O juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, disse que o combate à corrupção não pode andar para trás e pediu o fim do foro privilegiado para autoridades. “Não são aceitáveis retrocessos”, disse Moro.
O discurso aconteceu no evento Brasileiros do Ano, promovido pela revista “Istoé”, em que Moro foi o principal homenageado.
“É necessária a revisão do instituto do foro privilegiado. Primeiro porque ele é contrário ao princípio fundamental da democracia que é o princípio do tratamento igual”, disse o magistrado. “Eu falo isso com bastante conforto porque eu como juiz também sou detentor desse foro privilegiado e eu não vejo nenhum problema que ele seja retirado dos juízes. Eu não quero esse privilégio para mim”, disse Moro.
Neste momento o juiz foi aplaudido efusivamente pela plateia. O presidente Michel Temer e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, sentados a poucos passos de Moro, não aplaudiram.
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Antes do discurso de Moro, Temer, os ministros Moreira Franco e Henrique Meirelles e o presidente do Senado, Eunício Oliveira, foram os únicos a não se levantar para aplaudir o juiz. Os outros 20 nomes no palco ficaram de pé.
No mês passado o presidente sancionou medida provisória aprovada pelo Congresso que deu status de ministro a Moreira Franco e assim garantiu foro privilegiado ao aliado.
Prisão em segunda instância
Tanto Temer quanto Moreira Franco são investigados pela Operação Lava Jato. No palco ainda havia outros citados por delatores da operação, como o ministro Helder Barbalho, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), escolhido como o Brasileiro do Ano na Política.
Moro também se dirigiu diretamente a Temer pedindo que o governo pressione o Supremo Tribunal Federal a não mudar o entendimento em relação à possibilidade da prisão de um condenado em segunda instância.
Em nota divulgada nesta quarta-feira (6), o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende clientes da Lava Jato, ironizou o pedido de apoio de Moro. “Imagine se eu, como advogado que assinei e sustentei a ADC [Ação Declaratória de Constitucionalidade], resolva escrever um artigo pedindo a interferência do Executivo, do Presidente da República, usando o enorme poder que tem a presidência – expressão usada pelo juiz – junto ao Judiciário, junto ao Supremo Tribunal Federal. Seria certamente acusado de tentar obstruir a Justiça, de tentar influenciar indevidamente um julgamento junto ao Poder Judiciário”, afirmou Kakay.
O advogado acrescentou, ainda, que não acha errado que Moro peça que seja mantido o entendimento atual da Corte. “Não considero errado a manifestação do juiz, que na realidade age como parte, mas se a defesa faz o mesmo seria massacrada como se estivesse fazendo uma interferência abusiva e ilegal. O princípio da paridade de armas só existe no papel”, concluiu.
Moro também se dirigiu ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao dizer que é importante manter investimentos na Polícia Federal. “Me parece que alguns investimentos são necessários para o refortalecimento da Polícia Federal”, disse. “Na próxima quinta-feira haverá uma cerimônia em Curitiba em que serão devolvidos para a Petrobras recursos recuperados nesses casos criminais da ordem de mais de R$ 600 milhões”, disse. “Então investir no combate à corrupção é algo que eleva a economia.”
Moro também disse que é preciso diminuir o loteamento de cargos públicos e reformar os tribunais de contas.
Questionado pela “Folha de S.Paulo” sobre defender a Lava Jato ao lado de Temer e outros envolvidos no escândalo, Moro riu. “Vou ficar devendo uma resposta”, disse.
Decisão no STF
Sobre a revisão pelo STF da possibilidade de rever o cumprimento de pena após decisão em segunda instância, o juiz disse que “ainda acha incerto que vão rever”.
“Outros ministros também podem mudar de posição, então não acho assim tão certo [que revertam o entendimento]”, afirmou. Perguntado a quais ministros se referia, Moro declinou. “Vou ficar devendo essa resposta.”
Na segunda (4), o ministro Gilmar Mendes, do STF, disse que a prisão após condenação em segunda instância não é obrigatória e que é preciso desconfiar se o Ministério Público tentar ocupar um vácuo de poder.
Em 2016, o Supremo decidiu que a pena poderia começar a ser cumprida depois que um tribunal referendasse a primeira decisão. Gilmar, naquela época votou a favor da execução provisória da pena, mudou de opinião e agora defende que o réu recorra em liberdade.
“Seria possível prender-se. Mas não dissemos que era obrigatória a prisão”, destacou o ministro durante evento em Brasília.