O idioma inglês criou a palavra “frenemy”, junção de friend (amigo) e enemy (inimigo), para designar aquelas pessoas com quem uma relação aparentemente cordial pode ser, na verdade, fonte de grande tensão. A política é especializada em “frenemies” – o ex-presidente americano Barack Obama tinha com seu vice, Joe Biden, uma constante situação de amizade e rivalidade simultâneas.
Aqui no Brasil, o “frenemy” mais famoso do momento vem também da vice-presidência. Trata-se do general Hamilton Mourão. O vice-presidente tem, recentemente, dado declarações e feito gestos que desagradaram aliados do presidente Jair Bolsonaro e geraram um forte ruído dentro do governo federal.
Aborto, CUT, Israel: os pontos que Mourão contrariou o governo
Entre os exemplos, está a fala de que o aborto “é uma decisão da pessoa”, algo que contraria o posicionamento de Bolsonaro e da quase totalidade dos integrantes do PSL. Mourão também promoveu uma reunião com membros da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entidade que vive às turras com Bolsonaro. O vice-presidente disse ainda que o Brasil não tomou decisão sobre a transferência da embaixada do país em Israel para Jerusalém, iniciativa anunciada por Bolsonaro e que indica sintonia com o governo dos EUA. Como Mourão tem ocupado a Presidência em virtude da internação de Bolsonaro, seus atos ganham mais repercussão.
As reações aos posicionamentos de Mourão vieram, por exemplo, do filósofo Olavo de Carvalho, considerado um guru do governo Bolsonaro. Olavo usou as redes sociais para chamar Mourão de “charlatão desprezível”, “vergonha para as Forças Armadas, para a Maçonaria e para o Brasil” e alguém que “não comanda nem a sua boca”. O filósofo também disse que “ninguém votou em Mourão”.
OPINIÃO: Bolsonaro endossa as graves acusações de Olavo de Carvalho contra Mourão?
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, disse à revista Época que “desse aí não tenho nada a declarar”, quando questionado sobre Mourão. O ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, próximo de Eduardo, afirmou à Folha de S.Paulo que considera Mourão alguém “desagradável” e não útil.
Já outro deputado federal do partido disse reservadamente à Gazeta do Povo considerar “muito estranha” a movimentação recente do general. E a deputada estadual eleita Janaína Paschoal (PSL-SP), uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, escreveu em seu perfil no Twitter: “Deixa o Mourão trabalhar esse período, ele vai ter menos tempo para dar entrevistas”.
Golpista, não. Apenas querendo mais influência
Membros do PSL rejeitam a ideia de que Mourão seria um “golpista” e não acreditam que ele esteja articulando para ocupar o lugar do presidente da República – ao contrário da teorias que se espalham pelas redes sociais. O entendimento é de que ele estaria buscando mais influência dentro do Palácio do Planalto.
Ao longo da campanha eleitoral, Mourão disse em diversas oportunidades que não gostaria de ser um “vice decorativo”, expressão cunhada por Michel Temer e que acabou simbolizando o rompimento entre ele e Dilma Rousseff. O vice é também considerado o principal líder do “núcleo militar” do governo, um dos grupos que marcam a composição da gestão Bolsonaro.
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De todo modo, o presidente Bolsonaro tem se empenhado para se manter na chefia do Executivo mesmo estando internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo – onde se submeteu a uma cirurgia de retirada da bolsa de colostomia e religamento intestinal . Na sexta-feira (8), ele se reuniu com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e com o subchefe de Assuntos Jurídicos, Jorge Francisco de Oliveira. O encontro ocorreu no quarto do hospital. Na imagem da reunião divulgada por Bolsonaro em suas redes sociais, o presidente aparece com um pijama, enquanto os outros dois usam terno e gravata - e máscaras cirúrgicas.
Líder do governo diz que tudo não passa de “fofoca de lavanderia”
Líder do PSL na Câmara, o deputado federal Delegado Waldir (GO) minimiza a ideia de um confronto entre Mourão e Jair Bolsonaro. “Tudo isso é mera boataria. Não existe nenhum problema entre o presidente e o vice. Tanto não existe que o vice assumiu os espaços. Ele é o vice-presidente, foi eleito junto, tem total autonomia de falar e se manifestar as suas opiniões”, diz o parlamentar.
Waldir destaca a inexistência de declarações públicas de membros do primeiro escalão do governo – ou do próprio Jair Bolsonaro – de ataque a Mourão. “Me mostre uma gravação, uma filmagem de algum membro do governo, do núcleo duro do Bolsonaro, criticando o Mourão. Não tem”, diz. “Nós temos a [reforma da] Previdência para aprovar, nós temos um projeto contra o crime que nunca tivemos antes, e o pessoal está atrás de fofoca de lavanderia?”, ironizou.
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Apesar de negar a rusga entre Mourão e o centro do bolsonarismo, Waldir admite a existência de um foco de conflito com Olavo de Carvalho. “O que existe é uma discussão entre ‘aquele guru lá’ e o Mourão. É um debate entre os dois pelo Twitter.”
Para o parlamentar, a influência de Olavo dentro da bancada do PSL precisa ser relativizada. “Eu não conheço o Olavo de Carvalho. Não sei quem que ele é. Não dependi dele para me eleger. Não tenho nenhuma ligação com ele. Sei que alguns parlamentares são apaixonados por ele, mas não é o meu caso. Eu tenho total independência. Meus votos nunca foram conquistados com nenhum vínculo ideológico. Eu tenho minhas opiniões que eu mesmo criei; não preciso de ninguém para criar nada para mim”, afirmou.
“Não cabe mais a ele ficar proferindo as suas opiniões particulares”
Apesar da negativa do líder do PSL, os ruídos com as atitudes recentes de Mourão permanecem dentro do partido. A fala do vice-presidente sobre o aborto despertou reações inflamadas de parlamentares da sigla de Jair Bolsonaro.
Filipe Barros (PSL-PR) foi à tribuna da Câmara na terça-feira (5) para contestar o vice-presidente. “Não são o Executivo e nem o Judiciário, através do STF [Supremo Tribunal Federal], as instituições competentes para legislar sobre o aborto. A Casa competente é este Congresso Nacional. E enquanto eu e os deputados e a bancada do PSL estivermos aqui, o aborto não será legalizado”, disse, em pronunciamento.
À Gazeta do Povo, Barros reforçou as críticas ao vice-presidente. “Hoje, o Mourão não é um cidadão como qualquer outro. Ele é o vice-presidente da República. Ele representa a instituição da Presidência. E, portanto, as suas opiniões sempre serão entendidas como uma opinião da vice-presidência da República. Então não cabe mais a ele ficar proferindo as suas opiniões particulares. A opinião que ele tem que emitir é a opinião do governo”, atacou.
O deputado diz acreditar que, se Mourão tivesse exposto sua opinião sobre o aborto durante o período pré-eleitoral, Bolsonaro não teria considerado o seu nome para a vice-presidência. “Eu tenho certeza que essa opinião pessoal dele não foi dita ao Bolsonaro no momento em que o Bolsonaro convidou para ser vice”, afirma Barros. “O Mourão não foi eleito. Quem foi eleito foi Jair Messias Bolsonaro. Todos nós que votamos, votamos em Bolsonaro, e não no Mourão.”
Com Bolsonaro internado, Mourão tende a seguir “falando”
Como o estado de saúde de Jair Bolsonaro ainda tem despertado preocupações e sua alta hospitalar não tem data certa, Mourão seguirá “sozinho” em Brasília por mais alguns dias.
A situação faz com que o governo deva esperar mais para apresentar ao Congresso sua principal proposta no campo econômico, a da reforma da Previdência. O próprio Mourão já disse, em entrevistas, que o assunto só progredirá depois que Bolsonaro deixar o hospital. Recentemente, o vice-presidente declarou também ser favorável à inclusão dos militares na reforma da Previdência – tema mais do que sensível na categoria, pelo fato parte dos militares serem também defensores da inclusão, e outra parte alegar que o regime distinto de trabalho merece, também, regras peculiares para a aposentadoria.
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