O primeiro tópico do projeto de lei anticrime que será enviado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, ao Congresso Nacional, trata da execução da pena a partir da condenação em segunda instância judicial. A previsão não é uma novidade, já que Moro prometeu que esse item faria parte do pacote de medidas legislativas e é um tema caro aos integrantes da Lava Jato. Mas o ministro optou por não propor a mudança por meio de emenda à Constituição (PEC) e sim por projeto de lei ordinária, o que pode gerar ainda mais questionamentos sobre o assunto.
Atualmente, a previsão para que condenados em segunda instância comecem a cumprir a pena é um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse entendimento permitiu, por exemplo, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após condenação a 12 anos e um mês pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) no caso do tríplex. O tema, porém, está longe de ser pacificado.
O STF marcou para abril o julgamento no plenário de duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADCs) sobre prisão em segunda instância e pode rever o atual entendimento. No final do ano passado, uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello, relator das ADCs, mandava soltar todos os presos que estivessem cumprindo pena em segunda instância no Brasil – incluindo Lula. Mas a liminar foi derrubada logo em seguida pelo presidente do STF, Dias Toffoli.
O que diz o projeto
No projeto de Moro, há alterações na Lei de Execuções Penais, no Código de Processo Penal e no Código Penal para deixar clara essa previsão, mas isso não garante a manutenção do entendimento atual sobre o tema. No projeto, Moro sugere que “ao proferir o acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritiva de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”.
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Na prática, a escolha de Moro facilita a aprovação do projeto. Projetos de lei ordinária precisam de menos apoio para serem aprovados no Congresso – é necessária aprovação por maioria simples dos parlamentares presentes na votação. Se enviasse a previsão em forma de PEC, seriam necessários 308 votos na Câmara e 49 no Senado.
Em coletiva de imprensa para apresentar o projeto, Moro defendeu a proposta. “O governo federal tem a responsabilidade de liderar o processo de mudança [sobre a prisão em segunda instância]”, disse. “Isso é importante para corrupção, é importante para crime violento e é importante para organização criminosa”, argumentou o ministro.
Por que não uma PEC?
Moro também esclareceu porque optou por não encaminhar uma PEC sobre o tema ao Congresso. “Por que não uma PEC? Nós estamos respeitando o entendimento atual do Supremo Tribunal. Por quatro vezes o STF disse que é constitucional. Nós apenas vamos deixar claro qual a posição do atual governo federal sobre a questão e modificar a legislação para deixar clara a posição do legislador sobre esse tema. Na minha opinião não tem necessidade, segundo a interpretação da maioria do Supremo, uma alteração na Constituição”, defendeu.
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Para o advogado criminalista e professor de Direito Penal na Unicuritiba, Gustavo Scandelari, a avaliação de Moro está correta. “Eu não acho que é necessário alterar a Constituição”, defende. “A Constituição somente vincula o trânsito em julgado à declaração de culpa e não ao início da execução da pena. Quem faz isso é a legislação”, explica o advogado.
Já o professor de Direito Constitucional, Paulo Schier, discorda. “Isso não é tão simples”, avisa. “O que ele está propondo é estabelecer em lei uma hipótese de restrição de direitos fundamentais”, alerta o professor. Schier ressalta, ainda, que o entendimento sobre prisão em segunda instância não está pacificado no STF.
Sem PEC, nada é garantido...
Sem alterar a Constituição, os dois advogados concordam que o projeto de Moro, mesmo que seja alterado, pode acabar derrubado se o STF rever sua posição sobre prisão em segunda instância. Nesse caso, pode-se questionar a constitucionalidade da lei, mas segundo Scandelari, a lei continuaria vigente até um novo julgamento no STF sobre o caso.
“A questão é que se isso é aprovado e o STF modifica seu entendimento, a gente vai ter uma situação de inconstitucionalidade”, explica Schier.
... mas PEC não poderia tramitar
Os dois especialistas também concordam, no entanto, que não seria possível propor uma PEC para deixar claro na Constituição a previsão de prisão em segunda instância. Eles argumentam que o trecho constitucional que fala em presunção de inocência até o trânsito em julgado é uma cláusula pétrea da Constituição, por estar no artigo quinto, que trata dos direitos fundamentais. “Configuraria inconstitucionalidade por violação de cláusula pétrea”, defende Schier.
“Seria mais seguro [apresentar uma PEC]. O problema é que essa cláusula da Constituição é inalterável, é uma cláusula pétrea”, reforça Scandelari. Para ele, a apresentação de projeto de lei ordinária é mais fácil e gera menos debate do que uma tentativa de alterar a Constituição.
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