Responsável pela condenação do ex-presidente Lula na Lava Jato, o juiz Sergio Moro citou na noite da terça-feira (21) o “inegável” avanço social do país nas últimas décadas, promovido em grande medida pelos governos do PT, como exemplo de que não há problema que não possa ser vencido pelo país. Em palestra durante o 14.º Congresso Brasileiro de Procuradores Municipais, em Curitiba, Moro disse que a corrupção sistêmica pode ser combatida com sucesso da mesma forma que a desigualdade social foi reduzida nas últimas décadas.
Moro não chegou a citar nominalmente Lula, Dilma Rousseff ou o PT. Mas a referência aos governos petistas foi clara. Ele usou como exemplo do enfrentamento da desigualdade social os programas de transferência de renda e as cotas nas universidades. As duas políticas, embora tenham começado a ser implantadas no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), se intensificaram nas administrações do PT. E viraram uma espécie de marca registrada dos petistas.
Moro disse ainda que a redemocratização dos anos 1980 e o combate à inflação na década de 1990 foram outros grandes desafios enfrentados e vencidos pelo país.
“Isso significa que não há problema invencível. A corrupção, por mais grave que seja, pode ser superada”, afirmou Moro.
País precisa de um Plano Real de combate à corrupção
O juiz da Lava Jato defendeu a necessidade de o Brasil fazer reformas institucionais para aprimorar o combate à corrupção e evitar possíveis retrocessos nessa área. “Precisamos de reforma mais gerais, uma espécie de Plano Real do combate à corrupção”, disse Moro – desta vez se referindo, igualmente sem citar nomes diretamente, a Fernando Henrique Cardoso e a seu plano que domou a hiperinflação brasileira nos anos 1990.
Um dos pontos do plano anticorrupção defendido pelo juiz foi a manutenção do entendimento de que pessoas condenadas em segunda instância comecem a cumprir a pena na cadeia. Há uma articulação para que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja esse posicionamento e determine que apenas condenados em última instância sejam encarcerados.
Outra conquista elogiada por Moro foi a proibição das doações eleitorais feitas por empresas.
Dentre as ideias que precisam ser implantadas, Moro citou a redução ou eliminação por completo da abrangência do foro privilegiado – que estabelece que políticos com mandato sejam julgados apenas pelos tribunais superiores. De acordo com o juiz, esses tribunais não estão vocacionados para julgar processos criminais. E, desse modo, ocorre a lentidão judicial e a impunidade. “Impunidade e corrupção são irmãs que caminham juntas”, afirmou Moro. Sem o foro privilegiado, os políticos seriam julgados por juízes de primeira instância – como o próprio Moro.
O juiz da Lava Jato também disse que uma das causas da corrupção no país é o loteamento político dos cargos públicos. Para ele, seria preciso haver uma lei que reduzisse o número de cargos comissionados, de indicação política.
O exemplo da Geórgia, um país que era de gângsters
Sergio Moro usou a Geórgia, uma ex-república integrante da União Soviética, como exemplo de que o Brasil pode avançar significativamente no combate à corrupção. O juiz contou que a Geórgia, logo após ter conquistado sua independência, nos anos 1990, era um país de gângsters “pior que o Brasil”. Até mesmo diplomas universitários eram vendidos.
Quando a Geórgia começou a implantar um programa de combate à corrupção, no início dos anos 2000, ocupava o 77.º lugar no ranking internacional da corrupção (quando mais próximo do 1.º posto, menos corrupta é uma nação). Hoje, segundo Moro, a Geórgia está em 46.º. E o país é conhecido como o que mais avançou na direção de uma sociedade mais transparente. O Brasil, em compensação, ocupa atualmente uma posição similar à da Geórgia quando aquela nação decidiu enfrentar a corrupção.
Aplausos em pé e vaias
Durante sua participação no congresso, embora Moro tenha sido aplaudido em pé pela maioria dos cerca de 500 procuradores municipais que estavam no evento, um grupo minoritário vaiou o juiz. Eles protestavam contra o convite que a Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM) fez a Moro para falar no congresso.
A maior parte dos procuradores contrários a Moro decidiu não participar do encontro em Curitiba, mas um grupo com cerca de 25 pessoas compareceu para manifestar repúdio ao juiz da Lava Jato. Eles afirmaram que faixas contrárias a Moro, que pretendiam exibir durante a palestra do juiz, foram retidas na entrada do congresso.
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