandes julgamentos nos anos 1980, com mafiosos apresentados dentro de jaulas, no fundo de salas construídas especialmente para estes processos, em Palermo. Centenas deles foram sentenciados à prisão perpétua.

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Já na década de 1990, informações obtidas após testemunhos do dissidente da KGB Vladimir Bukovski e de Tommaso Buscetta desencadearam a Operação Mãos Limpas. Deflagrada em 1992, a operação descobriu um grande esquema de corrupção a partir de licitações irregulares e o uso do poder público em benefício particular e de partidos políticos.

Considerada uma das maiores operações anticorrupção já realizadas na Europa, a investigação levou cerca de 3 mil pessoas à cadeia e investigou empresários, ministros e cerca de 500 parlamentares. A operação foi coordenada pelo juiz Antonio Di Pietro.

Poucos meses depois do início do Mão Limpas, quando já ocupava um cargo oficial no governo italiano, Falcone, aos 53 anos, e sua mulher, a também magistrada Francesca Morvillo, foram assassinados brutalmente. O carro onde estavam o juiz e sua mulher explodiu ao passar por uma estrada que foi dinamitada por explosivos. Três guarda-costas também morreram.

Giovanni Brusca, por ordem de Salvatore Totò Riína, ativou o detonador dos mais de 400 quilos de explosivos escondidos sob a estrada de Trapani a Palermo. Em pouco tempo, os assassinos de Falcone foram presos e levados a julgamento. As provas obtidas contra eles levaram a novas descobertas e outras prisões.

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Aos poucos esse impulso foi arrefecendo. A razão seria o desejo da classe política de colocar um fim aos muitos escândalos que a atingiram.

**** Essa reportagem foi corrigida porque dava a entender que o juiz Giovanni Falcone foi o autor da Operação Mãos Limpas. Na verdade, a ação foi coordenada pelo juiz Antonio Di Pietro, que foi entrevistado pela Gazeta do Povo em março de 2016.