Durante a cerimônia que deu o cargo de ministro da Defesa a Fernando Azevedo no último dia 2, o presidente Jair Bolsonaro fez uma saudação especial ao seu vice, o general Hamilton Mourão. Bolsonaro – que, como capitão reformado, está abaixo de Mourão na hierarquia do Exército – disse que a continência que ele e Mourão devem prestar um ao outro é “simultânea”, já que ambos são hoje “soldados do Brasil”.
O “soldado-general” Mourão vai ocupar o cargo mais importante do país no fim do mês. Ele será presidente da República interino enquanto Bolsonaro viaja a Davos (Suíça) para participar do Fórum Econômico Mundial, que ocorre entre 22 e 25 de janeiro. O vice deve depois ter mais um período na chefia do Executivo quando Bolsonaro se licenciar para passar por uma cirurgia para retirar a bolsa de colostomia – efeito, ainda, do atentado de setembro do ano passado em Juiz de Fora (MG).
A experiência de Mourão como presidente interino vai coroar uma carreira rápida, surpreendente e inusitada. O general, respeitado no meio militar, jamais havia disputado uma eleição. Foi escolhido como vice de Bolsonaro depois da desistência de outros nomes mais cotados, como o senador Magno Malta (PR-ES) e a deputada estadual eleita Janaína Paschoal (PSL-SP).
Além disso, Mourão vai chegar ao comando do Planalto ainda sob os ecos da nomeação do seu filho para a assessoria da presidência do Banco do Brasil, indicação que triplicou o seu salário. Anunciada na terça-feira (8), a nomeação colocou Mourão no centro do debate sobre o início do governo e despertou reações da oposição e críticas até mesmo de apoiadores da gestão Bolsonaro.
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Todo esse quadro, somado ao perfil do general, a declarações controversas e a episódios de falta de sintonia entre ele e outros membros do primeiro escalão da Esplanada deixa no ar um certo ar de incerteza de como será a atuação de Mourão como presidente da República.
Mourão tem uma agenda ativa, nas salas de governo e nas redes sociais
Durante a campanha eleitoral e nos meses de transição, Mourão manteve uma agenda ativa, tanto nas salas de governo quanto nas redes sociais. O ritmo segue nos dias iniciais de gestão. Mourão foi uma das únicas autoridades que comentou publicamente a reunião ministerial de 19 de dezembro, a que acabou ofuscada pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello que poderia levar à liberação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Imensamente proveitosa a reunião de hoje, quando foram apresentadas as primeiras ações de cada ministério do novo governo, a partir de 2019”, escreveu, no dia, em seu perfil no Twitter.
A rede social é bastante utilizada pelo vice-presidente, tanto para mensagens institucionais quanto para conversas mais informais com internautas: já desejou feliz aniversário a uma eleitora, agradeceu um internauta que escreveu “TREMEI, ESQUERDA” para o juramento de Mourão no dia da posse e, no último dia 3, interagiu com o perfil satírico chamado “Fatos sobre o Mourão”, que atribui ao vice-presidente façanhas como ter contado ao infinito duas vezes.
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Nem sempre, porém, as manifestações de Mourão são imunes a polêmica. Algumas de suas falas já geraram eletricidade entre ele e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Na quinta-feira (10), ele disse que Onyx poderia ter tido “mais carinho” no ato em que demitiu cerca de 320 funcionários do ministério. “Eu acho que tem que saber dosar a coisa”, afirmou.
Em dezembro, ainda antes da posse, Mourão disse que Onyx teria que “se retirar” do governo se for comprovada alguma “ilicitude” por parte dele. O titular da Casa Civil foi citado em delações de executivos da J&F como beneficiário de doações eleitorais por meio de caixa dois, e também já admitiu ter sido contemplado com recursos não declarados em outras ocasiões.
Mas a principal controvérsia que envolve Mourão tem como foco algo que está fora do governo Bolsonaro. O fato de seu filho, Antonio, ter ascendido a um cargo na elite do Banco do Brasil apenas poucos dias após o pai tomar posse como vice-presidente da República tem ganhado os jornais. O vice-presidente procurou contemporizar; disse que Antonio é competente para a função (“se pudesse, teria na minha equipe”) e que “em governos anteriores, honestidade e competência não eram valorizados”. Antonio, porém, ascendeu na carreira durante a era PT. Ele teve oito promoções nas gestões de Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff.
Mourão disse na quinta-feira (10) que o caso “é um assunto morto”. Independentemente de sua vontade, o tema poderá aparecer ainda com bastante frequência nas próximas semanas – principalmente quando o general for o comandante da República.
Mourão luta para não ser vice “decorativo”
Mourão afirmou por diversas ocasiões que não gostaria de ser um “vice decorativo” – expressão cunhada pelo então vice Michel Temer em 2015, em carta endereçada a Dilma Rousseff, que acelerou a crise entre os dois. Com o uso do termo, o atual vice-presidente quis deixar claro o interesse em ter papel decisivo nos trabalhos do governo de Jair Bolsonaro.
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A meta, no entanto, ficou mais dificultada após a divulgação da nova estrutura do governo federal, anunciada logo no primeiro dia do mandato de Bolsonaro. A vice-presidência ficou sem funções e nenhum órgão a ela subordinado. Mourão disse que ainda está aguardando uma definição de Bolsonaro sobre sua função no governo.
O “decorativo” Temer chegou a exercer, entre abril e agosto de 2015, uma função formal na articulação política da gestão Dilma, que já vivia crise com o Congresso Nacional. Já José Alencar, vice-presidente durante os oito anos de mandato de Lula, comandou o Ministério da Defesa por cerca de um ano e meio, entre 2004 e 2006.
“Craque não pode ficar sem jogar”
Apesar da personalidade forte e do esvaziamento das funções do vice-presidente, aliados de Mourão não acreditam que sua passagem pela Presidência da República possa trazer dores de cabeça a Jair Bolsonaro.
“Ele veio pra trabalhar. E o craque não pode ficar sem jogar”, diz Levy Fidelix, presidente do PRTB, o partido de Mourão. Apesar da ressalva, Fidelix disse identificar uma “grande sintonia” entre Mourão e Bolsonaro. “Existe uma sinergia entre os dois. E quando Mourão assumir a Presidência da República, não haverá nenhuma diferença para o trabalho de Bolsonaro. Eles [Mourão e Bolsonaro] se sintonizam bem; apenas um está num cargo, outro está em outro”, diz.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também aposta na convergência entre titular e suplente da Presidência. Segundo ele, Mourão participou ativamente dos trabalhos da transição governamental e tem influência nos projetos que estão sendo tocados nesse início de gestão. “A grande diferença entre Bolsonaro e Mourão é mais pelo estilo de comportamento”, diz.
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Salles falou ainda que não acredita em um “esvaziamento” da vice-presidência. Para ele, a retirada de cargos e estruturas pode levar ao aumento da eficiência governamental. “O governo está se reestruturando, ajustando funções. Diminuir o que está abaixo não significa retirar poder. Às vezes, pode representar o oposto”, destacou.
Militares que conversaram com a Gazeta do Povo na cerimônia de posse do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, apontaram ainda que a rigidez da hierarquia do Exército pode também contribuir para que Mourão não traga problemas a Bolsonaro. A análise deles é que, embora a patente de Bolsonaro seja inferior à de Mourão, hoje eles são presidente da República e vice – ou seja, Bolsonaro é quem está acima na hierarquia, e ao subordinado cabe respeito aos papéis estabelecidos pelo processo eleitoral.
“A partir de ontem [dia 1.º] ele é o comandante supremo das Forças Armadas. Recebe todos os direitos e obrigações em relação a isso. Ao nosso comandante supremo, a nossa devida continência”, falou Azevedo, aos jornalistas, em referência à patente de Jair Bolsonaro.
A Gazeta do Povo procurou o vice-presidente General Mourão para esta reportagem, mas ele não quis conceder entrevista.
Histórico mostra que interinidade não é “decorativa”
Ao longo dos últimos anos, vice-presidentes que ocuparam o cargo de modo interino acabaram por protagonizar alguns episódios que deram a eles um espaço superior ao esperado para alguém que está apenas cumprindo uma substituição.
José Alencar ficou 400 dias chefiando a República – muito por causa da ampla agenda internacional executada por Lula – e acabou assinando decisões de relevo como a medida provisória que autorizava a plantação de soja transgênica, em 2003, e a nomeação do ministro Dias Toffoli para o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009.
Antes do impeachment e de exercer a articulação política, Temer buscou atuar com descrição na substituição a Dilma Rousseff, mas foi quem chancelou atos controversos como o veto à redução da jornada de trabalho de psicólogos, em 2011, e o aval à exoneração coletiva de ministros no fim de 2014, na transição entre o primeiro e o segundo mandato da petista. Entre os demissionários da ocasião, estava a senadora Marta Suplicy (MDB-SP), que deixava a pasta do Turismo e, pouco tempo depois, largaria o PT e passaria à oposição ao governo Dilma.
Já os então presidentes da Câmara Marco Maia (PT-RS) e Aécio Neves (PSDB-MG) também tiveram breves oportunidades de chefiar o Executivo na ausência do presidente e do vice. Maia chamou a atenção ao receber, em 2012, um grupo de manifestantes do movimento negro que se acorrentou na entrada do Palácio do Planalto. Conversar com integrantes de manifestações não fazia parte da rotina da titular da Presidência à época, Dilma Rousseff. E Aécio sentiu um breve gosto do poder em 2001, por causa de uma viagem à Bolívia de Fernando Henrique Cardoso e Marco Maciel. Na ocasião, o tucano assinou atos administrativos com uma caneta que pertencera ao seu avô, Tancredo Neves, e que, segundo a tradição familiar, estava preparada para o registro no termo de posse como presidente da República.
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